Sociedade

Unidas, fortes e
bem determinadas

WALTER VENTURINI - 05/01/2004

Maiores vítimas do desemprego, as mulheres encontram nas cooperativas uma alternativa para a sobrevivência e a busca pela liberdade. No Grande ABC, vários grupos se formam em torno de atividades profissionais desde as mais comuns como de costureiras até as mais inusitadas como as trabalhadoras da construção civil em Diadema, que fazem serviço pesado e provam que conseguem qualidade e diferencial no acabamento.


Pesquisa feita pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócios Econômicos) indica que a taxa média de desemprego entre as mulheres é cerca de 5% superior à dos homens e que um quarto das famílias brasileiras são sustentadas por uma trabalhadora. Mesmo quando conseguem trabalhar, elas ganham apenas 61,9% do rendimento médio dos homens. Por causa dessa realidade e da crise que a deixou um ano sem emprego é que Maria Regina Teresa, em Diadema, decidiu ser pedreira.


Aos 37 anos, já avó e única responsável pelos quatro filhos e o neto nascido há três meses, Regina preencheu uma ficha do posto local da Central de Trabalho e Renda, onde anotou que tinha noções em construção civil, depois de ajudar o pai pedreiro e de construir quase que sozinha a pequena casa de dois cômodos onde vive com a família, no Bairro Eldorado.


Suporte da família


Junto com outras 22 mulheres com perfil social muito parecido com o seu, Regina montou a VisualCooper, com a ajuda da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Diadema. “A maior parte das mulheres da cooperativa é formada por mães que sustentam as famílias. Elas geralmente têm baixa escolaridade e idade avançada para o mercado” -- analisa Valéria Hasu do Nascimento, agente administrativa da secretaria, que acompanha o processo de formação da Visual Cooper e outras cooperativas formadas por mulheres no segundo semestre de 2003.


Regina e as companheiras participaram inicialmente de um curso no Centro de Treinamento da Departamento de Trabalho e Renda da Prefeitura, onde tiveram aulas de assentamento de tijolos, revestimento com argamassa e pintura. O teste decisivo aconteceu durante o estágio na Construtora MZM. No primeiro dia, as mulheres da VisualCooper foram fazer um assentamento de blocos. “Na hora, a gente tremeu porque os pedreiros ficavam olhando a gente. Mas não fizemos feio” -- conta Regina, escolhida para presidir a cooperativa.


A empresa percebeu o diferencial das mulheres da Visual Cooper que se não assentavam tijolos com a mesma habilidade que os homens, faziam serviços de pintura e acabamento com um mínimo de sujeira. Por causa disso, foram escaladas na primeira empreitada para reformar de dois apartamentos de alto padrão no Bairro Rudge Ramos, em São Bernardo. A obra seguinte foi a reforma do prédio do Sacolão do Bairro Serraria, em Diadema, onde a VisualCooper cuidou da pintura. São serviços temporários nos quais as mulheres conseguem receber média de R$ 400. A cooperativa das pedreiras ainda depende da Prefeitura para contatos em novos serviços.


Demissão na raiz


Foi também a necessidade de trabalhar que levou Maria Iranildes dos Santos, 41 anos, casada e com dois filhos, a participar da CooperForme, uma cooperativa de costura e confecção formada em outubro de 2003. Há um ano, a nova empreendedora amargava o desemprego “Trabalhava numa autopeças que quase fechou” -- conta Iranildes, demitida de uma empresa de Diadema que reduziu seu quadro de 60 para 40 funcionários.


Após fazer cadastro para conseguir um emprego no posto da Central de Trabalho e Renda, foi chamada para formar a cooperativa, que já começou a fazer uniformes, aventais e outras peças de vestuário para atividades profissionais. O primeiro cliente é a ETCD (Empresa de Transportes Coletivos de Diadema), para quem a cooperativa fornecerá uniformes para cobradores e motoristas. O próximo passo é fornecer aventais e jalecos para hospitais e unidades de saúde da Prefeitura.


História parecida tem a costureira Angelina Nunes de Oliveira, 50 anos, viúva, sete filhos, moradora da favela Sacadura Cabral, em Santo André, onde vive há 30 anos. Ao contrário de Iranildes, Angelina trabalhou durante 20 anos em empresas de confecção e tinha noção do negócio e do processo produtivo quando, junto com outras 30 mulheres criou a Cooperativa Olho Vivo, em 26 de julho de 1999. Na época, estava desempregada e somente dois filhos trabalhavam. “Costureira mesmo, só tinham duas ou três, além de mim” --  afirma cooperada.


O grupo conseguiu alugar um pequeno galpão ao lado da favela e reuniu algumas máquinas de costura domésticas que, de acordo com Angelina, não eram adequadas para a produção. A Olho Vivo começou a fazer uniformes industriais em regime de facção. O cliente entregava o tecido cortado e as mulheres da Olho Vivo produziam o uniforme, cobrando pela prestação de serviço.


União Européia


A primeira máquina de costura profissional, uma Interloque, chegou por meio de doação. Como a prioridade era o pagamento das despesas de custo fixo, como aluguel, e contas de água e luz, pouco ou nada sobrava para as cooperadas. Aos poucos, as mulheres abandonavam o empreendimento. “Os maridos cobravam a falta de dinheiro e elas desanimavam. Houve momentos em que somente três cooperadas davam conta do serviço para atender as encomendas.” -- conta Angelina, que não desistia de conseguir ajuda para a cooperativa.


Quando um representante da União Européia visitou a favela para acompanhar uma iniciativa de apoio a programas sociais, Angelina mostrou a cooperativa e disse que precisava de novas máquinas para fazer a produção avançar. O italiano se interessou pelo empreendimento e disse que iria conseguir ajuda para a compra de novas máquinas. Demorou dois anos, mas o dinheiro chegou para a cooperativa, que comprou caseadeira, botoneira e uma traverti, para costuras especiais.


Mas disposição e coragem não eram suficientes para fazer a Olho Vivo deslanchar. Durante quatro anos, a cooperativa se manteve em atividade com muitas dificuldades e poucas sobras, o dinheiro dividido entre as cooperadas após o pagamento das contas. “Não basta saber fazer barra de calça do marido e o mercado exige qualificação” -- afirma Sônia Maria Silva Leite, estilista industrial, que atualmente faz criação e desenvolvimento de produtos para a cooperativa. Inicialmente, Sônia dava cursos do Senai para as mulheres da Olho Vivo. Mas graças a verba do Orçamento Participativo de Santo André, ela pode ficar inteiramente à disposição do empreendimento.


Planos não faltam


Hoje, a cooperativa tem 16 máquinas de costura profissionais e muitos planos pela frente. A meta é que passe a ter a própria produção. A estilista já começou a criar alguns produtos para a planejada grife Olho Vivo que além de marketing social para atrair consumidores politicamente corretos, vai também produzir roupas e utensílios com um toque artesanal pouco comum nas confecções industrializadas. Blusas, saias e calças femininas começaram a ser produzidas, com bordados feitos por novas cooperadas da Vila Luzita que se integraram ao empreendimento.


Outro lançamento é uma bolsa com sinhaninhas confeccionadas por mulheres do projeto Vem Maria, da Prefeitura, vítimas de violência doméstica. “Não temos como fazer roupas fashion, porque não conseguiríamos competir com grandes indústrias de confecção. Queremos fazer produtos socialmente corretos” -- garante Sônia.


Crescimento


Na região, cada vez mais surgem empreendimentos como a Olho Vivo e a Visual Cooper, como forma alternativa ao emprego tradicional. De acordo com a Organização das Cooperativas de São Paulo, aumentou em 20% o número de empresas solidárias no estado desde 1998. Em Santo André, existe outra cooperativa de costureiras. Em Diadema, um grupo formado exclusivamente de mulheres também formou a CooperSerd, que faz serviços de limpeza.


“A mulher tem esse negócio do resgate da ajuda mútua. Ela está mais preparada para se envolver dentro desse movimento, que é sempre de acolhimento, de inclusão. É a grande mãe, na dimensão feminina da economia solidária” -- analisa Oscarina Camillo, psicóloga e representante da coordenação nacional do Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Oscarina ressalta que é crescente o contingente feminino nas várias instâncias do movimento cooperativo. Na coordenação do Fórum Brasileiro, as mulheres já são maioria.


Nas camadas mais carentes da população feminina, o engajamento nesse tipo de atividade resulta também numa independência antes inexistente. Entre trabalhadoras como Regina, Iranildes e Angelina, além da sobrevivência, a participação em cooperativas tem um significado maior. “Por muito tempo, a gente era só da cozinha. Hoje, temos mais é que participar. Tudo é muito cansativo, mas sinto orgulho de dizer que isso é nosso” -- desabafa Angelina ao falar da empresa da qual faz parte.


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