Alta tecnologia não é o perfil do Grande ABC, há 50 anos berço das grandes e pesadas plantas industriais. Mas pode ser, caso o embrião de um parque tecnológico que já produz e comercializa inovação seja incentivado por administradores públicos e lideranças empresariais e sindicais. Os primeiros sinais de que essa tendência é perfeitamente viável estão na parceria entre incubadoras de empresas, universidades e institutos de pesquisas da região.
Empresa e pesquisadores em qualquer parte do planeta fariam de tudo para desenvolver e comercializar tecido ecologicamente correto, 100% natural e biodegradável; ou biopolímero não tóxico para ser usado em embalagens de alimentos; ou um software de gerenciamento de plantações de laranja. Essas e outras 10 novidades surgiram no Grande ABC, foram patenteadas e são consumidas por um mercado exigente. Tudo por causa da aproximação inédita entre as incubadoras de base tecnológica e o mundo acadêmico.
Há até quem garanta que esses produtos são resultado de um pólo tecnológico no Grande ABC. “Na prática, existe o pólo tecnológico porque temos a incubadora, a universidade e os institutos de tecnologia” — afirma o professor Luiz Carlos Bertevello, do Departamento de Engenharia Química do Centro Universitário da FEI, que coordena convênio entre a escola, o Ipei (Instituto de Pesquisas e Estudos Industriais) e a Iesbec (Incubadora de Empresas de São Bernardo).
Registros e projetos
Além do registro de 13 patentes, a parceria enviou outros 15 projetos de inovação tecnológica para aprovação e apoio financeiro da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Cinco são da área de eletromecânica, quatro de automação industrial, três de software e outros três de bioquímica. “O nível que desenvolvemos é muito significativo. Já partimos para a inovação tecnológica propriamente dita, isto é, o desenvolvimento de produtos” — afirma o gerente da Iesbec, Alexandre Vancin, que prevê faturamento de R$ 11 milhões em 2004 e 2005.
Em 2003, a incubadora faturou R$ 3 milhões. Inovação tecnológica faz bem inclusive às finanças públicas. O exemplo está na Prefeitura de São Bernardo, que recupera em tributos o dobro do que investe mensalmente ao pagar o aluguel do galpão da Iesbec, de R$ 3 mil. “Só com ISS (Imposto Sobre Serviços), a arrecadação mensal é de R$ 3.810, fora os tributos recolhidos das 11 empresas que saíram da incubadora” — lembra Alexandre Vancin.
Tecnologia regional
Mais do que reforçar os cofres municipais, a produção de inovação tecnológica pode arejar a economia regional a médio e longo prazo. “Assim como o desenvolvimento econômico passa a ser questão de política regional, crescimento tecnológico também tem de ser pensado no âmbito das cidades” — analisa o gerente da Innova (Incubadora de Projetos de Desenvolvimento Tecnológico de Santo André), Alexandre Gaino.
Todo mês ele recebe média de quatro projetos de inovação tecnológica de empreendedores interessados em se abrigar na incubadora. A Innova mantém parcerias para desenvolvimento de novos produtos com a FEI, Fundação Santo André e Instituto Mauá de Tecnologia. Conseguiu R$ 100 mil junto ao CNPq para desenvolver projeto de reator eletrônico para lâmpadas de alta potência usadas em vias públicas, estádios e grandes galpões industriais. A economia no consumo de energia pode chegar a 30%.
Resultados em São Bernardo
Os resultados mais consistentes, no entanto, estão em São Bernardo, onde inovação tecnológica é sinônimo de bons negócios. “Não só desenvolvemos tecnologia como também estamos com produtos no mercado” — garante a gerente do Escritório Regional do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas) Grande ABC 1, Silvana Pompermayer. É o caso da SoftCerto, empresa incubada na Iesbec que criou sistema de controle para a citrocultura e de gerenciamento do combate à pragas nas lavouras sem agredir o meio ambiente.
Os projetos contaram com apoio de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queirós da USP (Universidade de São Paulo) de Piracicaba e da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal. Em 10 meses de incubação na Iesbec, a empresa teve crescimento de 135% no faturamento. São R$ 40 mil por mês, performance razoável para uma microempresa com sete funcionários. “Identificamos uma necessidade de mercado e trabalhamos o projeto” — afirma o diretor da SoftCerto, Raul Monteiro de Oliveira.
O Grande ABC industrial começa a produzir inovações tecnológicas com forte perfil ambiental, o que vai ao encontro da tendência do mercado em valorizar produtos ecologicamente corretos. O caso mais recente foi o lançamento do Ecovogt, tecido feito de juta, planta usada na produção de cordas e sacos de aniagem.
O mercado holandês vai fechar contrato com o estilista Caio Von Vogt, que desenvolveu o produto com o apoio de pesquisadores da FEI. O Ecovogt recebe corantes naturais a base de chás de ervas. A juta é um tecido resistente, com espessura mínima de 0,10 milímetro. Vogt conseguiu uma fibra com 0,08 milímetro que já está sendo comercializada. Essa espessura é similar à do jeans. A meta é alcançar de 0,04 milímetro. A pesquisa na FEI é de refinamento do tecido, transformando-o em algo similar ao linho.
Açaí e cupuaçu
A FEI também colocou à disposição o laboratório para pesquisa com corantes e amaciantes naturais. Já desenvolveu 10 cores. “Nosso fixador é de açaí e o amaciante de cupuaçu. A patente do tecido saiu em janeiro de 2004” — conta Caio Von Vogt, que prepara a instalação de confecção em São Bernardo e prevê que 70% da produção do Ecovogt será destinada à exportação.
Os laboratórios da FEI também foram utilizados para a finalização de produtos inovadores como o ligante termoplástico protéico aperfeiçoado pela química industrial Priscila Pierina Paglioriti, sócia da Menver, outra empresa abrigada na Iesbec. O ligante termoplástico é usado para fixar tinta em sacos de alimentos, como salgadinhos consumidos principalmente por crianças. Priscila conseguiu produzir um produto feito a base de leite animal.
A pesquisa mais recente da química e empresária é produzir o ligante termoplástico a partir da soja, o que reduziria o custo do produto a um terço e em pé de igualdade com similares de base tóxica.
A tecnologia made in Grande ABC é fruto de combinação de trabalhadores qualificados, empreendedores arrojados, técnicos e engenheiros com idéias de desenvolvimento de produtos, universidades e incubadoras de empresas. “Se olharmos para a cultura dos pólos e parques tecnológicos, veremos que é o Grande ABC voltando às suas origens. Temos todas as condições: escolas, incubadoras, institutos de pesquisa, proximidade com o porto e o pólo petroquímico. Pouca gente olha para o pólo petroquímico como deveria” — ressalta o professor Luiz Carlos Bertevello, da FEI, que vê potencial para a combinação de mão-de-obra, academia e empresas.
A região começa a esboçar a produção de uma tecnologia made in Grande ABC, mas é preciso que prefeituras, sindicatos e associações empresariais apostem nessa tendência e incentivem a formação de arranjos tecnológicos a partir de projetos com viabilidade de sucesso no mercado. “O mais difícil foi saber se existia essa vocação na região e a integração dos parceiros. Isso está acontecendo” — afirma o gerente da Iesbec, Alexandre Vancin.
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