Regionalidade

Como superar as
dificuldades atuais

DANIEL LIMA E MALU MARCOCCIA - 05/03/1997

Sugestões para o Grande ABC voltar a crescer não faltam. Especialistas em diversas atividades, a maior parte com atuação na região, desenvolvem raciocínios que em muitos casos se complementam. A importância histórica da região, berço da indústria automotiva brasileira e do então novo sindicalismo, é sempre prato cheio para quem pretende exercitar futurologia.


O economista Luciano Coutinho, professor da Unicamp, afirma que a falta de espaços para crescer, o congestionamento das linhas telefônicas e o sindicalismo trabalhista muito atuante ao longo dos tempos reduziram o brilho do Grande ABC. “A região precisa agora enfatizar seus pontos positivos para desonerar essa imagem e voltar a atrair investimentos” — afirma.


Coutinho até traçou um novo mapa de negócios para o Grande ABC, formado por redes de teleinformática, engenharia e consultoria de processos, terceirização de atividades-meio das indústrias, técnicos em manutenção, consultoria administrativa, serviços financeiros, serviços jurídicos e empresas de comunicação. O economista também citou como estratégico ao desenvolvimento regional a completa reestruturação do porto de Santos.


Emerson Kapaz, secretário de Ciências, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado, tem-se transformado numa espécie de garoto-propaganda da região. Um dos principais articuladores da Câmara Regional do Grande ABC, entidade informal formada pelo governo do Estado, Prefeituras da região e Fórum da Cidadania, Kapaz espera dar neste mês o pontapé inicial dessa gestão combinada.


Outras câmaras regionais vão ser ativadas em todo Estado, mas o secretário afirma que, ao privilegiar o Grande ABC como deflagrador desse inusitado processo de desenvolvimento econômico e social, está de olho na repercussão nacional. “A região é referência para o Brasil, pelas peculiaridades históricas e pelo momento por que passa, por isso tínhamos de começar por aqui” — afirma.


O secretário estadual espera contar também com representantes de grandes empresas sediadas na região, das áreas comercial, industrial e de serviços. Parceria é a palavra que mais repete e deve ser entendida como a introdução de políticas públicas com aportes financeiros conjugados, inclusive do setor privado, que minimizem as perdas da região.


Abraham Kasinski, presidente da Cofap, a maior empresa de autopeças da América Latina, prevê no futuro do Grande ABC o domínio dos setores de prestação de serviços e de comércio. Por ter certeza disso, garante que as atividades cerebrais da Cofap permanecerão na região, casos das áreas de pesquisa e desenvolvimento de produto, mas que as unidades de produção eventualmente expandidas continuarão distanciando-se do Grande ABC. A Cofap já teve mais de 12 mil trabalhadores na região, contra quatro mil de agora. A diferença está nas fábricas instaladas em Minas Gerais e na efetiva redução do contingente.


Também o professor Antonio Joaquim Andrietta, há 20 anos no corpo de docentes do IMES (Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano), e há 11 anos consultor de empresas na área de estratégia de negócios, finanças e logística, sugere planejamento e ações coordenadas para dotar os setores de serviços e de comércio como grande alternativa econômica ao Grande ABC. Ele considera irreversível o esvaziamento industrial. Andrietta acredita muito no grau de dinamismo do comércio e dos serviços, mas faz ressalvas à necessidade de disciplinar o uso dos espaços, bem como ao aparelhamento técnico-intelectual dos trabalhadores. “Uma Universidade do Trabalho, voltada para temas relativos às modernas técnicas, metodologias, processos e logísticas, além de dedicada à especialização em comércio e serviços de alta tecnologia, poderia dar à região respostas mais consistentes ao desenvolvimento econômico” — projeta o consultor.


Silvio Minciotti, ex-presidente do IBGE, ex-diretor geral do IMES e atual diretor de marketing da Fepasa, afirma que a saída para a consolidação do Grande ABC é a implantação de projetos que incorporem tecnologia de ponta e vigoroso respaldo de recursos humanos egressos de cursos técnicos especializados. Ele também defende a profissionalização do funcionalismo público e critica a influência política na indicação de quem ocupará cargos.


Para Fausto Cestari, diretor-titular do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), em Santo André, a indústria continua sendo a base econômica da região e deve avançar em dois pontos. O primeiro, na disseminação de um programa que faz sucesso na Fairway Filamentos, associação entre a Rhodia Têxtil e a Hoechst. Trata-se de as empresas de diversos setores darem prioridade às compras de insumos, matérias-primas e produtos na região. O segundo tem tudo a ver com as montadoras de veículos, que deveriam fortalecer laços com seus fornecedores locais, tal qual a Fiat executa em Betim, constituindo cinturão de pequenas e médias empresas deliberadamente direcionadas a atendê-las. Bem ao contrário do que sofrem as autopeças no Grande ABC, lançadas no calabouço de pressões externas concorrentes internacionais beneficiados por alíquotas reduzidas.


Também o setor químico poderia incrementar compras internas. O antídoto contra a guerra fiscal do Interior paulista e de Minas Gerais, regiões que têm seduzido muitas empresas do Grande ABC, seria a concessão de benefícios fiscais para organizações que gerarem arrecadação tributária decorrente desse sistema intrarregional de compras. A distribuição dos incentivos caberia aos municípios, com base na cota-parte de suas receitas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). A proposta já é antiga, mas ainda não se traduziu em fatos porque os administradores públicos que deixaram o cargo recentemente jamais se incomodaram com o assunto. Os atuais, que assumiram em janeiro, ainda não tiveram tempo para arrumar a própria casa.


Nelson Tadeu Pereira, executivo que à frente da Fairway Filamentos, então Rhodia Têxtil, aplicou o conceito de compras regionais, formulando parcerias com fornecedores e clientes que incrementaram a arrecadação de Santo André, agora é secretário de Desenvolvimento Econômico do Município. Ele está preocupado com a imagem externa da região, mas por enquanto seu recém-iniciado trabalho está mais voltado para questões internas e regionais. Tem visitado líderes empresariais em suas respectivas empresas, tendo sempre a companhia do prefeito Celso Daniel, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas.


Ir às empresas é estratégia inédita de aproximação do Poder Público. “Precisamos nos preparar para vender o Grande ABC aos eventuais interessados, mas isso se faz com dados, com informações. Temos de preparar documentos e dossiês para mostrar o potencial do nosso mercado. Investimento produtivo deve ser encarado como competição, em que só consegue espaço quem mostra organização” — argumenta o secretário com a experiência de quem, nos últimos tempos de executivo do Grupo Rhodia, para onde foi depois de desligar-se da Fairway, cuidava de área voltada para perscrutar locais que oferecessem melhores condições estratégicas, incluindo-se aspectos fiscais, para novos investimentos.

Miguel Jorge, vice-presidente da Volkswagen do Brasil, é enfático sobre o futuro do Grande ABC: “A comunidade da região precisa exercitar sua cidadania e descobrir novas vocações, pois o ABC não tem mais atrativos para grandes indústrias” – disse.


O jornalista Joelmir Beting concorda apenas em parte com Miguel Jorge: “Não vejo sinais de dramaticidade no que chamo de saturação da Região Metropolitana de São Paulo, incluindo o ABC. A comunidade da região deve defender os interesses locais de forma participativa, numa mobilização que teria os meios de comunicação como instrumentos essenciais” — sugeriu.


Edson Musa, ex-presidente do Grupo Rhodia no Brasil, chama atenção para dois pontos que julga importantes: a região deve redefinir sua vocação econômica e investir para valer nesse foco, da mesma forma que o empresariado não pode perder de vista que, mais do que nunca, em face do quadro de globalização, as desigualdades sociais que se aprofundam exigem atenção redobrada, inclusive do capital.


Vice-presidente da General Motors do Brasil, André Beer defende que uma das saídas para a revitalização socioeconômica da região está em Detroit, Estados Unidos, onde a mobilização comunitária recolocou a outrora e então decadente capital mundial do automóvel no mapa dos investimentos. “Incluindo o Custo Brasil (impostos, tarifas, encargos sociais do trabalho), o Custo ABC chega a dobrar o preço de um produto feito aqui” — disse o executivo da fábrica sediada em São Caetano.


O engenheiro espanhol Manuel de Forn i Foxà, diretor da GFE, escritório internacional de consultoria estratégica que atua em diversas áreas, defende pacto político e social que mudaria o destino da região. Ele chegou a manter contatos com lideranças políticas locais no ano passado para implantação do projeto, mas não houve ressonância. Um desfecho muito diferente das experiências aplicadas em projetos de recuperação e desenvolvimento de Lisboa, Rio de Janeiro, Valência, Medellin, Barcelona, Buenos Aires e Cartagena, além do preparo para desembarque da Renault no Paraná.


O entrosamento entre Prefeituras, Fórum da Cidadania e governo do Estado é alternativa à proposta do especialista. Resta saber se a ausência de uma organização especializada, ou catalisadora de ações, como prefere Manuel de Forn, não se traduzirá em excesso de burocracia e de improvisações. O engenheiro tem um currículo respeitável, no qual se inclui a Medalha de Barcelona 92, decorrente de sua participação na transformação da capital basca para sediar os Jogos Olímpicos.


Carlos Alberto Grana, secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema e provável sucessor de Luiz Marinho na presidência que já foi ocupada por Lula, Jair Meneghelli e Vicentinho Paulo da Silva, afirma que o entendimento dos diversos setores da sociedade, introduzido pelo Fórum da Cidadania há 30 meses, mudou a agenda política e institucional da região. Grana entende que a Câmara Regional do Grande ABC, cuja multiplicidade de protagonistas de diferentes espectros, combinando formadores e tomadores de decisões, reveste-se de grande potencialidade para reescrever a história da região.


Já o jornalista Alexandre Polesi, diretor do Diário do Grande ABC, o único veículo de mídia impressa produzido na região com periodicidade diária, como o próprio nome induz, lembra que a participação da intelectualidade regional também é instrumento potencializador de novas arremetidas institucionais.

Polesi é membro do Conselho Consultivo do Fórum da Cidadania do Grande ABC e planeja encaminhar à plenária da entidade proposta de integração dos intelectuais a esse movimento social que tem o consenso como dogma. “Contamos com muitos professores universitários de alto gabarito, esparramados que estão por diferentes campus, e seus conhecimentos hão de contribuir bastante para assessor de forma sustentada os diversos grupos temáticos que atuam no Fórum. Essa contribuição talvez só precise de um estímulo e certamente esse passo será dado pelo Fórum”– afirmou.


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