O terceira edição do Observatório Econômico traz um manancial de dados que consubstanciam ainda mais algumas das mais importantes análises históricas de LivreMercado. Uma das maiores preciosidades contidas no boletim editado pela secretaria de Desenvolvimento e Ação Regional da prefeitura de Santo André em parceria com o Centro Universitário Fundação Santo André está na análise numérica e dimensional do segmento varejista do Grande ABC com base em informações obtidas junto ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e Emprego: dos 35.465 estabelecimentos de varejo formalizados no Grande ABC em 2002, nada menos que 23.896 -- ou 67% do total -- correspondem a negócios que não contabilizam sequer um empregado registrado. São micro-empresas de estrutura mais que franciscana cujo quadro funcional se esgota no próprio dono e no máximo poucos ajudantes, normalmente da família.
"São praticamente negócios de subsistência tocados por conta própria. O quadro majoritário é de flagrante precariedade" -- reconhece Vladimir Sipriano Camillo, professor do departamento de Economia da Fundação Santo André e um dos coordenadores do estudo. "Imagine se, de uma hora para outra, uma multidão quiser seguir a carreira de físico nuclear. Vai sobrar esse tipo de profissional no mercado e certamente não haverá espaço para todos" -- propõe Camillo, para ilustrar o transbordamento do micro comércio como reflexo dos cortes na indústria -- foram 100 mil vagas ceifadas no Grande ABC desde 1985.
Universo mais amplo
Se se somar aos 23.896 comerciantes por conta própria os 7.601 estabelecimentos com até quatro funcionários chega-se a 88% do universo de estabelecimentos com menos de cinco empregados. Outras 2.236 unidades varejistas têm de cinco a nove assalariados formais, 1.094 contabilizam de 10 a 19 funcionários, além de 432 de 20 a 49 empregados, 134 de 50 a 99, 55 entre 100 e 249, 15 com até 499, um com até 999 e um com mais de mil funcionários.
A situação retratada pelo Observatório Econômico converge com muitas abordagens prospectivas e inéditas às quais LivreMercado se lançou com o duplo sentido de decodificar os meandros da economia e desmascarar conclusões falaciosas de estatísticas manipuladas. Uma dessas abordagens estampou a capa da edição de janeiro de 2001 com o título Capitalismo de Terceira Classe, cuja reportagem mostrou que um terço da economia do Grande ABC girava em torno de autônomos e pequenos negócios familiares com até cinco assalariados -- e que a situação real era e continua sendo muito diferente, portanto, da aura de pujança e super-estrutura organizacional irradiadas pelas mitológicas montadoras.
Outra prospecção que está diretamente relacionada à realidade dimensionada pelos dados do Observatório foi exibida na reportagem de capa de fevereiro de 1998 com o título Quem Salva os Pequenos Negócios? O ensaio de seis páginas pormenorizou com ineditismo a situação de sinuca de bico a que estavam fadados o pequeno comércio varejista espremido, de um lado, por uma overdose de concorrentes egressos das vagas desaparecidas na indústria, e de outro, por grandes shoppings centers e cadeias supermercadistas nacionais. Este parágrafo da matéria resumia a situação.
"Uma sucessão de estabelecimentos comerciais e de serviços surgiu em endereços próximos entre si, numa febre que tem nome e sobrenome: necessidade de sobrevivência. O que fazer diante desse cenário de competição sobreposta que envolve número cada vez maior de vizinhos do mesmo porte e perfil de produtos, disputando o mesmo público, e ainda a indigesta sobremesa de grandes redes e seu elevado poder de sedução?"
Domínio dos grandes
O Observatório Econômico oferece um dado que dimensiona, parcialmente, o efeito arrebatador que os grandes centros exercem sobre o pequeno comércio. O boletim afirma que cinco hipermercados são responsáveis por 36,67% do valor adicionado gerado por 400 estabelecimentos comerciais de Santo André. Embora inexistam dados consolidados para conferir contornos precisos, significa que o universo majoritário dos micro-negócios se viram como podem para disputar um naco mercadológico proporcionalmente muito reduzido.
A tendência de concentração do varejo é uma lâmina sobre o pescoço dos comerciantes de subsistência porque escala de vendas torna-se, cada vez mais, condição indispensável de competitividade. Dados da Abras (Associação Brasileira de Supermercados) presentes no boletim indicam que as 300 maiores empresas brasileiras do setor abocanham 74,5% das vendas nacionais. Nos Estados Unidos a Wal-Mart sozinha é responsável por 60% das vendas de varejo. A empresa fundada pelo lendário Sam Walton é apontada como providencial freio dos índices de inflação nos Estados Unidos -- graças à altíssima produtividade -- e desembolsa US$ 1 de cada US$ 10 que os Estados Unidos importa da China.
Empregos insuficientes
Em outro estudo sobre o comportamento do mercado regional de trabalho, desta vez relacionado ao segmento industrial, o Observatório mostra que foram criados 1.717 postos formais nos setores de serviços de transporte e comunicação entre janeiro e outubro de 2003, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego. Mas os efeitos positivos da boa notícia se esfumaçam diante do estoque superlativo de desempregados na região que não suportou o escancaramento alfandegário e perdeu 39% do PIB industrial nos oito anos do governo Fernando Henrique. Somente Santo André registra 85 mil desempregados nos cadastros da Central de Trabalho e Renda, de acordo com outro estudo do boletim.
"Seriam necessárias várias décadas de crescimento a esse patamar apenas para absorver a mão-de-obra ociosa de uma das cidades" -- observa o economista Marcos Cesar Lopes Barros, que integra a equipe de coordenação do boletim.
Outra conclusão desanimadora vem da observação de que o Grande ABC gerou apenas 12 das 6.782 ocupações criadas na indústria paulista de material de transportes, na qual estão representadas as montadoras. "Trata-se de um sinal flagrante da desconcentração territorial do segmento" -- lembra Marcos Cesar.
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