A Grande Osasco -- como podem ser chamados os oito municípios ao oeste da Região Metropolitana de São Paulo -- ameaça tomar o lugar do Grande ABC como maior pólo econômico da Grande São Paulo, depois da Capital. Elaboramos estudo inédito sobre o comportamento econômico da Grande Osasco (G-8) em confronto com o Grande ABC (G-7) que vale a pena ser acompanhado. Decidi cruzar os dados porque há algum tempo escrevi sobre o deslocamento do eixo de investimentos industriais e de serviços de valor agregado em direção à Grande Osasco, beneficiada pela logística do primeiro trecho do Rodoanel. Antecipamos já há algum tempo que o Grande ABC poderia ver-se em maus lençóis não só por perder a disputa por novos negócios para o Interior mais apetrechado em vários quesitos como também para Osasco e municípios vizinhos, colados à Capital sem terem as mesmas dimensões dos atropelos da Capital.
O confronto Grande ABC-Grande Osasco entre janeiro de 1996 e dezembro de 2002 oferece dois campos interessantes. Primeiro em números absolutos, em que se dispensam aspectos demográficos. Segundo, em números relativos, que traduzem tudo na definição por habitante. No IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), aferimos o ranking dos 55 principais municípios do Estado com base em dados per capita. São mais elucidativos, justos e compreensíveis à organização de idéias. Sem relativizar, qualquer diagnóstico socioeconômico que se prepare jamais será adequadamente compreendido, e, portanto, correrá o risco de frustrar expectativas.
Primeiro vamos destrinchar os números absolutos do G-7 (Grande ABC) e do G-8 (Grande Osasco), composto por Osasco, Barueri, Carapicuíba, Cotia, Itapevi, Jandira, Santana de Parnaíba e Taboão da Serra. É provável que o enunciado-eixo deste artigo, de que o G-8 ameaça a liderança do G-7, tenha provocado calafrios em muitos leitores eventualmente desligados do histórico de perdas econômicas do Grande ABC que apontamos já há muitos anos. É possível que estejam a chamar este jornalista de lunático, porque não conseguem engolir que a turma de municípios a oeste da RMSP seja concorrência para o glorioso Grande ABC das montadoras de veículos e das indústrias químico-petroquímicas. Pois preparem-se, caríssimos triunfalistas, porque a roda está pegando.
Diferença substantiva
Em 1995 o conjunto de sete municípios do Grande ABC acumulava 2,045 milhões de habitantes e R$ 17,6 bilhões de Valor Adicionado, ou seja, de transformação industrial que, em resumo, é a capacidade de geração de riqueza. Já a Grande Osasco de oito municípios contava com 1,455 milhão de habitantes e R$ 6,4 bilhões de Valor Adicionado. O Valor Adicionado do conjunto dos municípios do Grande ABC superava em 175% o do Grande Osasco. Um show de bola que, sem dúvida, colocava a região oeste na condição de capitalismo de terceira categoria na hierarquia da Região Metropolitana de São Paulo.
Sete anos depois, em 2002, os números são extraordinariamente diferentes como consequência de dois movimentos contrastantes. O primeiro de descentralização da indústria automotiva e de abertura econômica desajuizada no setor que é nuclear à economia do Grande ABC, e o segundo de movimentação acelerada de empreendimentos incentivados pelas vantagens de perspectivas e depois de fato do trecho oeste do Rodoanel, que corta Osasco e também passa por outros municípios daquela região. Vejam o que aconteceu:
A população do Grande ABC em 2002 atingiu a 2,354 milhões de habitantes e o Valor Adicionado saltou para R$ 26,4 bilhões, com variação nominal de 50,22%, isto é, sem considerar a inflação do período de sete anos. Já a população da Grande Osasco saltou para 1,881 milhão de habitantes e o Valor Adicionado atingiu R$ 17,1 bilhões, com variação nominal de 166,26%. Isso mesmo: enquanto o Grande ABC patinou num período em que o índice inflacionário registrado pelo IGPM da Fundação Getúlio Vargas apontou 118,69%, a Grande Osasco conseguiu a proeza de superar todos os obstáculos de desgaste da moeda, fortemente pressionada pela valorização do dólar.
Diferença se esfarela
A virada da biruta de negócios aproximou mais do que se imagina o Grande ABC e a Grande Osasco na numerologia. A vantagem de 175% do G-7 registrada em 1995 caiu para 54% em 2002. Desapareceram 121% em sete anos, ou seja, 17,28% eliminados por ano. Nessa toada, em pouco mais de três anos a Grande Osasco terá ultrapassado o Grande ABC na indústria de transformação, motor de desenvolvimento econômico. A conta é simples: a velocidade média anual de crescimento do Valor Adicionado nominal da Grande Osasco durante os sete anos pesquisados foi de 23,75%, contra 7,17% do Grande ABC, resultado, respectivos, dos 166,26% acumulados pelo G-8 e dos 50,22% pelo G-7.
Agora, vamos relativizar o estudo, compactando os dados para o vetor per capita que, de fato, mais interessa como ferramenta de análise. Como se sabe, a realidade econômica da China de mais de um bilhão de habitantes seria massacrantemente humilhante para a Holanda de 16 milhões de moradores. É nesse ponto que as preocupações sobre a liderança do Grande ABC na Grande São Paulo, depois da poderosíssima Capital, devem ser devidamente avaliadas.
Em 1995, o Valor Adicionado médio por habitante do Grande ABC correspondia a nominais R$ 8,605 mil, contra R$ 4,427 mil da Grande Osasco, ou seja, uma vantagem de 94%. Sete anos depois do vendaval que atingiu o Grande ABC, a diferença per capita caiu para 23,08% porque a região passou a contar com VA por habitante de R$ 11,229 mil (variação de 30,49% contra inflação de 118,69%) contra R$ 9,123 mil da Grande Osasco (variação de 106,07%). Nessa toada, em pouco mais de três anos a Grande Osasco terá superado a produção industrial do Grande ABC, quando estabelecido o confronto entre os valores registrados e a população representada. A conta é simples: se em sete anos o Grande ABC viu a vantagem ser reduzida de 94% para 23,08%, o que dá a média de 7,09% por ano, a diferença de 23,08% será diluída em três anos e dois meses.
Encalacramento geral
O resumo dessa ópera é que os administradores públicos do Grande ABC estão cada vez mais encalacrados para dar conta das demandas sociais porque o repasse do ICMS pelo governo do Estado está fortemente ancorado pela transformação industrial. A grade que define a distribuição do ICMS leva em conta, com peso de 76%, o Valor Adicionado. Ou seja: quanto mais se esvazia economicamente um determinado município ou região, menos recursos financeiros o poder público terá em forma de transferências. Não é por outra razão que o esporte predileto da maioria dos prefeitos do Grande ABC é elevar a carga tributária própria. São Caetano operou em duas frentes: aumentou o IPTU e incrementou a guerra fiscal para arrecadar recursos com o ISS (Imposto Sobre Serviços). Já mostramos em estudos específicos que, por mais que se esforcem para melhorar o rendimento da máquina pública municipal, os prefeitos não conseguem debelar as chamas de perdas com o ICMS.
Em 1995 o Grande ABC recebeu do governo do Estado, em valores nominais, R$ 465,6 milhões de repasse do ICMS, contra R$ 186,0 milhões da Grande Osasco. Em termos per capita, o Estado distribuiu para o Grande ABC o equivalente a R$ 227,65, contra R$ 127,78 recebidos pela Grande Osasco. Uma diferença de 78,15% por habitante. Já em 2003 a rosca apertou para o Grande ABC, que recebeu R$ 294,36 de ICMS por habitante (variação de 29,30% em relação a 1995, quando a inflação do período atingiu 129,02%) enquanto a Grande Osasco saltou para R$ 246,15 (variação de 130,36%) e, com isso, reduziu a diferença per capita para apenas 19,58%.
Ou seja: o que interessa de fato para os administradores públicos é quanto lhes cabem por habitante de receitas tributárias originárias dos cofres do Estado. Para os médios e grandes municípios, o ICMS representa em média 40% das receitas orçamentárias. É um peso elevadíssimo. Já foi maior para o Grande ABC. Chegou a 75% nos bons tempos da industrialização compulsória movida a indústria automotiva. A redução da participação relativa do ICMS no Grande ABC está atreladíssima ao esvaziamento dos cofres públicos. Para se ter idéia, Santo André perdeu em termos reais dois terços das receitas do ICMS em três décadas por causa da evasão industrial que a atingiu mais duramente do que a qualquer outro município brasileiro.
Surpresa econômica
Completando esse desfilar de números, equações e enunciados, é absolutamente patente a surpresa econômica representada pela Grande Osasco. A evolução de 148,91% do repasse do ICMS (contra 166,26% do VA) aos oito municípios da região oeste da metrópole, em termos absolutos, superando a inflação do período de sete anos, entre janeiro de 1996 e dezembro de 2003, descaracteriza a generalização de que toda a Região Metropolitana da Grande São Paulo sofreu perdas industriais durante a última década -- mais precisamente no período do governo Fernando Henrique Cardoso.
O desempenho da Grande Osasco no quesito ICMS recebido no período analisado é muito superior à média de crescimento da RMSP como um todo, de apenas 76,57% (portanto, bem abaixo da inflação). Está acima do contabilizado pela Região Metropolitana da Baixada Santista com seus nove municípios (80%), dá um nó na efervescente Região Metropolitana de Campinas de 19 municípios (112,33%), na Microrregião de Sorocaba de 15 municípios (119,38%) e só conhece derrota para a microrregião de São José dos Campos de oito municípios, que evoluiu 181,09% no período.
Traduzindo tudo isso: minha avidez por desvendar mistérios das principais regiões econômicas do Estado de São Paulo (daí a criação do Instituto de Estudos Metropolitanos) está plenamente recompensada porque encontrei na Grande São Paulo uma pérola de crescimento econômico que nem mesmo seus próprios protagonistas -- autoridades públicas e eventuais lideranças empresariais -- se deram conta. O acerto estratégico do governo do Estado em abrir fronteiras internas na Região Metropolitana de São Paulo com o trecho oeste do Rodoanel mostra que é possível, sim, evitar maior desbalanceamento socioeconômico nessa mega-área de mais de 18 milhões de habitantes.
Por isso, o trecho sul do Rodoanel, que passará tangencialmente por vários municípios do Grande ABC, entre outras obras de infra-estrutura de transporte, como a Jacu-Pêssego e o Ferroanel, se transformou em questão de vida ou morte. Na toada que estamos indo, viraremos sucata logística, porque somos um labirinto contraproducente à competitividade.
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24/04/2025 GRANDES INDÚSTRIAS CONSAGRAM PROPOSTA