Regionalidade

Finalmente o Grande ABC
estará tomando juízo?

DANIEL LIMA E MALU MARCOCCIA - 05/03/1997

Para iniciar a interiorização neste Continente, que precisa ser logo ocupado para limitar pretensões espanholas sobre nossas terras, os jesuítas escolhem um local de difícil acesso e suficientemente distante do mar para evitar surpresas no caso dos tão comuns ataques e saques de piratas. O vale onde nasce a Capital paulista assegura tempo para o novo núcleo se defender de invasões vindas do Litoral.


Logo fica provado que a Serra do Mar é imensa e quase intransponível barreira. Para viajantes de Santos/São Vicente para São Paulo, é um difícil e cansativo obstáculo a ser superado, apenas tolerado pela segurança que traz contra ataques do mar. Em pouco tempo nasce um pouso para descanso e atrai pequeno número de pessoas para trabalhar o bem irrigado mas pobre terreno, cuja principal qualidade é estar na principal rota de comércio da província. Mas os dois centros já são bem atendidos e nossa insípida agricultura não evolui. O Grande ABC dormita.


O tempo passa e as dificuldades para superar a Serra do Mar começam a ser um empecilho no desenvolvimento da província. O ataque vindo do mar não é mais ameaça. Agora precisamos agilizar o transporte de produtos do Interior paulista para o porto santista e embarcá-los para fora. O governo, pressionado pelos produtores, decide construir uma via de acesso rápido de São Paulo ao porto. A rodovia primitiva existente já demonstrou que as condições climáticas recomendam um meio de transporte que opere sob qualquer condição de clima e a via férrea é escolhida. E feita.


Começa a primeira grande expansão na ocupação do planalto do Grande ABC. Esta movimentação é engrossada pelos imigrantes, principalmente italianos  e portugueses, que aqui se fixam. Com clima úmido, favorece tecelagens, olarias, madeireiras, mobiliárias, cerâmicas. Nossa economia cresce e se consolida durante toda a primeira metade do século. Durante a II Guerra Mundial, graças às habilidades dos imigrantes, aparecem as primeiras oficinas metal-mecânicas procurando substituir produtos importados que deixaram de fluir com a guerra. O governo preocupa-se em ampliar o transporte com o porto. Como a estrada de ferro é frágil, passível de ser interrompida facilmente, decide abrir uma rodovia: a Anchieta. Estão sendo forjadas as condições essenciais para nova explosão de crescimento.

Com o fim da guerra, o Brasil torna-se atraente para capitais estrangeiros, principalmente após Getúlio Vargas convencer os Estados Unidos a financiar a Usina de Aço de Volta Redonda. A seguir, Eurico Gaspar Dutra promulga as leis que estimulam a vinda de empresas, conhecida como a "segunda abertura dos portos". Pouco depois, Juscelino Kubtischek conduz e efetiva a instalação da indústria automobilística no País.


Com tanta mão-de-obra de qualidade que os imigrantes apresentavam no ABC, mais as facilidades de acesso ao porto santista por rodovia ou ferrovia, e a ação decisiva da liderança política de nossa região, foi quase natural a escolha para a instalação das montadoras de veículos.


Começamos a viver a nova fronteira do desenvolvimento. Estamos deixando a vocação primordialmente agrícola que nos dá o nome de Cinturão Verde de São Paulo e damos passo gigantesco em direção à industrialização. Ainda nos lembramos vivamente de engenheiros e técnicos estrangeiros batendo à porta das oficinas e forjarias procurando saber se poderíamos fazer a peça que estava nos desenhos que tinham à mão.


Crescemos, ocupamos todos os espaços de nosso Grande ABC e descobrimos que somos uma ilha cercada da Capital por todos os lados, menos por um, a velha e antiga Serra do Mar. Não há mais para onde crescer. A Lei de Proteção dos Mananciais limita e quase proíbe qualquer ocupação de terras em direção ao abismo da Serra.


No afã de crescermos com investidores que procuravam locais para fabricar produtos importados que deixaram de chegar durante a II Guerra Mundial, nos desgastamos num longo processo retaliatório que dividiu o ABC em sete Municípios, enfraquecendo forças para futuras lutas.


Trinta anos se passam e ao iniciar os anos 80 o Grande ABC está à beira de sua mais profunda crise: um traiçoeiro conjunto de fatos se juntam e começa a ser cada vez mais interessante o investimento em outras regiões. Primeiro vêm os incentivos federais para outros Estados. Em breve começam também as ofertas de isenções, benefícios e benesses de alguns outros Estados que precisam viabilizar seu próprio crescimento econômico. Quase de imediato, Prefeituras também descobrem seus próprios meios para atração de investidores que irão empregar sua emergente e crescente mão-de-obra. Devido ao nosso próprio crescimento, nossos terrenos cada vez ficam mais caros; os custos de transporte, alimentação e saúde com a mão-de-obra também; a própria manutenção de prédios e serviços encarece; há perdas irrecuperáveis com o difícil trânsito que piora a cada dia. O transporte coletivo não atende às necessidades seletivas, dificultando o acesso de trabalhadores às centenas de pequenas empresas que não têm e ou não podem ter condução própria. No ABC ainda dormitamos. Por aqui as coisas ficam cada vez mais caras e as ofertas que vêm de outras regiões - até em visitas de caravanas - são cada vez mais atraentes.


Associações e Sindicatos patronais fazem estardalhaço mostrando a vereadores e prefeitos da região a evidente evasão de empresas, mas não conseguem sensibilizá-los ou obter deles compreensão ou empenho que seriam necessários. Cresce o número de empresas que nos deixa. Sabemos que um bom projeto de mudança leva, por baixo, de seis a oito anos para tornar-se realidade, pelos custos que envolve. Se houver ação, ainda há tempo para reverter estas saídas.


A crise aumenta e um dos principais focos nas últimas eleições é justamente a criação e o apoio efetivo a Secretarias especialmente voltadas para estudar e viabilizar o desenvolvimento econômico. Passadas as eleições, os prefeitos vencedores tomam posse e quase de imediato reúnem-se no Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, quando vívidos debates mostram que estão realmente preocupados com nosso futuro. Uma determinação tomada no Consórcio empenha os prefeitos na criação da Câmara do Grande ABC, que será integrada por representantes dos Municípios, do Estado e de entidades patronais e de trabalhadores da região. Para que não haja dúvida quanto à determinação na busca efetiva e eficaz de soluções, a Câmara apresenta série de reivindicações e compromissos ao governador do Estado. Em programação simultânea convergente à Câmara do Grande ABC ocorrerá seminário de desenvolvimento econômico com participação de autoridades estrangeiras que trarão sua experiência em regiões assemelhadas ao Grande ABC.


Tudo leva a crer que nós - moradores alertas e preocupados com o futuro - estamos vendo autoridades despertas tomarem medidas para conduzir nosso crescimento. O Grande ABC está tomando juízo!


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