Sociedade

Residencial Ventura: cartório
já registra passivo ambiental

DANIEL LIMA - 23/08/2016

Está sacramentado pelo Primeiro Ofício de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos de Santo André: os 320 apartamentos do Residencial Ventura, no Bairro Jardim, vão carregar as marcas da irresponsabilidade de um empreendimento que contrariou a legislação ambiental. Não foi por falta de aviso. Denunciei as irregularidades em 2010. Fui condenado em primeira e também em segunda instância. Fui salvo apenas em terceira instância pela obviedade escandalosa de irregularidades processuais. Promotores e juíza sentenciaram que eu era irresponsável. O tempo deu conta do recado. Menos para os proprietários dos apartamentos construídos em terreno que durante sete décadas manteve uma indústria química poluidora por excelência.

Sim, seis anos depois, cada um dos 320 apartamentos do Residencial Ventura vai carregar o peso da averbação exigida pelo juiz titular da 2ª Vara Cível de Santo André, Luís Fernando Cardinalle Opdebeeck. Ele determinou que se constasse de cada propriedade o registro de que o Residencial Ventura foi erguido numa área comprovadamente maculada pela contaminação ambiental. O cartório de Santo André já atendeu ao magistrado. A marca do oportunismo e da irresponsabilidade passa a escandalizar cada escritura.  O passivo ambiental está ali, inexoravelmente.

Sei por fontes dos próprios moradores e proprietários do Residencial Ventura que meu nome virou espécie de assombração quando das primeiras denúncias sobre o empreendimento da Mac Cyrela. Era preciso estigmatizar o autor das matérias nesta revista digital. Era uma disputa entre David e Golias. A Mac Cyrela é poderosa. Seus parceiros oficiosos de jornada também. Por isso, fizeram de tudo para me transformarem em bandido no Judiciário.

Quanto vale agora?

O tempo passou até que, em junho último, o Ministério Público do Meio Ambiente de Santo André, em ação do promotor José Luiz Saikali, provou quem tinha razão. Ontem o cartório de Santo André confirmou a decisão da 2ª Vara Cível e fez constar à margem de cada registro do imóvel a referência ao resultado final da investigação do Ministério Público.

Quanto, a partir dessa decisão judicial, vai valer cada apartamento do Residencial Ventura? Quanto sofrerá de prejuízo monetário cada proprietário desses imóveis de classe média-média, cujo valor oscilaria entre R$ 800 mil e R$ 1,2 milhão?

Especialistas do mercado imobiliário torcem o nariz quando essas perguntas são formuladas. Eles atribuem uma perda mínima de 50%. Chutam ou sabem o que falam? Pior é que a demanda por aquelas propriedades praticamente desaparecerá.

Quem tem disposição a arriscar-se? Se o MP solicitou e o Judiciário concordou que o condomínio exige monitoramento ambiental constante, quem é capaz de contrariar a farta documentação técnica que embasou as duas decisões? Não serão sofismas e meias-verdades da Mac Cyrela, do Semasa e da Cetesb que vão aliviar a situação real do empreendimento.

Próximos passos?

Que medidas judiciais os representantes do condomínio vão tomar para preservar os direitos dos proprietários? E olhem que não estamos nos referindo diretamente à potencialidade confirmada pelo MP do Meio Ambiente de que aquele conglomerado de apartamentos poderá representar de risco ambiental. O Residencial Ventura pode ser evacuado a qualquer momento, segundo declaração do MP ratificada pelo Judiciário.

Quem se fiou na omissão vergonhosa da mídia regional como sinalização de que nada de grave ali se implantou em forma de empreendimento imobiliário não sabe nada sobre os cordéis que movimentam os grandes negócios do setor.

Até que ponto os moradores e proprietários do Residencial Ventura vão permanecer calados?

Quando alguém vai ter a coragem e o discernimento de reagir publicamente?

A vaca do silêncio de conveniência para não desvalorizar a propriedade individual já foi para o brejo. Não adianta mais fingir que nada está acontecendo.

O Residencial Ventura está sob suspeição de que coloca em risco a vida de seus moradores.

O Residencial Ventura já está sacramentado como investimento imobiliário que deu com os burros nágua.

O Residencial Ventura está indelevelmente tingido pela contaminação denunciada por este jornalista.

Omissão do prefeito

Recentemente, em tom de deboche, um proprietário de apartamento do Residencial Ventura sugeriu que eu adquirisse uma unidade no local. Dizia-se tranquilo com a segurança do local. Mesmo admitindo que não faltam problemas de construção em todos os cantos do empreendimento, garantia o proprietário que a situação descrita por mim, quando da série de matérias que compuseram o dossiê de denúncia encaminhada ao Ministério Público de Santo André, não passava de ilações sem sustentação.

Tudo parecia atender aos desejos mais recônditos de abusos, até que veio o resultado da perícia ambiental do Ministério Público de Santo André, utilizando-se de um braço de especialidade técnica do MP do Estado.

Em 14 de maio de 2010 – o texto está disponível nesta revista digital – alertamos o então prefeito de Santo André, Aidan Ravin, sobre os riscos do empreendimento. Sob o título “Aidan Ravin vai dar habite-se ao explosivo Residencial Ventura?”, escrevi nas primeiras linhas do artigo: 

 Sei por fonte mais que merecedora de crédito que está para ser aprovado o habite-se do Residencial Ventura (...). O empreendimento foi construído em terreno de uma contaminada indústria química que a família de Sergio De Nadai transformou em ótimo negócio imobiliário com a Mac Cyrela Itália Empreendimentos. Mais que um ótimo negócio imobiliário, um suspeitíssimo negocio imobiliário. (...) O Residencial Ventura pode ser o Condomínio Barão de Mauá da classe média de Santo André. Sei lá até que ponto irão os acertos da Prefeitura de Santo André para a liberação daqueles 320 apartamentos, e quanto custaram os acertos para a liberação das obras, há praticamente três anos. Só posso adiantar que não tenho o menor interesse, que também pode ser interpretado como coragem, de morar ali. Nem de graça, se querem saber. O que ficou latente no Residencial Ventura é que muita gente ganhou dinheiro com as obras, porque a área é nobre do ponto de vista geográfico. Nada melhor para seduzir os compradores, muitos alheios à ocupação predecessora do espaço. (...) Sabem lá os leitores o que pode estar escondido de fato num solo que durante sete décadas atendeu a uma indústria química contraproducente não necessariamente por conta de negligências, mas sobretudo pelo padrão técnico então vigente num mundo alheio às consequências ambientais dos métodos de produção? Uma área tão desvalorizada pelo passivo ambiental que foi adquirida na bacia das almas, mas acabou virando ouro tempos depois na cola da febre do mercado imobiliário.

O ovo da serpente

O texto prosseguiu. Particularmente o parágrafo que reproduzo na sequência, entre outros, explica boa parte das razões de estar respondendo a ações judiciais movidas pelo empresário Milton Bigucci, notório produtor de irregularidades nas relações com a clientela, conforme denúncia do Ministério Público do Consumidor de São Bernardo. Leiam com atenção: 

 Esperar que a Associação das Construtoras, Imobiliárias e Administradoras de Imóveis dirigida por Milton Bigucci se mexesse para conferir ao empreendimento algo como a chancela de comprometimento social seria demais. Se há algo que não preocupa a entidade, lobista do setor imobiliário, é o que pode afetar os compradores de imóveis. Fosse diferente, há muito a Acigabc e outras entidades do gênero espalhadas em rede por este Brasil varonil já teriam compartilhado com os interessados do outro lado do balcão um manancial de normas éticas do setor. Seria pedir demais, claro. O materialismo rega a atividade. Agora, que esses lobistas são bons de conversa, de exigir ética dos outros, disse ninguém tem dúvidas. As exceções individuais, longe das ramificações institucionais, confirmam a regra.

Justificando o título

Por fim, na complementação do artigo, os parágrafos que justificam o título da matéria. Leiam: 

 A Administração do prefeito Aidan Ravin poderia pegar esse bonde de desconfianças fundamentadas em certezas, até prova em contrário, e transformá-lo em coisa séria se em vez de levar vantagem com o habite-se requisitado, dar tratos à bola no atendimento das solicitações aqui expostas – escrevi.

O então prefeito de Santo André não me ouviu. Deu o habite-se numa noite de festa entre empreendedores e compradores. Mais tarde Aidan Ravin meteu-se em encrencas imobiliárias, pelas quais responde como réu de um time inteiro de denunciados no caso do Semasa. Sem contar que outros empreendimentos seguiram a mesma trilha de desconfiança e irregularidades.

Os compradores e moradores do Residencial Ventura fizeram tudo que era possível, pelos seus representantes condominiais, para esconder uma farsa ambiental, de forma que não viessem a sofrer danos financeiros. Perderam duas vezes. Moram onde não deveriam morar, porque o Residencial Ventura não poderia ter seguido cronograma de irresponsabilidade, e também choram os prejuízos evidentes de carregarem registros de apartamentos marcados pelo desprezo à segurança deles próprios.

Leiam também:

Aidan Ravin vai dar habite-se ao explosivo Residencial Ventura?



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