Vai ser divulgada hoje uma carta aberta aos candidatos a prefeito dos sete municípios da Província do Grande ABC. O documento terá a assinatura de dirigentes de 13 instituições de Ensino Superior. Eles formam o chamado Fórum dos Dirigentes das Instituições Públicas e Comunitárias de Ensino Superior da Região do ABC.
Para simplificar, vamos chamar o movimento de Clube dos Dirigentes do Ensino Superior do Grande ABC. O noticiário curto e grosso publicado em dois jornais eletrônicos dá conta de que reitores e diretores pretendem lembrar os candidatos que a região depende do ensino e do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, "prioridades estratégicas nacionais que devem ser promovidas de forma suprapartidária.
Estou louco, louco mesmo, para conhecer esse documento. A mobilização de reitores e diretores é inédita. Houve algo semelhante nos anos 1990, mas não avançou além da retórica. Tomara que não seja uma ação coordenada apenas porque o calendário eleitoral aperta o cerco nos concorrentes às prefeituras. Tenho a sensação de que estão batendo em portas erradas. Salvo algumas potenciais exceções, a classe política desdenha de agenda que contemple o ensino como conexão obrigatória ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Os políticos preferem temas mais populares porque conhecem o cheiro da brilhantina.
Debilidade informativa
O material reproduzido pelos jornais não dá a garantia de que o Clube dos Dirigentes do Ensino Superior do Grande ABC tenha pleno conhecimento do que se passa na economia da região. Se soubesse, não permitiria que se divulgasse espécie de peça publicitária. Coloca-se a Província como quarto PIB (Produto Interno Bruto) do País, “com três milhões de habitantes, dezenas de milhares de empresas e milhares de indústrias”. Exceto os três milhões de habitantes, e mesmo assim com condicionantes econômico-sociais graves, as demais qualificações não casam com a realidade dos fatos. Não temos milhares de empresas (a menos que se considerem as microempresas individuais, que também podem ser chamadas, em larga escala, de desempregados ou subempregados formalizados como patrões de si mesmos, quando não desempregados de si mesmos) e tampouco milhares de indústrias.
Fico desconfiado desse movimento (e peço desculpas em caso de equívoco de interpretação) porque não se faz em cima da hora, na reta final de uma disputa eleitoral maciça, como a que temos nesta temporada na região, uma mobilização de tamanha importância. Tomara que seja uma derrapagem apenas de marketing no bom sentido do conceito.
Se há algo que pode antecipar a fragilidade de um novo produto, seja qual o novo produto, é a inconsistência da preparação do que se pretende alcançar. Se o Clube dos Dirigentes do Ensino Superior sugere que foi organizado a toque de caixa, é possível que a carta de recomendações aos prefeituráveis derrape na definição de prioridades, bem como na sustentabilidade de um conteúdo que poderá ser raso e desconectado da realidade regional.
Pretensão antiga
Um dos sonhos dourados da regionalidade da Província do Grande ABC e que jamais saiu do terreno de conjecturas desde que me conheço por jornalista nestas terras é a mobilização entrincheirada das instituições de Ensino Superior em busca de mudanças que se encaixem numa agenda de demandas da juventude. Sempre se falou muito em reunir essas instituições numa associação bem azeitada, mas jamais se levou a proposta adiante. Seria agora em pleno calor eleitoral o plantio mais apropriado a colheitas que se distanciem de uma penca de promessas?
Sem exagero, acho que quando sair a agenda do Clube dos Dirigentes do Ensino Superior vou poder responder à indagação que fiz no parágrafo anterior. Estou cético em relação ao resultado final dessa empreitada. Chamo por resultado final o que é na verdade resultado parcial. O resultado parcial é o casamento objetivo e factível da pauta que será anunciada e um horizonte que não seja de abstrações, subjetividades e tergiversações. O entrosamento entre pauta e decisões pragmáticas é o que interessa à Província do Grande ABC. Não temos mais tempo a perder, até porque já perdemos tempo demais.
Quase estava sendo atropelado pela leitura um pouco acelerada do material publicado pela Imprensa. Agora, com vagar, leio que não será entregue apenas uma carta, sobre a importância do ensino e do desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Outro documento se juntará àquele e tratará do encaminhamento de compromissos que os candidatos traduziriam em forma de apoio à causa.
Acho que estava passando batido porque as duas cartas poderiam ser apenas uma, a contemplar as duas premissas, uma de cunho macroinstitucional e outro objetivamente regional. O chamamento para a pauta desta quinta-feira não obedeceu a critérios de riqueza informativa que, ao mesmo tempo, protegessem o conteúdo especifico da manifestação. Para um conjunto de instituições que formam espécie de elite acadêmica da região, o resultado da assessoria de marketing veiculado pelos jornais foi desanimador.
Caminho da improdutividade
Quem é do ramo de comunicação sabe como fazer um chamamento midiático que aguçaria a atenção da sociedade. Tomara que o tropeço não se amplie em direção à cúpula do movimento. A Província do Grande ABC precisa mesmo de algo diferente no setor universitário porque a tradição de que as instituições se fecham em copas e raramente dão as caras às questões econômicas e sociais mais relevantes não foi sedimentada aleatoriamente. É uma bola de neve de decepções que se sobrepuseram dolorosamente a castigar o conjunto da sociedade.
O noticiário dá conta de que o movimento é suprapartidário, “visando o bem de todos os cidadãos”. Não acredito em resoluções que alterem significativamente o tecido econômico da região, com repercussões sociais profundas, sem enfrentamento ideológico. Há nichos de conservadorismo à direita e à esquerda que precisam ser demolidos.
Os impactos financeiros que um plano de ensino e do desenvolvimento da ciência e tecnologia passam pela recomposição orçamentária dos municípios que, por sua vez, sofrem entre outros percalços com um quadro de desindustrialização desolador às finanças públicas. É preciso mexer no vespeiro e para mexer no vespeiro não há saída senão atacar valores ideológicos de agremiações partidárias que se espalham por instituições formais da sociedade.
Suprapartidarismo é um convite à inação, à diplomacia inútil, ao congelamento de iniciativas transformadoras. Suprapartidarismo é uma senha a supostas concessões entre integrantes de movimentos aparentemente reformuladores, os quais se revelam, mais adiante, extremamente conflitantes e imobilizadores.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!