Entretenimento. Entretenimento. Entretenimento. Guarde bem essa palavra. Melhor ainda: guarde a expressão indústria do entretenimento. É a quinta onda econômica do Grande ABC, depois das cerâmicas, dos têxteis e dos químicos à reboque da chegada da São Paulo-Railway no final do século passado, da indústria automobilística nos anos 50, dos shoppings a partir do final dos anos 70 e do boom dos serviços em seguida.
Entretenimento é um conjunto de atividades relacionadas diretamente com qualidade de vida. Bares, restaurantes, danceterias, cinemas, hotéis, teatros, centros de exposição, centros de convenções, tudo isso tem o guarda-chuva do entretenimento.
Mas está faltando alguma coisa ainda — poderosíssima por sinal. São os parques temáticos, que dão visibilidade regional, imobilizam e mobilizam milhões de investimentos, atraem multidões de vários pontos do País e geram muitos empregos diretos e indiretos. São uma raridade no Brasil, mas atraem milhões de pessoas nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia. Pois é: o Grande ABC de cara sisuda vai passar a exibir a alegria do entretenimento maior, dos parques temáticos.
Nas páginas a seguir você vai entender muitas transformações por que passa o Grande ABC na indústria do entretenimento. Aliás, sejamos honestos: ninguém até agora se deu conta de que já estamos trafegando nessa ampla via de desenvolvimento econômico. Talvez seja porque ainda está longe do ideal, do minimamente aproveitável para uma região que contabiliza o terceiro mercado potencial do País.
O parque temático Planeta Azul, num terreno de 100 mil metros quadrados na Avenida dos Estados, em Santo André, cujo lançamento está sendo preparado com pompa e circunstância, vai inaugurar a temporada de novas atrações da indústria do entretenimento no Grande ABC. Vão ser consumidos R$ 80 milhões num projeto inédito e com parceiros internacionais. Mas tem mais atrações. Em São Bernardo, nas antigas instalações da Volkswagen Caminhões, outro parque temático está pintando. Detalhes são mantidos em segredo, mas tudo indica que vai acoplar também algumas torres de hotéis em parte dos quase 300 mil metros quadrados de terreno.
Quem achar que esses investimentos já são boas novas demais é porque não conhece o restante da história. Só em São Bernardo o prefeito Maurício Soares deve privatizar a administração e a operação de dois equipamentos que estão à deriva: a envelhecida Cidade da Criança e o quase abandonado Parque Estoril. Tem mais: a Agesbec vai sair da Avenida Índico. O mega-armazém que tantos problemas provoca no tráfego do centro do Município cederá lugar a um conjunto de atrações, entre as quais uma espécie de grande centro de convenções voltado prioritariamente à juventude.
Querem mais novidades ainda? Então se prepare: a Anchieta, antiga rodovia que é vista pela maioria apenas como congestionada avenida, mas que já comporta corredor de entretenimento que começa com a Rota do Frango com Polenta, passa pela Rota dos Motéis e chega até o romântico Riacho Grande, também deverá ganhar um centro de exposições e um museu automotivo. Para variar, esses novos equipamentos devem tomar antiga área industrial, numa repetição da ocupação dos shoppings centers e dos supermercados e hipermercados.
O Planeta Azul não deverá ser o único grande empreendimento programado para Santo André. Um grupo de empresários da região está de olho na Avenida dos Estados e também na Avenida Industrial para acrescentar ao cardápio de atrações um centro de exposições. Há especulações sobre o assunto, a Lei de Uso e Ocupação do Solo precisa ser descongelada, mas tudo indica que novidades virão.
Tudo isso vai dar mais força à ainda emergente indústria do entretenimento do Grande ABC.
Já evoluímos muito. Vários shoppings centers estão aí para provar que faz parte do passado, pelo menos do passado de quem quer ser competitivo, achar que basta ser centro de compras. Crescem os espaços de lazer, de diversão, de restaurantes; enfim, de entretenimento. As salas de cinema dos shoppings vivem lotadas tanto quanto os brinquedos e a praça de alimentação. Cada vez mais os consumidores de entretenimento engrossam as vendas das lojas. E vice-versa. É atividade que gera atratividade de recursos financeiros. Não agrega valor como a indústria, mas ajuda a manter e a acrescentar consumidores na região. Transforma potencial de consumo em consumo efetivo.
Mas nem tudo são flores. Há muitos buracos a tapar. Além da decadente Cidade da Criança, do rústico Parque Estoril, da falta de programação dos teatros sempre mal-cuidados, o potencial da Represa Billings está subutilizado. A Prefeitura de Ribeirão Pires tem consciência disso e estruturou plano que já começou a deixar a flacidez da teoria. Sem qualquer outra vocação à vista, Ribeirão Pires finalmente se dobrou à lógica cartesiana de que é agarrar o turismo como bóia salvadora ou acompanhar impotente a queda do padrão de vida de uma população cada vez mais formada de excluídos de áreas mais nobres e caras de outros Municípios da região, transformando-se numa espécie de fim de linha de complexos problemas sociais.
Se a Represa Billings encerra uma dádiva da natureza pronta para ser bem explorada economicamente, depois de resistir à predatória Lei de Proteção dos Mananciais, o que dizer da Vila de Paranapiacaba, um presente que não veio inteiramente da natureza que a emoldura, porque foram os ingleses que a instalaram no final do século passado?
Paranapiacaba, inestimável patrimônio cultural castigado pelo descaso preservacionista, está sendo melhor preparada para o futuro, através da administração pública e de entidades não-governamentais. Sem contar que o misto de empresário e vaqueiro Beto Carrero, que levou no ano passado 1,9 milhão de pessoas a uma antiga cidadezinha de pescadores em Santa Catarina, onde instalou o Beto Carrero World, parece interessado em transformar em mega-empreendimento a mania por brinquedos ferroviários dos tempos de criança.
O setor de entretenimento do Grande ABC também está prestes a consolidar a recuperação de um de seus espaços mais valiosos. Ainda este mês, no mais tardar mês que vem, será dada a largada oficial para recuperação e reoxigenação da área que serviu de cenário de muitos filmes nacionais nos anos 50, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz. A Nova Vera Cruz, como foi rebatizada, deverá concentrar projetos culturais de largo alcance se não entrar areia nos planos da divisão tripartite de investimentos do governo do Estado, da iniciativa privada e da Prefeitura de São Bernardo.
Num momento da história regional em que o setor industrial dá claros sinais de arrefecimento, em que o setor comercial parece ter atingido saturação com a chegada de vários shoppings e hipermercados, e em que a prestação de serviços ainda tem muito óleo para queimar, o emergir mais denso da indústria do entretenimento se apresenta como algo a ser comemorado. É uma explosão de investimentos e de perspectivas que poderá arrancar sorrisos de uma população de 2,3 milhões de habitantes de alto poder de consumo, mas carente de alternativas regionais.
Nada mais interessante que o Grande ABC entre nessa quinta onda de desenvolvimento econômico justamente agora, no final do século. Quando se buscam números e se descobre que o entretenimento lidera o ranking mundial dos setores que direta e indiretamente mais empregam profissionais — a cada 11 trabalhadores ocupados no mundo, um é funcionário de algum empreendimento no mercado do lazer –, não é difícil acreditar na fértil capacidade de reciclagem econômica permanente de uma região que parece ter vocação para readquirir o equilíbrio sócio-econômico quando mais parece sujeita ao nocaute. Tomara que seja assim.
Planeta Azul está chegando
Faltam alguns detalhes. As informações fluem com a natural dificuldade de quem não quer precipitar dados, mas já está decidido: a primeira unidade do Planeta Azul, megaempreendimento voltado para parque temático urbano, será lançada até o mês que vem em Santo André, mais precisamente à altura do número 2.100 da Avenida dos Estados, ao lado da Fábrica de Balas Juquinha. Área de 100 mil metros quadrados — do tamanho do Clube Atlético Aramaçan — vai ser transformada no que Guilherme Alves da Cunha, diretor da DPK, uma das empresas envolvidas no projeto, chama de ilha de felicidade no meio de uma paisagem dura.
O Planeta Azul, nome inspirado na antológica frase — “A Terra é azul” — do astronauta russo Yuri Gagarin, primeiro homem a ver o planeta do espaço sideral, deverá ser inaugurado na virada do século, depois de 20 meses de obras. Vai gerar 1,1 mil empregos diretos e mais de sete mil indiretos.
O Planeta Azul de Santo André vai somar investimentos de R$ 80 milhões. Ainda não há informações sobre as fontes de financiamento, resguardadas até a confirmação oficial dos participantes. Mas há fortes indícios de que dois fundos de pensão garantirão recursos ao empreendimento. Guilherme Cunha só confirma as empresas que estarão à frente do negócio: a DPK da qual é acionista, especializada em desenvolvimento de projetos imobiliários; a DM9, quarta maior agência de publicidade do País, comandada por Nizan Guanaes; e o Grupo Fionda, líder na América Latina na fabricação, operação, venda, importação e exportação de equipamentos para parques de diversões.
O pool de empresas nacionais responsáveis pelo Planeta Azul já tem tudo praticamente acertado para o lançamento das obras logo depois de apresentação formal do projeto. O cronograma será acionado tão logo se concretize a assinatura do Previ, prevista para este começo de mês. Há parceiros internacionais que dão o tom da importância e da qualidade do projeto.
A italiana Iagle Enterprises, uma das líderes na produção de cenografias em concreto, responsável entre outras obras pelo Castelo da Gata Borralheira da EuroDisney, foi contratada para desenvolver o projeto temático. “Na virada do século vamos apresentar um parque temático que mostrará a evolução da humanidade, seus costumes e culturas” — afirma Guilherme Cunha, para aguçar a curiosidade sobre o que será oficialmente revelado apenas numa coletiva à Imprensa.
Outros dois parceiros internacionais estão envolvidos diretamente com o Planeta Azul de Santo André. O mexicano Grupo Mágico, definido por Guilherme Cunha como detentor de grande experiência em operacionalização de parques de diversão em toda América Latina e proprietário de empreendimentos que movimentam mais de oito milhões de visitantes/ano, dividirá a função de administrar o negócio com a própria DPK. Para completar o time, a Turner, uma das mais respeitadas construtoras norte-americanas, vai comandar as obras. Uma tarefa que dispensa maiores apresentações quando se sabe que recentemente entregou a nova sede da Editora Abril e anteriormente levantou o Shopping Tatuapé.
A descoberta do Grande ABC para sediar o primeiro empreendimento desse grupo de empresas no mercado de entretenimento está baseada — segundo Guilherme Cunha — em dados estatísticos do Datafolha. O Grande ABC, somado à Zona Leste de São Paulo, é o mercado econômico com maior potencial de dar respostas positivas ao mal explorado setor de entretenimento. A explicação não está apenas na massa de dinheiro que circula pela região e pela Zona Leste e na população regional de mais de 2,3 milhões de habitantes. A constatação de que há absoluta carência de áreas de lazer, cultura, restaurantes e casas de espetáculo desequilibrou o jogo de investimentos em favor do Grande ABC.
Os 100 mil metros quadrados não terão, por isso mesmo, apenas espaço para o parque temático que vai contar a história do homem. Embora cercado de sigilo, o projeto contempla também restaurante para três mil pessoas, teatro, casas de espetáculos e muitos outros atrativos. “Teremos algo absolutamente inédito no País” — afirma Guilherme Cunha.
A projeção dos empreendedores é de que o Planeta Azul vai reunir pelo menos 1,5 milhão de visitantes no primeiro ano de instalação; isto é, 10 vezes mais que a outrora badalada e concorrida Cidade da Criança ou algo próximo do movimento anual do Beto Carrero World, em Florianópolis. A capacidade de atendimento será de 10 mil pessoas/dia. O estacionamento terá vagas para dois mil veículos, o que praticamente assegura espaço para todos os visitantes. Um conforto que acrescenta poder de atratividade ao empreendimento.
O público-alvo vai muito além da população do Grande ABC e da Zona Leste de São Paulo. Na realidade, toda a Região Metropolitana de São Paulo está no foco do Planeta Azul. E também o Interior do Estado. Guilherme Cunha explica que fez pessoalmente um teste, num domingo, do tempo que consumia para percorrer a distância que separará o Planeta Azul do Mercado Municipal de São Paulo. Foram apenas 12 minutos. Não é preciso muito exercício de criatividade para imaginar a facilidade de deslocamento para quem pretender, vindo do Interior, chegar a esse megacentro de entretenimento.
Uma das grandes vantagens do Planeta Azul sobre os poucos parques temáticos que já estão em atividade no Brasil é a localização urbana, no coração de uma região que tem o terceiro potencial de consumo. Isto quer dizer que não haverá sazonalidade de frequência. Será um shopping de entretenimento que atenderá de segunda a segunda. De manhã, de tarde e de noite. Por isso mesmo vai acrescentar em seu mix de atrações equipamentos extra-parque de diversões. “Vamos atrair não só a criança, o jovem, mas toda família” — aposta Guilherme.
Os investimentos que começam a salpicar no setor de entretenimento em todo País estão diretamente relacionados à carência nacional de equipamentos que correspondam à sede por qualidade de vida e também aos reflexos do Plano Real que, com a estabilidade monetária, favoreceu as classes mais populares. E é exatamente nessa direção que a Planeta Azul está chegando ao Grande ABC. Estudos detalhados do empreendimento já definiram antecipadamente o preço do ingresso que deverá ser cobrado quando da inauguração. Serão R$ 15,00, que darão direito ao estacionamento e a todos os equipamentos do parque temático.
Parques de diversão são especialidade dos norte-americanos tanto quanto parques temáticos. Guilherme Cunha lembra que o mercado dos Estados Unidos, que contam com 600 endereços de diversão, consumiu no ano passado 240 milhões de ingressos vendidos, o que significa média de um ingresso por habitante. O mercado brasileiro atingiu estimados 11 milhões de ingressos para uma população de 160 milhões de pessoas, isto é, menos de 10% da média norte-americana. Muito mais que o tamanho da fragilidade da diversão made in Brazil, estes números significam a extensão do buraco de oportunidades disponíveis a quem resolver investir para valer.
É muito provável que o Planeta Azul contribua para mudar a cara sisuda do Grande ABC, esculpida ao longo de décadas pela indústria automotiva e suas satélites. Uma cara de desenvolvimento econômico, sem dúvida, mas carrancuda como os metalúrgicos de reivindicações, de greves e, de 15 anos para cá, de deserções empresariais e desemprego.
O exemplo de Las Vegas, a capital mundial do jogo, pode ser ilustrativo para arrancar sorriso de quem está preocupado com o futuro do Grande ABC. Las Vegas vinha mal das pernas até descobrir que os parques temáticos e também os aquáticos poderiam representar valor agregado às suas caixas registradoras. Depois de contabilizar inquietante queda de visitantes, chegando ao fundo do poço de 15 milhões em 1996, alcançou 32 milhões no ano passado após registrar alguns bilhões de dólares em investimentos no setor.
Mas antes de Las Vegas há Los Angeles e seu caso de amor com a Disneylândia, inaugurada na década de 50 por Walt Disney na Califórnia, e a Disney World, finalizada no início dos anos 70 pelo seu irmão Roy na costa oposta da Flórida. As duas áreas vivem em função dos dois parques de diversões.
O Planeta Azul vai chegar a Santo André, afirma Guilherme Cunha, sem perder contato com a interação regional. Não será um estranho no ninho. O plano de marketing não é revelado, mas há indicações de que guardará estreita relação cultural, econômica e social com o Grande ABC. A acolhida que diz ter tido da Prefeitura de Santo André na fase de aprovação do projeto foi animadora. Há possibilidades de denso aproveitamento de mão-de-obra regional. Mais do que isso: pretende-se estabelecer cotas para o aproveitamento de profissionais da Terceira Idade e de deficientes físicos. Mas tudo ainda está na fase de estudos. Até filme publicitário já está aprovado para o lançamento do Planeta Azul. Assim que forem confirmadas as assinaturas dos financiadores, começará a contagem regressiva de 20 meses de obras. Uma nova e mais amistosa face marcará a história do Grande ABC no próximo século. A indústria do entretenimento está chegando.
São Bernardo de grandes projetos
Não é somente Santo André que receberá parque temático de investimento milionário. Em estágio menos avançado, mas nem por isso menos consistente, São Bernardo também ganhará essa espécie de shopping center de entretenimento. Tem até local praticamente definido: os 270 mil metros quadrados das antigas instalações da Volkswagen Caminhões, na rua José Fornari, prolongamento lateral da Via Anchieta. Mas não é apenas esse outro reforço que deve sacudir a indústria do entretenimento na região. São Bernardo também ganhará grande centro de exposições ao lado de um museu automotivo e transformará os imensos galpões da Agesbec (Armazéns Gerais de São Bernardo) em espaço de múltipla utilidade, inclusive cultural, além de passar para a iniciativa privada o obsoleto Parque Estoril.
São sigilosas as negociações para arrancar da área da Volks Caminhões tudo que lembre uma indústria intermitentemente atingida por enchentes e que cederia lugar a um parque temático que contaria inclusive com torres de hotéis de classe internacional.
O prefeito Maurício Soares diz ter sido contatado por emissário de empresa internacional que teria subsidiária no Brasil — Seaco, representante da Arrows, organização provavelmente de capital britânico que soma algumas dezenas de empreendimentos em parques de diversões espalhados pelos Estados Unidos e Europa. Diretamente com o prefeito não houve maiores desdobramentos, mas assessor graduado da Volkswagen do Brasil assegura que as negociações estão praticamente consumadas e que o anúncio do empreendimento deverá ser feito até o final deste mês.
O fato de estar a meio caminho entre Litoral e Capital, segundo o assessor da Volkswagen, coloca a área como prioridade do grupo interessado. A Anchieta é vista muito mais como corredor de entretenimento do que uma rodovia em forma de avenida. O volume médio diário de tráfego da Anchieta, cuja estatística teria sido fornecida pela Dersa com base apenas na passagem pelo pedágio, despertou o interesse internacional. Mas não foi só isso. Soma-se como atratividade a conhecida potencialidade de consumo do Grande ABC e a também identificada quase que absoluta carência de alternativas de entretenimento que incorpore tecnologia de ponta.
Os valores da transação já foram discutidos. Tudo estaria se encaminhando para a assinatura do contrato. O anúncio oficial e barulhento da construção do parque temático na Avenida dos Estados, conforme prometem os empreendedores vinculados ao projeto de Santo André, não iria inviabilizar a negociação, garante o executivo da Volks. Ele explica haver pesquisas que indicam não só absoluta coexistência de dois empreendimentos de grande porte e da mesma atividade como consideram que, por estarem distantes entre si, em áreas praticamente polares, acabariam por se auxiliar mutuamente no aspecto institucional.
O prefeito Maurício Soares conta também com outro empreendimento para os próximos tempos, a poucos quilômetros do esperado parque temático na Volks Caminhões. Ele anuncia a possibilidade de construção de um gigantesco centro de exposições e de um museu automotivo nos 100 mil metros quadrados das antigas instalações da Embalagens Matarazzo. Situada na margem esquerda da Anchieta no sentido São Bernardo-Santos, próximo ao trevo do Bairro Assunção, a área foi arrematada recentemente em leilão por um representante de grupo de investidores imobiliários de São Bernardo.
A possibilidade de serem erguidos no local um centro de exposições e um museu automotivo arranca suspiros do prefeito. Num só endereço, fora do antiquado e congestionadíssimo sistema viário interno do Município, estaria a solução para dois assuntos distintos mas igualmente importantes. Primeiro, o centro de exposições acabaria de vez com a improvisação e o desconforto de uso do Pavilhão Vera Cruz para realização de feiras das mais diversas atividades. Até porque, com as novas ocupações culturais que a Vera Cruz passará a ter, não haveria mais espaço para atividades explicitamente econômicas. Segundo, o museu automotivo finalmente seria transformado em realidade, depois de muitos anos confinado a conjecturas de alguns supostos sonhadores.
Embora o centro de exposições previsto para a Anchieta seja inicialmente destinado à indústria moveleira, segundo afirma o prefeito de São Bernardo, o calendário de atividades do setor não comportaria exclusividade. A locação para expositores de outros ramos de negócios preencheria as datas disponíveis. O surgimento dessa alternativa deixa o prefeito triplamente satisfeito: além da obra em si, ganhará mais espaços nos pavilhões da Agesbec, um dos quais anteriormente reservado para o centro de exposições, e os recursos e responsabilidades envolvidos serão da livre-iniciativa.
O que talvez possa embaraçar os planos dos empreendedores ligados ao centro de exposições são pendências judiciais que envolvem ex-funcionários da Embalagens Matarazzo. Há ações na Justiça do Trabalho que podem atravancar o projeto. O prefeito espera que não haja maiores contratempos. Ele quer ver o museu automotivo naquela área, num projeto que a Prefeitura desenvolveria em parceria com empreendedores do centro de exposições.
Maurício Soares tem mantido contatos com empresários para sensibilizá-los a participar do projeto. A proposta é conseguir doação de máquinas e equipamentos para o acervo principal da mostra permanente. Maurício Soares diz que os custos para exibir o processo histórico da indústria automotiva no País serão praticamente zero e, acredita, com grande poder de atrair interesse popular além-fronteiras do Município.
No futuro, segundo o prefeito, os pavilhões da Agesbec nem de longe lembrarão as toneladas de produtos que armazena hoje. Essa empresa de economia mista com controle acionário e administrativo da Prefeitura vai mudar-se para Piraporinha, nas antigas instalações da gráfica do Banco Itaú. As negociações com a Secretaria da Receita Federal estão avançadas e o prefeito não acredita em recaída como no caso da frustrada tentativa de privatização da empresa.
As instalações que aguardam pela Agesbec são, na definição do prefeito, mais modernas e adequadas à empresa, já que os pavilhões atuais originariamente foram construídos para atender a uma tecelagem. O maior problema é a fluidez do trânsito, complicado como no atual endereço. Algo que só se resolverá quando novas alças de acesso tornarem a Anchieta mais ágil. Uma promessa do governo do Estado que consta entre as prioridades da Câmara Regional e que deve ser cumprida este ano.
Liberados de produtos, os cinco pavilhões da Agesbec serão reformados e darão lugar a um conjunto de áreas de lazer, diversão, cultura e esportes com oficinas profissionalizantes, salas de aula, redutos para dança e música. Também sediará grupos de entidades municipais voltadas a questões sociais. Uma espécie de espaço de cidadania, como afirma o prefeito.
Também em São Bernardo, no Parque Estoril, às margens da Represa Billings, Maurício Soares espera algo parecido com o que deve acontecer na Cidade da Criança: encontrar parceiros na livre-iniciativa que possam assumir o controle administrativo e operacional. À Prefeitura competeria a função de arbitragem do espaço de 47 mil metros quadrados que recebe média de 18 mil pessoas nos finais de semana, segundo garante Danilo Fernandes, chefe da Divisão de Turismo.
O Parque Estoril tem mix de atrações bastante aquém das necessidades. Um Plano Diretor está sendo preparado para revitalizá-lo, mas parceria com empresa privada pode mudar o rumo dos estudos. Como na Cidade da Criança, o teleférico está desativado para manutenção há muito tempo.
Em Santo André, além do parque temático da Avenida dos Estados, outro mega-empreendimento está voltado à construção de um centro de convenções acoplado a um conjunto de flats. O secretário de Desenvolvimento Econômico e Emprego, Nelson Tadeu Pereira, confirma contatos de um grupo empresarial junto à Prefeitura, mas evita identificá-lo. Um assessor do prefeito Celso Daniel dá o empreendimento como favas contadas, com possibilidades de ingresso do projeto de uso e ocupação de solo na primeira semana deste mês. O local é mantido em sigilo. Especula-se que seria nas proximidades do Shopping ABC Plaza, na Avenida Industrial.
Vera Cruz está renascendo
Não é apenas o reconhecimento alcançado internacionalmente pelos filmes O que é isso companheiro?, indicado ao Oscar, e Central do Brasil, prêmio máximo no Festival de Berlim, que acende luz no fim do túnel para o cinema nacional. Um dos maiores expoentes da sétima arte, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz inicia processo para fazer renascer das quase cinzas os estúdios que abrigaram atores como Mazzaropi, Cacilda Becker, Anselmo Duarte, Tônia Carrero e Norma Bengell em produções que marcaram época. O projeto Nova Vera Cruz — orçado em US$ 15 milhões — prevê, além da recuperação dos estúdios, construção de grandioso complexo cultural com 3,6 mil metros quadrados, teatro para mil espectadores, cinema para outros 200, área de exposições e escola profissionalizante.
Fundada em 49 e falida em 54, a Vera Cruz será revitalizada graças ao convênio firmado entre Município, Estado e Fundação Padre Anchieta. Os recursos serão desembolsados pelo governo, estatais e iniciativa privada, beneficiada através dos incentivos fiscais da Lei Rouanet. Segundo o secretário de Educação e Cultura de São Bernardo, Admir Ferro, antes mesmo de o projeto sair do papel já atraía atenção de empresas.
Recentemente, a Volkswagen demonstrou interesse em patrocinar os R$ 3,2 milhões previstos para o centro cultural. Após restauração da área, os dois maiores galpões, até pouco tempo usados para improvisadas feiras dos mais diversos tipos, serão transformados em estúdios e administrados pela TV Cultura.
Para que a emissora rode seus 24 filmes pretendidos por ano, o prédio terá três andares com almoxarifado, camarins, bastidores, apartamentos para hospedagem de artistas e técnicos, salas de edição e espaço para armazenagem dos equipamentos. Até mesmo uma cidade cenográfica será erguida no local, que, além de programas de televisão, abrigará produções de filmes nacionais e poderá ser locado para companhias cinematográficas estrangeiras durante os períodos de ociosidade.
Que morador um pouco mais antigo da região não se lembra com saudade dos bons tempos da Vera Cruz? Pois o projeto de recuperação da área não trará apenas o resgate da memória: os estúdios devem ser fundamentais no processo de valorização vivido pelo cinema nacional. Dos filmes em produção no País hoje, pelo menos metade é rodada em São Paulo, em parte devido ao apoio do PIC-TV (Projeto de Integração Cinema e Televisão).
Espera-se que a Nova Vera Cruz absorva boa parte dessa produção, como ocorreu durante as filmagens de um dos precursores da retomada do cinema brasileiro, — Sábado, de Ugo Giorgetti, com locações na cidade de São Paulo e no que restou dos estúdios de São Bernardo. O mesmo cineasta só não pode utilizar novamente o local na realização de seu novo longa — Os Boleiros, ainda em fase de finalização — porque havia riscos de incêndios. Mesmo assim, optou pela região e transformou em estúdio de gravação a área da antiga indústria Atlântis, em Santo André.
Outro ponto positivo da Nova Vera Cruz é a restauração do acervo cinematográfico — figurinos, fotos, holofotes, câmeras, cartazes e latas de filmes — que permaneceu por quase 30 anos num barracão de fazenda em péssimas condições. Parte do patrimônio foi encaixotada e parte enviada ao Museu da Imagem e do Som (MIS) para restauração e catalogação.
Depois dessa fase, a idéia é promover exposições periódicas no memorial que será erguido onde foram rodadas produções como O Cangaceiro, Floradas na Serra, Tico-Tico no Fubá, Sai da Frente e Sinhá Moça. O projeto de resgate do que pretendia ser a Hollywood brasileira ainda enfrenta burocracias legais — o processo de licitação está na etapa de edital –, mas já é considerado por muitos o fato mais importante do cinema brasileiro neste final de milênio.
Se a indústria cinematográfica encontra berço na região e registra ótima bilheteria, com filas gigantescas nas salas que utilizam o moderno sistema multiplex e exibem sucessos como a produção milionária Titanic, o mesmo não se pode dizer dos teatros. Ociosos na maior parte do ano, há muito não são palco para espetáculos de porte, como ocorria no passado. Artistas como Paulo Autran, Fernanda Montenegro e Beatriz Segall se encantavam quando encenavam montagens no Teatro Municipal de Santo André, construído faz quase 30 anos com sofisticados tratamentos de iluminação e acústica. Nem mesmo o Conchita de Moraes, no subdistrito de Santa Terezinha, recentemente reinaugurado após 10 anos de entulho amontoado em seu interior, recebe produções atrativas.
Quem pensou em aproveitar as férias para enriquecer sua cultura no Grande ABC encontrou sempre a mesma peça em cartaz: nada programado. A alegação é de que em janeiro e fevereiro os teatros permanecem fechados para manutenção, normalmente troca de lâmpadas e revisão dos equipamentos. Mas será que serviços simples como esses demandam dois longos meses para serem executados? Curiosamente, no mesmo período ocorria na Capital campanha de popularização do teatro com venda de ingressos a R$ 5 para espetáculos consagrados como Pérola, de Mauro Rasi.
Finalmente, porém, parece que essa espécie de campanha de desvalorização do teatro na região chega ao fim. Algumas cidades já acordam para a importância dos palcos no lazer dos moradores e anunciam melhorias em seus espaços. O Paulo Machado de Carvalho, o Santos Dumont e o auditório da Fundarte, em São Caetano, serão reformados como parte de pacote de obras culturais da Prefeitura, orçado em R$ 8 milhões para o biênio 98/99.
Já o tradicional Cacilda Becker, de São Bernardo, recebe injeção de R$ 150 mil para instalação de ar condicionado, novos bastidores, camarins, copas e sanitários. O teatro tem 394 lugares e é um dos mais antigos da região. Também estão previstas obras no Elis Regina e no Lauro Gomes e inauguração da Casa de Arte Baeta Neves, com auditório com capacidade para 200 espectadores. Enquanto isso, Santo André promove espetáculos como ciclo de leitura no Conchita de Moraes e filmes no Carlos Gomes. Pelo menos está programada peça com um grande ator — Quadrante, de Paulo Autran — com entrada franca.
A boa notícia para amantes de teatro é o novo centro cultural que se somará ao mix de entretenimento da região no final do ano. É prevista para dezembro a inauguração do Sesc (Serviço Social do Comércio) de Santo André, complexo construído seguindo conceito de edifício inteligente (parte da estrutura é controlada por computadores) para oferecer à população variedade de atividades artísticas e esportivas, com especial atenção às crianças. Entre diversos equipamentos previstos, destaque para auditório com capacidade para 350 espectadores, equipamentos para projeção de filmes e espaço para exposições.
Um dos principais atrativos da unidade será um parque aquático dotado de três piscinas, uma das quais coberta, equipadas com brinquedos recreativos, escorregadores e solário. Haverá ainda quatro salas para ginástica e expressão corporal e três quadras poliesportivas cobertas. Dos 20,5 mil metros quadrados de área construída projetada para a unidade, 1,6 mil serão reservados para pavilhão de eventos esportivos e culturais. O Sesc Santo André também terá quatro salas moduláveis para atividades ligadas à música, teatro, cinema e literatura. Deverá atrair moradores de toda região graças à localização e fácil acesso, na Rua Tamarutaca, Vila Guiomar.
Cidade da Criança envelhece
Já se foi o tempo em que a Cidade da Criança formava com a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, com a indústria automobilística e a indústria moveleira o conjunto de símbolos de uma São Bernardo atrativa. Incrustada no Jardim do Mar, um dos bairros nobres do Município, e a poucos minutos da Via Anchieta, a Cidade da Criança é uma grife em contínua decadência. Está envelhecendo e se aniquilando, como prova o fato de o teleférico, um dos brinquedos mais disputados pela petizada, estar desativado há um ano, desde que se rompeu um cabo de aço. Três licitações já foram impugnadas e não se sabe até quando o desencanto vai estar estampado no rosto da meninada, frustrada com a impossibilidade de ver o parque de diversões do alto.
Recente tentativa de atrair o Beto Carrero World fracassou. Mas nem tudo está perdido. A Adibra (Associação das Empresas de Parques de Diversão do Brasil), dirigida por Jucelino Cecel Peixoto, pretende manter contato com o prefeito Maurício Soares para oferecer consultoria e até mesmo estratégia de concessão a empresas privadas para recuperação desse espaço de entretenimento que nos tempos de fastio atraia mais de 50 mil pessoas por mês, ou perto de 600 mil por ano. Maltratada, alcançou 192 mil visitantes em todo o ano passado — média de 16 mil mensais.
O despertar de investidores no setor de entretenimento no Grande ABC, casos específicos dos parques temáticos programados para a Avenida dos Estados e para a área das antigas instalações da Volkswagen Caminhões, pode contribuir para afundar de vez a Cidade da Criança. Quanto mais demorar a série de mudanças administrativas e estruturais, mais complicada se tornará a recuperação. Palavra de Jucelino Cecel Peixoto. O líder empresarial e diretor do Europarque, que tem duas unidades de parques de diversão móveis em São Paulo, não consegue aceitar o esvaziamento da Cidade da Criança:
“Apesar de não observar trabalho de marketing especificamente dirigido ao empreendimento, e de ter informações sobre a defasagem tecnológica dos brinquedos, a Cidade da Criança continua a figurar no roteiro de jornais e revistas como atração turística de São Paulo, ao lado do Playcenter. Isso mostra o quanto é uma marca forte” — afirma. Jucelino garante que vai tentar estabelecer contato com o prefeito Maurício Soares. Sua proposta é revitalizar o espaço oferecendo toda a experiência da Adibra numa parceria cujo detalhamento dependerá do interesse da Prefeitura de São Bernardo.
Em princípio, Jucelino Cecel defende a idéia de privatização da Cidade da Criança. Ele não consegue enxergar futuro numa relação híbrida de administração pública não especializada e permissionários privados que não atentem para a atratividade dos equipamentos.
Exatamente o que pensa e afirma o prefeito Maurício Soares, cujo desencanto com a situação da Cidade da Criança está na confissão pública de que os equipamentos são prá lá de jurássicos. Como mudar a situação senão com parceria? Foi o que tentou o prefeito, recentemente, mas Beto Carrero não gostou da proposta da Prefeitura. O que emperrou a negociação foi a franquia de 12 mil ingressos mensais para moradores carentes, cadastrados pela administração da Cidade da Criança e portadores de carteiras de identificação personalizada, os chamados passaportes da alegria.
A entrada é franca de terça a sexta para crianças detentoras de passaportes. Cadastram-se menores até 12 anos, que recebem a carteirinha e 10 ingressos para usufruir num ou mais dos 13 equipamentos de diversão adquiridos e administrados pela Prefeitura. A Cidade da Criança tem outros 22 brinquedos sob responsabilidade de três concessionárias do setor, a Somatur, a Grantour e a Mônaco. O acesso aos brinquedos das concessionárias não está incluído na gratuidade do passaporte. E os da Prefeitura de São Bernardo utilizados aos sábados e domingo têm desconto de 50%. A administração pública fica com 25% da receita bruta dos brinquedos das concessionárias e, evidentemente, com toda a renda do conjunto das 13 atrações que disponibiliza aos visitantes.
Beto Carrero, ou João Batista Sérgio Murad, seu nome verdadeiro, pretendia dirigir a Cidade da Criança por 30 anos e investiria fortemente em novos equipamentos. Sairiam os dinossauros e entraria a última geração de brinquedos. O acerto foi emperrado pela cláusula que previa a carga de ingressos gratuitos. Mas o prefeito Maurício Soares não dá o embate por terminado. Ele ainda não perdeu a esperança de ter o mundo ou parte do mundo de Beto Carrero adaptado à Cidade da Criança. É possível até que as negociações sejam retomadas. Terá de haver muita flexibilidade por parte da Prefeitura, porque a transferência do sistema de ingressos gratuitos num parque de diversões privatizado e com compromisso de rentabilidade não pode ser tão fartamente generosa.
Pode parecer estranho que uma enxurrada de ingressos franqueados inviabilize a atualização tecnológica, a modernização administrativa e a recuperação da imagem da Cidade da Criança. Seria estranho, muito estranho, se a Cidade da Criança não fosse espaço público e, como tal, sujeito a injunções políticas. O prefeito Maurício Soares naturalmente não fala sobre o assunto. Sequer insinua. Mas o que está por trás de tantas carteirinhas de penetras é o antigo e surrado clientelismo político. Uma espécie de direito adquirido que sobrevive aos administradores públicos de plantão. A Cidade da Criança é utilizada, historicamente, como instrumento político-eleitoral, com repartição de cotas de carteirinhas para muitos vereadores e candidatos a cargo público para subsequente distribuição.
A Beto Carrero World é o quarto maior empreendimento no mundo em tamanho e número de atrações. O parque, situado em Penha, Santa Catarina, explora o tema country e consumirá nos próximos três anos investimentos de R$ 100 milhões para estar totalmente concluído. O empreendimento registra público anual de 1,9 milhão de visitantes.
Outra alternativa para a Cidade da Criança é a negociação com a Maurício de Souza Produções, pioneira na tematização com o lançamento do Parque da Mônica, em 1993, que até agora acumula mais de cinco milhões de visitantes. A MSP vai inaugurar este ano um parque dedicado a Chico Bento, personagem infantil de maior identificação entre adolescentes e adultos. Situado no Parque da Água Funda, em São Paulo, o Parque do Chico Bento terá 25 mil metros quadrados de área construída e atrações relativas ao campo.
Unidade do Playcenter também é bem-vinda em São Bernardo. Seria casamento perfeito de duas marcas de forte identidade no setor de entretenimento. Essa parceria também já foi comentada. Entretanto, as amarras públicas provavelmente desestimulariam avanços nas negociações. A Playcorp, empresa que comercializa a marca Playcenter, está de olhos fixos no megaprojeto turístico avaliado em US$ 1 bilhão e cuja âncora será o temático Great Adventure. É o Complexo Turístico SerrAzul, instalado numa região privilegiada na rodovia dos Bandeirantes, próximo a Campinas, compreendendo público potencial de 30 milhões de consumidores. Serão perto de cinco milhões de metros quadrados até a conclusão prevista para cinco anos.
O SerrAzul promete atrações só comparáveis à DisneyWorld, entre as quais o Safari Zoo Park, com sete quilômetros de extensão e que reproduz uma selva africana, o Motor & Wheels, caracterizado de acordo com as principais competições de cunho automobilístico, e parque aquático.
É provável que a pretendida negociação do presidente da Associação das Empresas de Parques de Diversões do Brasil com a administração municipal de São Bernardo seja o caminho mais curto para a recuperação da Cidade da Criança. A explicação é que os custos do empreendimento poderiam ser pulverizados entre várias empresas associadas e a administração passe a ser cooperada, com direitos e deveres bem explicitados. Do jeito que está é que a Cidade da Criança não pode ficar. É um Georgi Armani vendido a preço vil numa feira-livre.
Shoppings já estão sintonizados
Um dos primeiros países a equipar shoppings centers com restaurantes, cinemas e parques, o Brasil assistiu de camarote à transformação dos templos de consumo existentes na década de 80 em verdadeiros pólos de entretenimento com atrações completas para toda família. O Grande ABC mergulhou nessa onda e hoje seus estabelecimentos oferecem os mais sofisticados equipamentos da indústria do lazer.
Exemplo são os cinemas: antes mesmo do desembarque da nova tecnologia em São Paulo e Rio de Janeiro, a região foi porto para o sistema americano multiplex — que reúne no mesmo local várias salas dotadas de alta qualidade de som e imagem, além de poltronas reclináveis com apoios retráteis para braços. Pioneira nesse investimento, iniciado no ano passado, Santo André já contabiliza 15 opções: cinco no Shopping ABC e 10 no ABC Plaza. São Bernardo, contudo, não fica atrás e inaugura em breve complexo multiplex no Hipermercado Extra. A empresa não revela o número de salas previsto no projeto, mas à boca pequena especula-se algo entre oito e nove.
A evolução dos shoppings foi acompanhada de perto pela Fionda Indústria e Comércio, de São Paulo, maior fabricante de equipamentos para parques de diversões da América Latina. O empresário Jorge Antônio Pinto conhece bem a história: “O Brasil foi um dos primeiros países a investir no lazer em shoppings porque esses estabelecimentos se tornaram alternativa segura para compras. O consumidor fugiu dos calçadões em busca de proteção, ao contrário de países como Estados Unidos, onde o comércio de rua é forte. Na Argentina, por exemplo, é possível caminhar tranquilamente pelo centro às duas da manhã”.
Após o advento Disney e a popularização de seu complexo norte-americano, parques temáticos se propagaram pelo mundo. É claro que nenhum capaz de se igualar ao mestre do entretenimento. Mas essa tendência chegou mansamente aos shoppings e a Fionda foi uma das primeiras empresas a fabricar brinquedos menores para lugares fechados.
Andando nessa esteira, em 81 nasceu o primeiro espaço de diversões decorado do País, instalado no Shopping Iguatemi de Campinas, dando o pontapé inicial numa tendência que se tornou irreversível. “Atividades de lazer não podem mais faltar aos shoppings. E isso inclui parques, cinemas, fast-foods e mesmo footing. É provado que 50% dos frequentadores não estão com compras na mão, mas muita gente que sai apenas em busca de entretenimento acaba gastando por impulso nas lojas” — contabiliza Jorge Pinto.
Prova de que entretenimento é forte âncora para shoppings, o ABC Plaza de Santo André — o caçula da região — tem no lazer um dos apelos mais fortes. Planejado com base em pesquisas de mercado que apontaram carência de empreendimentos voltados à diversão de toda a família, possui quatro grandes áreas distintas, incluindo praça com 28 opções de alimentação e mil lugares. Um dos principais atrativos, porém, é o maior complexo de cinemas da região, com 10 salas e capacidade total para 2.031 espectadores. Administrado pela Cinemark, ocupa área de quatro mil metros quadrados e utiliza o sistema multiplex com equipamentos de exibição e sonorização de última geração, poltronas reclináveis e comodidades como Cine Bar no hall principal para venda de lanches e cafés, além da tradicional pipoca.
“Por sempre exibir novidades e oferecer horário flexível, com sessões começando às 10h30, o Cinemark atrai público significativo e o shopping consegue contabilizar para si esses frequentadores” — comemora o superintendente do ABC Plaza, José Menegaldo Júnior.
Em janeiro, foram 100 mil espectadores, volume que certamente seguirá curva ascendente porque as salas ainda são relativamente novas — foram inauguradas há apenas quatro meses, após investimentos de US$ 5 milhões — e a população da região começa a conhecê-las. Mesmo novidade, 35 mil pessoas passaram diariamente pelos corredores do shopping em dezembro, muitas delas saídas de bairros próximos da Capital.
Outra atração de peso do ABC Plaza é o Stadium Bowl Café, primeiro sport bar da região, com área de 3,5 mil metros quadrados e cuja concepção consumiu gastos de US$ 4 milhões. O empreendimento é administrado pela Playcenter e reúne num mesmo local restaurante, 40 jogos eletrônicos e boliche com 24 pistas oficiais computadorizadas, atingindo público acima dos 16 anos. Marca a chegada ao Grande ABC dos bares temáticos, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos com os consagrados Hard Rock Café, Planet Hollywood e All Star Café, e já aterrissa em São Paulo com o Gitana do ator Christopher Lambert — espécie de tenda cigana misto de restaurante e danceteria. Já para a garotada, o shopping oferece parque indoor da Playland com 2,5 mil metros quadrados de brincadeiras eletrônicas e prêmios.
José Menegaldo revela que novo empreendimento se somará ao mix de entretenimento em abril, quando serão abertas as 50 lojas programadas para a segunda fase do shopping — hoje são 240. A Siciliano Megastore funcionará anexa à área de lazer e terá livraria, videoteca, venda de CDs e café. O gigantismo do espaço cultural pode ser medido pelo conjunto de quatro escadas rolantes instalado em seu interior. E as obras não param: é prevista para 99 a terceira etapa de expansão, com mais 60 ou 70 lojas. “Tendências de mercado indicam ancoragem dos shoppings em lazer, com parques temáticos, cinemas e farta oferta de alimentação. Vamos utilizar esses atrativos para consolidar o ABC Plaza como o grande pólo de varejo da região” — assegura José Menegaldo.
Se shoppings centers são considerados o mar do paulistano, o Shopping ABC, em Santo André, pode ser chamado de Ipanema. Em janeiro, mês de movimento fraco devido às férias escolares, o estabelecimento recebeu perto de 25 mil frequentadores aos domingos, atraídos quase que exclusivamente pelo entretenimento. “Isso é praia para mim” — confirma o gerente de marketing Fernando Alvarez Rodriguez, comemorando a mudança de comportamento do público, que não faz mais do lazer no shopping uma extensão das compras. O frequentador procura o local somente para ir ao cinema, comer ou brincar na área destinada a jogos, administrada pela Playland, marca que virou sinônimo de parque fechado de diversões eletrônicas.
Segundo Fernando Alvarez, o mix de lazer do Shopping ABC é perfeito: praça de alimentação com 1,3 mil lugares sentados — ou seja, uma das maiores do Brasil em número de mesas concentradas num único espaço –, cinco cinemas multiplex da Playarte com capacidade total para 1,2 mil pessoas, Playland, boliche com 12 pistas computadorizadas, atividades infantis, happy-hours e finais de semana com música ao vivo. Para completar a oferta, é estudada instalação de academia de ginástica. Tantas opções são responsáveis por 45% do faturamento total do shopping, considerado pelo gerente de marketing completo em alternativas de entretenimento.
No Metrópole, em São Bernardo, a área de lazer — composta por brinquedos eletrônicos Playland, praça de alimentação com 734 lugares e três cinemas com capacidade total para 660 pessoas — já responde por 20% do faturamento. Aos domingos, quando praticamente todas as 261 lojas estão fechadas, perto de 17 mil pessoas vão ao local atraídas pelas opções de divertimento. Durante o resto da semana, o público diário gira entre 30 mil e 35 mil frequentadores. Embora não exista projeto de incremento da área de lazer, essa possibilidade não é descartada, pois na ampliação foi feita fundação para construção de mais um piso, lembra a gerente de marketing Laura Ranaldi.
“O lazer é o grande negócio do próximo milênio; aqueles que investirem nessa área serão os que ganharão dinheiro” — prevê Laura Ranaldi. Para ela, a população busca mais entretenimento do que antigamente. “Existe crise, mas as estradas estão lotadas praticamente todos os finais de semana, ao mesmo tempo que restaurantes e praças de alimentação permanecem sempre cheios. As pessoas hoje preferem se presentear com lazer para relaxar, ao invés de só comprar bens” — afirma. A frequência mensal do Metrópole comprova sua tese: 36 mil espectadores nos três cinemas e seis mil crianças no Playland.
Shoppings menores também começam a apostar no entretenimento como alavanca dos negócios. O enfraquecido Best Shopping, de São Bernardo, um dos primeiros da região a dispor de cinemas — são duas salas –, iniciou processo de revitalização com reforma de área no segundo piso para instalação de praça de alimentação, onde Chicken & Beer e Sunset Burger abriram lojas no final do ano passado.
Segundo o gerente administrativo Zenilson Gurgel, o Best procura parceiros interessados em ocupar os outros 12 espaços disponíveis, oferecendo, para isso, pacote de vantagens incidentes nos aluguéis e luvas. A Magic Games, especializada em diversões eletrônicas, passou a administrar no local área de lazer com 400 metros quadrados e capacidade para 200 frequentadores.
Até mesmo o Green Plaza, de Mauá, shopping de calçadão direcionado ao público que utiliza ônibus e trem, decidiu usar o lazer como isca para fisgar consumidores e está ganhando dois cinemas com capacidade para 213 pessoas cada. Um terceiro, com 170 lugares, está previsto para o final do semestre. Administradas pela São Luiz de Cinema, as salas ocupam o mezanino do antigo Cine Symaflor — única opção para os cinéfilos da cidade, fechada na década de 80 e transformada em bingo — e serão ligadas ao shopping pela Casas Bahia.
O diretor da associação dos lojistas, Lourival Vítor Cardoso, prevê aumento no número de frequentadores, mas não estima qual será o incremento no volume de vendas. Afinal, como garante José Menegaldo, do ABC Plaza, “quanto mais atividades um shopping concentra num mesmo local, mais público recebe”.
Uma ameaça para os clubes
Os clubes sócio-esportivos do Grande ABC que se preparem para a nova realidade que vai aflorar com a chegada de parques temáticos e a ampliação e consolidação de ofertas de lazer nos shoppings. Desunidos e sem representação institucional na região, já que estão ligados ao Sindicato dos Clubes do Estado de São Paulo, as associações com sede nos sete Municípios do Grande ABC poderão passar por sérias dificuldades para manter receitas com o quadro associativo através de mensalidades, origem principal dos mais volumosos recursos orçamentários.
O conjunto de atratividade dos parques temáticos que vão ocupar grandes áreas estrategicamente situadas ou dos parques de diversão convencionais dos shoppings poderá promover revolução semelhante a que atingiu o comércio varejista mais tradicional da região, que se viu em franco processo de decadência com a chegada de grandes estabelecimentos e redes de franquia.
A oferta de lazer por parte dos clubes associativos da região não se tem alterado ao longo dos tempos. O mix é semelhante e nem de perto acompanha a variedade, a riqueza, o dinamismo, a inovação e a complementaridade dos parques de diversão e de entretenimento.
Campeonatos esportivos internos são chamarizes aos associados. Principalmente o futebol, gueto dos homens invadido nos últimos anos por moças livres de preconceito que a televisão tratou de exorcizar. O Clube Atlético Aramaçan, em Santo André, simboliza o perfil médio dos clubes associativos. Divide os maiores nacos de receitas de mensalidades atraindo frequentadores em duas atividades: massificando os torneios de futebol interno das mais diferentes faixas etárias, com mais de uma centena de equipes, e terceirizando o salão social para shows musicais.
Com variáveis, a maioria dos clubes da região vive exatamente da mensalidade dos quadros associativos, que têm a bola e a música como maiores apelos. Mais precisamente a bola ou a música, de forma excludente.
O Esporte Clube Santo André não tem tradição de shows musicais, até porque seu salão social não é adequado a isso, mas segue os passos do Aramaçan com campeonatos internos. O Mesc (Movimento de Expansão Católica) de São Bernardo também tem no esporte sua força motriz. Quadras de tênis de campo e áreas para jogos de salão (tênis de mesa, pebolim, carteado, dominó, xadrez) complementam a grade de serviços esportivos. O Volkswagen Clube, maior clube da região, com perto de 15 mil sócios titulares, assemelha-se ao Aramaçan, mas possui calendário mais ativo de envolvimento esportivo em outras modalidades.
A maioria dos principais clubes também conta com piscinas, embora poucas aquecidas. Por isso, o fluxo associativo deslancha quando o sol aparece e reflui quando as nuvens tomam conta do céu e a temperatura cai. Entre novembro e março se dá o período de vacas gordas, quando empinam as receitas de mensalidades com a queda do índice de inadimplência.
Este verão está sendo especialmente generoso e contribui para a retomada de pagamentos atrasados. A inadimplência provocada pela sazonalidade da temperatura é um espantalho temido pelos dirigentes. O verão costuma ser fenômeno de abrangência familiar para os clubes; isto é, toda a família trata de usufruir dos custos da mensalidade, espécie de taxa de condomínio a que todos os proprietários de títulos patrimoniais têm de recolher independente de usufruírem ou não do ingresso no clube. Fora do verão, sobra o futebol para o chefe da família ou filho adulto.
Nos últimos tempos vários clubes acrescentaram campos de futebol soçaite ao layout de atrações. Quem já contava com alguma unidade tratou de ampliar as opções. Na maioria dos casos os campos ganharam piso de grama sintética. Foi uma exigência dos associados e do próprio mercado, já que poucas atividades econômicas encontraram tantos investidores na região. Embora não se tenha números confiáveis, nem organização que reúna os empreendedores, calcula-se que mais de 100 empresas do segmento de futebol soçaite surgiram no Grande ABC nos últimos três anos.
Tudo se ampliou com a estabilidade monetária do Plano Real, que colocou fim à espiral inflacionária, e também com as consequências da globalização da economia, combinada com a abertura alfandegária. Executivos e trabalhadores mais graduados demitidos às levas e que receberam polpudas indenizações trataram de cuidar da vida. Muitos deles transformaram áreas desocupadas ou subutilizadas em campos de soçaite, numa febre que ainda não terminou.
Durante o dia os campos são escolinhas de futebol para crianças. Depois das seis da tarde viram lazer de executivos e profissionais liberais, principalmente. Esse filão descoberto e bem explorado pela livre iniciativa acabou mexendo com a estrutura dos clubes associativos, cujos dirigentes trataram de correr atrás do prejuízo e de remexer os espaços para atrair associados.
Mas a oferta de equipamentos de lazer dos clubes associativos é restrita e sem o poder de sedução dos parques temáticos ou convencionais. Os brinquedos estão tecnologicamente defasados. Para levar crianças e adolescentes aos clubes é preciso investir maciçamente. Caso contrário, até que os parques temáticos não se tornem uma grande opção, eles preferem a parafernália eletrônica de jogos virtuais nos computadores.
Áreas de estacionamento agravam os custos da frequência, porque a maioria dos clubes tem origem há mais de três décadas, quando a explosão do uso de veículos longe estava das projeções dos urbanistas. Os estacionamentos que cercam a maioria dos clubes são de propriedade particular. Os parques temáticos que estão chegando já acoplam espaço para veículos, dimensionando-os em relação à capacidade máxima de frequentadores.
Outra dificuldade que os clubes sócio-esportivos do Grande ABC encontram para sensibilizar os associados e estimular a redução dos índices de inadimplência está no atendimento precário da demanda por infra-estrutura alimentar. Bares e restaurantes estão, na maioria dos casos, muito aquém das condições desejadas de preços, variedade, higiene e limpeza. As exceções confirmam a regra. Sem obrigações contratuais ou práticas quanto a qualidade, diversidade e preços dos serviços, grande parte dos concessionários de alimentação não oferece garantia de que os frequentadores poderão se programar para longas horas de atividades. O mais provável é que o sábado e o domingo se transformem em dietas compulsórias para quem resolva esticar permanência.
Também na maioria dos casos dirigidos sob conceitos de voluntarismo e não de profissionalismo, porque a cultura sócio-esportiva do País coloca à frente dos clubes empresários, executivos e profissionais liberais travestidos de colaboradores não remunerados, o setor provavelmente sofrerá com a concorrência de empreendimentos comprometidos com o retorno de milhões de reais de capital de investidores corporativos.
Por melhor que seja um empresário, um executivo ou um profissional liberal ocupando cargo de comando nos clubes sócio-esportivos, o bom senso indica que é muito improvável que venha a ter o desempenho administrativo de executivos rastreados, recrutados, treinados e reciclados permanentemente para dirigir parques temáticos. Com isso, será inapelável o poder de massificação de frequentadores desses novos templos do entretenimento. A dinâmica de atrações concebidas por especialistas na arte de incrementar muita adrenalina no sangue dos visitantes contrastará com a mesmice, o tradicionalismo e a rigidez oferecidos pelos clubes sócio-esportivos.
Ainda mais se se considerar que, enquanto os clubes sócio-esportivos despertam frequência apenas nos finais de semana, principalmente se o tempo colaborar, os parques temáticos serão atração diária, tanto de manhã quanto à tarde e à noite, porque incorporam equipamentos não exclusivamente de lazer, de diversão, mas também voltados ao entretenimento e cultura. Independente da estação do ano. Em resumo, um emocionante shopping de qualidade de vida, artigo de que o Grande ABC tanto prescinde.
Qual é a alternativa para os clubes sócio-esportivos? É evidente que pintar um quadro de desaparecimentos em massa é exagerar nas cores. Que duros efeitos ocorrerão, basta esperar o tempo correr para confirmar a tendência. Reações poderão minimizar as consequências que se avizinham.
Primeiro é preciso que os dirigentes dos principais clubes troquem o individualismo diretivo e o bairrismo territorial por associativismo e integração regional. Afinal, os clubes são verdadeiras ilhas. A rivalidade prevalece e é uma das justificativas para o fato de não existir nem mesmo uma associação para cuidar dos interesses em comum. Custos administrativos sobrepostos, ações de marketing tão raras quanto residuais, elevação dos gastos de manutenção e de novos investimentos são alguns dos subprodutos do isolamento entre eles. Profissionalizar também a direção, como o que já se insinua no futebol profissional, deverá constituir diferença entre sucesso e fracasso dentro desse novo quadro que se vislumbra. Profissionalizar significa ter gente com competência e tempo para comandar os clubes.
A situação de amadorismo em que vive a maioria das organizações sócio-esportivas ainda não tem a gravidade que se abateu sobre os pequenos negócios comerciais que insistem em não recorrer ao cooperativismo porque os clubes não são necessariamente concorrentes entre si. Mas com a chegada de parques temáticos, versão de entretenimento do impacto provocado na área comercial pelos shoppings e franquias das mais diversas áreas, o mercado será sacudido.
Uma associação ou um sindicato poderá mostrar saídas que os clubes não encontrarão individualmente e, com isso, amenizar os estrondos que se farão ouvir.
Para Jucelino Cecel Peixoto, presidente da Adibra (Associação das Empresas de Parques de Diversão do Brasil), uma alternativa que não pode ser desprezada é incorporar novas atrações de entretenimento nos territórios dos clubes. Parcerias com empreendedores privados poderiam enriquecer os espaços com o que há de mais moderno em equipamentos de diversão.
É claro que não se trata de solução de fácil implantação. Há barreiras culturais enormes, que podem ser resumidas na chamada inviolabilidade espacial dos clubes. Uma das quais é a atávica indisposição de incorporar elementos de atratividade que não façam parte do acervo material do próprio clube, os quais gerem negociações com empresas privadas quanto à participação nas receitas do uso dos equipamentos. Outra barreira é a própria inadequação físico-territorial para implementar mesmo que apenas parte do conjunto de equipamentos de maior apelo no mercado.
Desde já, dirigentes dos clubes sócio-esportivos poderiam iniciar uma cruzada pela salvação de seus territórios de entretenimento, levando-se em conta que está chegando um furacão de atrações que não deixará sobrar pedra sobre pedra de tradicionalismo.
Atingidos nas últimas décadas pela força avassaladora da televisão, os clubes sócio-esportivos deverão registrar baixas ainda maiores de frequentadores nos próximos tempos com o desvio a empreendimentos especializados em tratar com afinadíssimo faro econômico-financeiro a mais cobiçada atividade humana, principalmente em regiões que se notabilizam pela força do trabalho: entretenimento, muito entretenimento.
Turismo começa a reagir
Antes jogado às moscas, o patrimônio turístico regional pode transformar-se em suculento filé graças aos investimentos prometidos pelas prefeituras. Ribeirão Pires, que há muito sonha com título de estância, vive fase de laboratório e testa a aceitação do turismo sustentado — exploração dos atrativos locais com consequente aumento da arrecadação, porém sem prejuízos à qualidade de vida.
Paranapiacaba, distrito de Santo André, será alvo de melhorias visando a aliviar deterioração provocada pela má conservação.
O potencial dessa centenária vila ferroviária é tamanho que está cotada para sediar novo empreendimento de Beto Carrero. O empresário cogita investir perto de R$ 35 milhões em parque temático que teria como principal bandeira a preservação do patrimônio histórico e ecológico daquela região. Também parques públicos despertam atenção das autoridades e recebem tratamento diferenciado para oferecer mais atrativos aos frequentadores.
Setor responsável por um em cada nove empregos no mundo e arrecadação de US$ 600 milhões de impostos/ano, o turismo desperta de sono profundo na região. Uma das principais potencialidades em foco é o verde de Ribeirão Pires. Dentro desse esforço, a cidade obteve o selo de Município Potencialmente Turístico, concedido pela Embratur, que possibilita acesso a linhas de crédito para investimentos na área.
A Prefeitura também promoveu experiência piloto no Carnaval criando cartão de descontos para usuários de espaços particulares de lazer como Hotel Estância Pilar, Chácara Santo Antônio, Prainha Tahiti e dois haras. E inaugurou central de atendimento ao turista para fornecer informações e mapas das atrações — Igreja do Pilar, Pedra do Elefante e Morro de Santo Antônio são algumas.
Segundo a coordenadora de Turismo Luciana Santos Arraes, a idéia era verificar a aceitação da iniciativa para elaboração de pacote completo na Semana Santa. Durante os quatro dias de folia, técnicos da Prefeitura também aplicaram pesquisa para descobrir o perfil dos turistas que visitam a cidade e, especialmente, a Represa Billings.
Para atrair turistas, a Prefeitura de Ribeirão Pires realiza campanha iniciada com levantamento que constatou infra-estrutura particular composta por 326 leitos em hotel, quatro agências de turismo, seis restaurantes, 40 chácaras para festas e eventos, dois shoppings centers, marina, dois parques aquáticos, haras e sete áreas de pesque-pague (o preço varia segundo a quantidade de peixes fisgados). No final do ano passado, seminário abordou potencialidades do Município e discutiu projetos para os próximos três anos com objetivo de tornar o turismo a principal atividade econômica até 2.010.
Secretário de Desenvolvimento Sustentado de Ribeirão Pires, Jorge Hereda, estuda a melhor forma de aproveitamento turístico da Billings e informa que está em andamento plano para reabertura do camping municipal, situado numa das faixas mais belas da represa e fechado devido à má administração por empresa concessionária. A transformação dos 120 mil metros quadrados de área em parque já tem data de entrega ao público: 6 de junho, Dia do Meio Ambiente. Além de atrativos como mata nativa, águas limpas e clima de montanha, Ribeirão Pires também utilizará como chamariz o patrimônio histórico regional: Calçada do Lorena, Serra do Mar, Gruta de Santa Luzia e, principalmente, Vila de Paranapiacaba.
Bem antes de ser cogitada como sede de novo parque temático de Beto Carrero, espécie de Walt Disney tupiniquim, Paranapiacaba recebe especial atenção da Prefeitura de Santo André. Protocolo de intenções foi firmado entre Administração e Rede Ferroviária Federal em busca de investimentos para restauração e conservação do patrimônio histórico. O projeto de revitalização da Vila e uso sustentado através do turismo será gerenciado por fundação, também composta por diversas entidades, universidades — entre as quais Fundação Santo André e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) — e organizações não governamentais. A fundação está sendo elaborada juridicamente.
“Não buscamos apenas a preservação da Vila, mas também das áreas naturais, algumas nos limites do Parque Estadual da Serra do Mar, em péssimo estado de conservação por conta do turismo mal organizado” — lamenta o geógrafo Maurício Marinho, contratado pela Prefeitura de Santo André para coordenar o programa de revitalização de Paranapiacaba. Com trabalho anterior no Petar (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira), ele considera perfeitamente possível organizar turismo sustentado e capacitar a comunidade para lidar com os visitantes, pois inexiste essa filosofia entre os moradores.
Um dos projetos é preparar moradores para atuarem como monitores ambientais, gerando renda para a comunidade e orientando turistas — na maioria vindos da periferia, mas também ecologistas, grupos de estudantes, ferromodelistas e membros de entidades internacionais. “Basta lembrar que Paranapiacaba é um dos berços do turismo ecológico graças a passeios como Trilha do Ziguezague” — destaca Maurício Marinho.
Para o coordenador, a criação da fundação é momento de grande importância, porque a participação da iniciativa privada poderá desenvolver serviços como alimentação, hospedagem e comércio, talvez até através de financiamentos, embora qualquer tipo de atividade dependa de autorização do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) pois a Vila é tombada desde 87. “É patrimônio valioso, único, que precisa apenas ser melhor explorado; se a fundação for bem encaminhada, as possibilidades de sucesso são grandes” — ressalta.
A fundação pró-revitalização de Paranapiacaba nem está pronta juridicamente e alguns projetos já estão encaminhados. São discutidas ações como seminários de desenvolvimento sustentado e a Prefeitura de Santo André, através de esforço conjunto das secretarias, inicia obras de arruamento com paralelepípedos e manutenção do sistema de água e esgoto — a rede existente data da época dos ingleses.
Maurício Marinho também busca recursos para implantação de placas de identificação visual desenvolvidas por alunos de pós-graduação da FAU. Orçado em R$ 27 mil, esse programa prevê sinalização com finalidade educativa, valorizando informações sobre edificações. Outros passos importantes são reforço na segurança e conscientização do turista de baixa renda, que normalmente acampa em locais inadequados, leva facas e usa drogas, aumentando os riscos de assaltos e acidentes em trilhas perigosas.
Importantes e acessíveis fontes de lazer, áreas verdes também atraem investimentos, especialmente no tratamento da vegetação. Um dos maiores parques urbanos do País, com 7,5 milhões de metros quadrados, o Pedroso vive dias bem diferentes da época dourada, quando servia de cenário para programa infantil da extinta TV Excelsior. O teleférico, o maior do Brasil com seus 1,7 mil metros de extensão, deixou de funcionar em 93; outros equipamentos de lazer — churrasqueiras, bancos e playground — necessitam melhorias. Mesmo assim, recebe quatro mil visitantes aos sábados e a espantosa marca de oito mil aos domingos. Atenta a essa frequência, a Prefeitura de Santo André traçou plano de melhorias que consumirá, a curto prazo, R$ 400 mil.
O diretor do Departamento de Parques e Áreas Verdes da Secretaria de Serviços Municipais de Santo André, Luiz Henrique Zanetta, afirma que os investimentos serão direcionados ao novo tratamento paisagístico das áreas de acesso e entrada do parque, entretanto também haverá obras para recuperação de quiosques e churrasqueiras, ampliação do playground, novos bancos e revegetação das encostas e margens dos lagos, deterioradas pela erosão. “A riqueza do Pedroso é enorme e sua estrutura ecológica serve de proteção aos mananciais, pois 5% da água tratada pelo Semasa é captada lá” — afirma.
O teleférico será o principal atrativo caso a Prefeitura consiga parceria com a iniciativa privada para reativá-lo. Essa recuperação demanda investimentos entre R$ 800 mil e R$ 1 milhão para conserto das máquinas, troca dos cabos e construção de instalações para recreação e lazer nas estações.
Embora o Pedroso tenha praticamente a mesma área de São Caetano, Henrique Zanetta conta que a maior fatia de recursos será injetada no popular Duque de Caxias. Parque de uso cotidiano devido à localização em região central, recebe de quatro a seis mil frequentadores diariamente. Cerca de R$ 500 mil serão aplicados em obras de iluminação, revegetação, enriquecimento botânico, implantação de dois vestiários, berçário e lactário, transformação do casarão em lanchonete, criação de quiosque de informações, estações de ginástica, tratamento do piso da pista de cooper e comunicação visual.
Vida noturna ganha agitação
Os mega-investimentos estão para chegar ao Grande ABC e farão brilhar a face de desenvolvimento econômico voltado ao entretenimento, embora isso não signifique que a região esteja na pré-história do setor. Não se vive aqui toda a efervescência da cosmopolita São Paulo, mas não se deve imaginar que interessantes bares, choperias, danceterias, boates, motéis e restaurantes possam ser vistos apenas em catálogos ou numa lista de atrações virtuais do site da Capital paulista na Internet. A seu modo, longe da timidez de quem ainda imagina que o Grande ABC vive só de produzir veículos, tem-se aqui razoáveis exemplares desse conjunto de opções, especialmente noturnas.
O Grande ABC possui vitalidade em entretenimento que até consegue trocar a mão de direção econômica, que durante o dia é mais intensa em direção a São Paulo. De noite, principalmente nos finais de semana, mais ainda em São Caetano e em Santo André, limítrofes da periferia paulistana, e na Via Anchieta, meio caminho entre Planalto e Litoral, o fluxo se inverte e a região passa a receber milhares de visitantes, sobretudo no entretenimento menos sofisticado.
A danceteria Ilha de Capri é endereço onde se consomem a cada final de semana perto de oito mil litros de chope. Seus 4,5 mil metros quadrados de área interna formam layout semelhante a um desses navios que cruzam o litoral brasileiro no verão. E costuma balançar as estruturas, no sentido figurado, quando recebe 10 mil pessoas aos sábados e domingos. Não há nada semelhante no Grande ABC. O estacionamento para quatro mil vagas consegue superar a oferta média dos shoppings da região. São mais de 100 funcionários para dar conta do recado.
E que recado eles têm de dar com tanto volume de frequentadores. Dirigido pelos primos Márcio Zanardi e Fábio Pioker, filhos de dois dos três sócios e irmãos, o Ilha de Capri está localizado no Km 26 da Anchieta, colado no Distrito do Riacho Grande. A vizinhança com a Represa Billings atraiu a atenção para o empreendimento. Mais precisamente os bares e cantinas que transformaram o Riacho Grande num ponto de romantismo do Grande ABC. Um local onde se conversa, se namora, se bebe, se dança e se faz outras coisas à luz de vela. Com o chamariz do Riacho Grande, não havia razão para ignorar a potencialidade do negócio.
Se o Riacho Grande já era indutivo, o que dizer então de outros dois pólos igualmente próximos — a chamada Rota dos Motéis, exatamente na mesma marca quilométrica do Ilha de Capri, e a Rota dos Restaurantes de Frango com Polenta, no Km 19 da mesma Anchieta, também pontuada por motéis de alto padrão? Percebe-se que o empreendimento representa soma de vantagens cumulativas. Está no itinerário de tradicional mas pouco valorizado corredor de entretenimento de São Bernardo.
Quem tem notícia de uma campanha de marketing para valorização da imagem da Rota do Frango com Polenta? Ou algo parecido com a Rota dos Motéis? Ou mesmo das cantinas de Riacho Grande? E a Represa Billings? No meio desse conjunto de entretenimento que vem registrando progressivas perdas de qualidade ao longo dos anos, por absoluta falta de investimentos estratégicos do Poder Público e das empresas, o Ilha de Capri é literalmente uma ilha da fantasia. Não seria difícil juntar interesses complementares de proprietários de restaurantes que servem bons pratos, de motéis que ainda têm certo conforto e de cantinas e bares que fazem o romantismo sobreviver para estabelecer ações de revitalização dos negócios.
Esses três pontos de entretenimento, que têm a Represa Billings como eixo principal, resistem porque são tradicionais e de fácil acesso. Mas poderiam ser investimentos bem mais rentáveis se política específica de atratividade fosse desenhada na prancheta de quem enxerga a potencialidade do mercado de entretenimento com olhos profissionais. É claro que a responsabilidade é dos próprios empresários desse corredor econômico e também da Prefeitura, às voltas com a escassez de recursos financeiros.
O corredor de comilança, prazer, esfrega-esfrega, água abundante e muito som da Via Anchieta poderia até ser mais difundido internamente no Grande ABC, quando se constata, pelas próprias avaliações dos empresários, que de cada 10 consumidores que passam pelas caixas registradoras, pelas pistas de dança, pelas camas e pelas mesas, sete são da Capital ou do Litoral. O Ilha de Capri eleva até um pouco mais essa média, segundo Márcio Zanardi: 75% dos frequentadores vêm da Baixada ou do Planalto.
Depois de São Bernardo com seu pólo de entretenimento marginalmente utilizado, quem mais atrai visitantes ao Grande ABC é São Caetano. A Avenida Goiás, na altura da região central, e circunvizinhança vivem repletas de gente que gosta de curtir a noite. Da mesma forma que atrai paulistanos de franjas próximas, principalmente da Zona Leste, São Caetano desperta leva de delinquentes. São trombadinhas, trombadões, ladrões de veículos, entre outras faunas da malandragem, que resolvem dividir o espaço, encher os bolsos e elevar o Município à condição de líder regional de pequenos delitos.
Mas nem isso tira o charme noturno de São Caetano. A maior renda per capita do País, a estratégica posição geográfica da Avenida Goiás como passagem obrigatória para quem vem de Santo André, Mauá e Ribeirão Pires, o leve desvio de quem sai de São Bernardo, a vizinhança com a Capital e a fama de reunir o metro quadrado de mulheres mais bonitas da região asseguram frequência maciça.
A Duboiê é uma das mais antigas danceterias de São Caetano, instalada desde 1980 na Rua Manoel Coelho. Contabiliza 1,5 mil frequentadores a cada final de semana, dos quais 40% são da Capital. Desde 1996 ganhou a concorrência da danceteria e choperia Country Beer, cujo repertório de música country e sertaneja e a decoração no estilo do Velho Oeste norte-americano atraem média de cinco mil pessoas por semana.
Marcelo de Sá, diretor da Duboiê, não encara a Country Beer como uma dura ressaca nos negócios. Ele diz que observa o vizinho com olhos de quem entende que nada melhor do que o conjunto da obra, não apenas uma parte: “Da mesma forma que se diz vamos para Moema, quando os jovens querem se referir ao deslocamento para aquele bairro paulistano, quem vem para São Caetano utiliza o mesmo conceito, isto é, não se refere a determinado local. Isso significa que quanto mais empreendedores aqui, mais ganharemos como um todo” — afirma Marcelo de Sá, numa matemática toda própria.
A danceteria Twist’s é referência obrigatória na vida noturna de São Caetano. Desde 1992, quando se instalou, recebe média de 3,5 mil pessoas às terças, sextas e sábados, segundo cálculos do gerente Cristiano Portugal. O empreendimento acabou se tornando o eixo de outros, numa espécie de teoria inversa à da derrubada de dominós. A versatilidade da programação, que vai do pagode ao rock-and-roll, e uma geração atualizada de equipamentos de sons e luzes atraíram adeptos de todos os gostos e incrementaram negócios nas proximidades.
Surgiram a um quarteirão da Twist’s choperias bem estruturadas como a Intercontinental e a Número 1 e uma sequência de bares e franquias gastronômicas famosas, casos da Regazzo e Gril 2.000. O Habib’s chegou antes. A Choperia Número 1 exibe números que a colocam entre as principais do Grande ABC. São 3,7 mil frequentadores por semana. Os diretores da empresa, Alfredo Rocha dos Santos e José Roberto Rodrigues, estão exultantes. Eles trocaram a vida suada e complicada de compra e venda de automóveis, mercado que entrou em parafuso com a estabilidade monetária, e investiram para valer R$ 400 mil em obras e montagem de 300 metros quadrados de muita descontração.
A Choperia Intercontinental é mais recente. Foi inaugurada em julho do ano passado, consumiu R$ 300 mil e atende perto de cinco mil pessoas por semana. Antonio Carlos Satiro e José Carlos Gomes são empreendedores com perfil diferente dos donos da Número 1. Eles são do ramo faz muito tempo, como sócios de duas unidades da Choperia Internacional, em Santo André — uma defronte à principal unidade do Colégio Singular e outra no Shopping ABC. Embora especialista no assunto, Satiro também tem origem em outro setor: desde 1975 é diretor de uma indústria de vidros em Santo André e resolveu, em 85, partir para a diversificação. Uma mudança semelhante à do próprio perfil do Grande ABC.
O ponto mais disputado em Santo André está na Avenida dos Estados. Poucos apostariam em abrir negócio num corredor historicamente abandonado pelo setor público, já que o asfalto e o leito do Rio Tamanduateí costumaram se encontrar nas últimas décadas. Principalmente no verão de chuvas torrenciais. Mas o Chaplin Food & Beer é um achado de competência. Inaugurou o conceito de choperia 24 horas em 1995 e registra média mensal de 40 mil consumidores de pratos variados, bebidas, pista de dança, boa dose de segurança e muita agitação. Tem-se a impressão de que a tristeza foi barrada na porta.
O Chaplin pegou carona no lado positivo da Avenida dos Estados e como tal conta com grande número de frequentadores não-residentes no Grande ABC. A Avenida dos Estados não tem a mesma logística de atrações da Via Anchieta, que faz da danceteria Ilha de Capri um outro point de qualidade. Os motéis são esparsos, não há rota de restaurantes e nem cantinas românticas. E muito menos a Billings. Mas está localizada numa região bastante populosa. A Zona Leste paulistana e toda a metade de Santo André do chamado lado de lá da linha receberam um oásis de presente.
O Chaplin virou uma indústria de entretenimento que parece não ter limites, com um grupo musical diferente a cada dia e frequência garantida de artistas da TV. São 110 funcionários e uma política de recursos humanos que, segundo os sócios Germano e Alessandro Martins Rocha, pai e filho, e também Carlos Perregil, procura manter o quadro de profissionais com 30% de vantagem no contra-cheque em relação à média salarial do mercado. Atendimento, como se vê, é um dos pratos preferidos da casa. Os estimados R$ 2 milhões investidos no negócio tiveram retorno em tempo recorde — apenas 18 meses.
Mais sofisticado, o Bairro Jardim reúne algumas dezenas de bares e restaurantes em Santo André. O eixo da Avenida D. Pedro II é o ponto de referência. A disputa por frequentadores é intensa. É um mercado muito concorrido e complementar que confirma um dos quesitos básicos de que, para não naufragar no setor de entretenimento, é importante adensar os estabelecimentos. É claro que o caso do Chaplin é uma grande exceção dessa regra.
O Bairro Jardim tem variedade gastronômica interessante. De churrasco e pizzarias a frutos do mar. Tem até reduto da cachaça, massificada pelo empresário Paulo di Traglia. Ele criou a Cachaçaria Água Doce e depois de um ano viu o empreendimento maturado, com média de 4,5 mil a cinco mil clientes por mês, incluindo vips da região. O reconhecimento do empreendimento é, em boa parte, calcado na originalidade do cardápio: 220 marcas de aguardentes e comidas, além de petiscos mineiros. O público é bastante eclético: jovens, políticos e empresários.
Também no Bairro Jardim, o Porto Entreposto Cultural tornou-se ponto de referência de intelectuais da região graças à mistura de cardápio diferenciado com manifestações como shows, exposições de artes e noites de autógrafos. A proprietária Cibele Aragão abriu o misto de bar, restaurante e galeria motivada pela ausência de casas do gênero no Grande ABC, principalmente depois do fechamento de um dos principais redutos da boemia local, o Jazz & Blue, que atraía gente da Capital em busca de boa música.
Elson Gomes também apostou no Bairro Jardim e abriu a Baddoo Cervejaria de olho no movimento da Avenida D.Pedro II. Com localização privilegiada, próxima ao Parque Duque de Caxias, o bar foi inaugurado em agosto do ano passado após investimentos de R$ 400 mil em instalações com modernas chopeiras e telão para exibição de videoclipes e filmes de esportes.
Mesmo timidamente, o público GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes) começa a atrair investimentos na região, no mesmo Bairro Jardim. Em janeiro, foi inaugurado o primeiro bar do Grande ABC voltado exclusivamente para essa clientela, o Xanadú. Escondido num dos quarteirões mais movimentados da Rua das Figueiras, ainda está longe das casas mais fervidas de São Paulo — Clube Massivo, Mad Queen e bares do quadrilátero da Rua da Consolação entre as Alamedas Itú e Tietê, nos Jardins — mas já é o primeiro passo rumo à descoberta de uma fatia de mercado com grande potencial de consumo e até então esquecida pelos empresários do entretenimento na região.
O Bairro Jardim também tem vida noturna instigante e de alternativas ainda menos ortodoxas. Há redutos de prostituição na própria Avenida D. Pedro II, Avenida Industrial e transversais. Mulheres e travestis garantem o movimento de hotéis populares. Neons de boates serpenteiam a D. Pedro II. É uma rota de prazeres diferente do que se encontra na Via Anchieta, nas proximidades do Riacho Grande. Em Santo André os encontros são fortuitos, ocasionais, de cachê compromissado, enquanto em São Bernardo prevalecem casais de namorados.
Deslocado do Bairro Jardim, no centro expandido de Santo André, em área recheada de estudantes, o crescimento do setor de entretenimento tem motivado não apenas novos investimentos, mas também revitalização de espaços tradicionais. A Choperia Pedacinho do Céu II é exemplo dessa tendência. Os proprietários Halina e Lino Boschetti reinauguraram o bar no final de janeiro, apresentando como novidade decoração assinada pelo designer Sérgio Apolônio. Com visual surrealista, a casa foi remodelada com vistas a atrair nova clientela formada por empresários e executivos, além da juventude que normalmente bate cartão no local.
A Avenida Kennedy, em São Bernardo, é mais comportada que a D. Pedro II em Santo André, com a qual se rivaliza em movimentação de jovens que fazem de choperias uma rotina. A disputa pela clientela noturna é intensa. A Choperia Liverpool chegou em 1992, depois que José Miranda, Carlos Sellan e Rivail de Carvalho investiram R$ 200 mil para montar uma réplica de pub londrino que vende seis mil litros de chope e atende a 10 mil clientes por mês.
Tomaram conta do pedaço até que surgiu há quase um ano a Mr. Einstein, a nova campeã de vendas de chope no Município. São 18 mil litros/mês, a segunda do Estado. Atrás apenas do Chaplin, de Santo André. Robinson Alves Pereira, o comandante do negócio, consegue reunir 4,5 mil consumidores nos finais de semana e praticamente já recuperou os quase R$ 400 mil investidos. O empreendimento combina arrojo, conforto, dimensões avantajadas e som irretocável.
Mas Robinson Alves Pereira não está satisfeito, apesar de entender que vale a pena investir em lazer. Ele mesmo explica: “A legislação municipal precisa mudar muito, porque quisemos inovar, fazer um bar eclético, e acabamos barrados pela lei” — comenta irritado. A Mr. Einstein enfrentou prejuízo bruto de quase R$ 200 mil durante os 21 dias em que permaneceu lacrada pela Justiça. A alegação da promotoria baseou-se em lei municipal que proíbe abertura de casas noturnas num raio de 150 metros de escolas. Para o empresário, os motivos são outros: “A perseguição é grande porque o sucesso incomoda” — diz, enigmático.
Alegação derrubada, alvará retomado, a Mr. Einstein agora tenta recuperar o prejuízo ao mesmo tempo em que inicia processo de revestimento acústico orçado em R$ 43 mil e com prazo de conclusão estimado em três meses. A vizinhança, que seria o motivo da lacração, não vai poder reclamar mais.
A briga pela clientela na Kennedy não dá espaço para acomodação dos empreendedores. O corredor de entretenimento noturno, e que durante o dia é valioso endereço de comércio e serviços, também está ancorado na Via Anchieta, que passa a menos de 500 metros de seu epicentro festivo. Um novo endereço vai passar a constar do cartão dos sócios da Choperia Liverpool.
A Avenida Índico, colada à Kennedy e com vários ensaios de investimentos no setor, além de ponto de travestis e prostitutas, receberá o Vera Cruz, um bar temático que custou R$ 300 mil de investimentos. A decoração com fotos e quadros retratando os bons tempos da Companhia Cinematográfica Vera Cruz justifica o nome. O Vera Cruz se soma ao Ora Pro Nobis, na Kennedy, como empreendimentos novatos nessa região do Jardim do Mar. O Ora Pro Nobis é um misto de restaurante e empório, com mesas de ferro e madeira, uma vitrine com artigos de pedra sabão e panelas de barro — também comercializadas. Foi projetado para atender desde o café da manhã até o jantar.
Quem também está chegando é a Casa de Shows Emerald Hill, um anexo a uma das mais antigas danceterias da região, localizada no prolongamento da Anchieta entre os Bairros Assunção e Ferrazópolis. A expectativa dos irmãos Marcos, Roberto e Marcelo Lazzuri é de que repita a trajetória de sucesso da danceteria que se tornou com mil metros quadrados em três pavimentos específicos. “Será um meio-Aramaçan com infra-estrutura completa tanto para shows musicais de bandas famosas como para eventos empresariais” — afirma Nelson Sargiani, gerente e relações públicas da empresa, referindo-se comparativamente ao clube de Santo André. A Emerald de tanto sucesso reúne média de 1,8 mil frequentadores às sextas e sábados, além de atrair 1,2 mil crianças nas matinês de domingo. A Casa de Shows terá capacidade para quatro mil convidados.
Acreditar no potencial de crescimento do setor de entretenimento é algo que une os três irmãos que dirigem a Emerald. Eles caminham sintonizados com o expansionismo dos sócios do Ilha de Capri que, há mais de um ano, inauguraram o que chamam de Palco da Represa, que vem a ser o maior espaço de shows a céu aberto da América Latina. Nada menos que 30 mil pessoas podem se reunir numa área contígua à danceteria, às margens da Represa Billings.
Um negócio que ainda não saiu do papel e dos sonhos da MZM Empreendimentos é a transformação dos 14,5 mil metros quadrados das antigas instalações da KS Pistões, na nobre Avenida Pereira Barreto, num megaprojeto de entretenimento que centralizaria diversas atividades de lazer. Seriam choperia, danceteria, churrascaria, boliche, diversões eletrônicas, casa de shows, praça de alimentação, boulevard e academia de ginástica, entre outras atrações anunciadas há alguns meses por Francisco Diogo Magnami, presidente da empresa, que está à procura de parceiros.
Quem aposta no público notívago colhe frutos saborosos. Prova é um dos sócios das franquias do Fran’s Café em Santo André e São Bernardo, Bruno Damiani, que encontrou na madrugada ótimo filão de negócios. Industrial dono de gráfica, partiu para o mercado 24 horas movido pelo que classifica como necessidade própria: “Cansei de pegar o carro às 3h da madrugada para tomar café em São Paulo porque não encontrava opção na região” — revela. Para ele, consumidores que saem de casa quando todos estão dormindo usam a vontade de tomar café ou de comprar cigarros como mera desculpa, pois na verdade procuram bate-papo ou distração para momentos de insônia.
O movimento na madrugada é tão satisfatório na avaliação de Bruno Damiani que ele espera, em um ano, o retorno do investimento de R$ 300 mil realizado nas duas franquias. “Classifico qualquer atividade 24 horas como prestação de serviços” — define o empresário, que promove verdadeiro corpo-a-corpo com a clientela ao longo da noite e já conseguiu traçar o perfil médio dos notívagos: são da classe média alta, normalmente casais entre 30 e 40 anos voltando do lazer em São Paulo ou mesmo de compras no Hipermercado Extra, que também funciona 24 horas em São Bernardo. Muitos navegadores da Internet buscam no café pausa para as horas de conexão na rede e proprietários de casas noturnas aparecem atrás de descontração após longa noite de trabalho.
E não é apenas café que move as casas de Bruno Damiani. Projetos não faltam. Primeiro, o objetivo é solidificar as duas franquias, tanto em qualidade como em atendimento 24 horas — conceito ainda não totalmente assimilado pelos moradores da região. O próximo passo é levar projeto cultural para as unidades. Em Santo André, a partir de abril, acontecem exposições, leilões, recitais, jazz sessions e noites de autógrafos, sempre em horários intercalados para atender a todas as fatias do público. Futuramente, será instalada minibanca com jornais e revistas disponíveis para leitura dos frequentadores, a exemplo do que já ocorre em São Bernardo. Quando esses projetos estiverem totalmente sedimentados, Bruno Damiani dará passo rumo à abertura de nova franquia, em São Caetano.
De João Ramalho à quinta onda
A explosão do setor de entretenimento marca a quinta onda de desenvolvimento econômico do Grande ABC. A primeira onda formou-se ao final do século passado com a construção da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí pela São Paulo Railway. A segunda veio em meados dos anos 50 deste século a bordo da indústria automobilística. A terceira onda, do setor comercial, desembarcou com a inauguração do então Shopping Mappin ABC, quase no final da década passada. A quarta onda econômica foi lançada há poucos anos, com o surgimento do setor de serviços. E a quinta, de entretenimento, surge tímida, à esteira do dinamismo comercial e como reflexo do refluxo industrial. Mas promete explodir diante de tantas novidades no horizonte.
Divisa entre Litoral e Planalto, a antiga Borda do Campo ganhou essa denominação pela posição geográfica. João Ramalho abriu as primeiras trilhas por volta de 1515 e, em 1532, com a divisão do Brasil em capitanias hereditárias, coube a Martim Afonso de Souza a de São Vicente, à qual pertenciam as terras da Borda do Campo. João Ramalho foi declarado guarda-mor do campo, com a incumbência de fiscalizar o cumprimento de ordens.
Uma outra rota foi aberta depois de 1536, quando Martim Afonso de Souza doou a Braz Cubas extensa gleba de terra — conhecida pelos índios como Caguassu, ou Mata Grande — compreendendo os atuais Municípios de Ribeirão Pires, Mauá e Rio Grande da Serra, todos integrantes do Grande ABC. O Caguassu era território cortado por trilhas em várias direções, tornando-se passagem obrigatória entre o Porto de Santos e a região de Mogi das Cruzes.
A vinda de Tomé de Souza e de cinco religiosos da Companhia de Jesus, chefiados pelo padre Manoel da Nóbrega, contribuiu decisivamente para o crescimento econômico da região, em 1549 e 1555. O sistema de capitanias hereditárias fracassou e o governo português decidiu trocá-lo pelo Governo Geral. Enquanto nos tempos modernos o Grande ABC fortaleceu-se econômica e socialmente em torno da indústria automobilística e suas satélites, as autopeças, na metade do século XVI Manoel da Nóbrega e Braz Cubas incentivaram o padre Leonardo Nunes a erguer uma capela de taipa dedicada a Nossa Senhora do Pilar, às margens do Rio Jeribatiba. Ao redor da capela foram se formando numerosos núcleos habitacionais.
Por insistência de João Ramalho, Tomé de Souza transformou em Vila, em 1553, o povoado formado pelo guarda-mor. Ali foi levantado o Pelourinho, símbolo dos foros da Vila, e o povoado foi batizado de Santo André da Borda do Campo, com João Ramalho assumindo o posto de alcaide-mor.
Os sete anos seguintes foram de muita prosperidade. Entretanto, diferente do período pós-instalação da indústria automobilística neste século prestes a terminar, quando a região se tornou ponto de referência no relacionamento capital-trabalho, o Grande ABC adormeceu durante três séculos, a partir de 1560. Tudo devido a uma ordem do terceiro Governador-Geral do Brasil, Mem de Sá, para que se evacuasse o povoado. Tanto Santo André quanto o modesto aldeamento fundado em 1554 pelo padre José de Anchieta no planalto, onde se levantaria o Colégio de São Paulo, tinham problemas. O primeiro não oferecia segurança contra os ataques de índios hostis; o segundo era inexpugnável, mas por isso mesmo isolado. Desta forma, foi transferido o Pelourinho para o aldeamento planaltino. Nesse lugar instalou-se a câmara da Vila de Santo André. Nascia São Paulo de Piratininga.
O antigo povoado fundado por João Ramalho ficou completamente abandonado e iria ressuscitar somente no final do século XIX — a primeira onda de desenvolvimento — com a construção da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí pela São Paulo Railway, entregue ao tráfego em 1867. Ao abrir caminho para o Oeste, a Santos-Jundiaí começou a deixar marcas desde a instalação do primeiro canteiro de obras. A aparência física da serra foi alterada, com desmatamento de uma parte. A população aumentou abruptamente com a chegada de trabalhadores para plantar os trilhos. Iniciou-se o comércio de suprimentos ao longo do traçado, para abastecer os núcleos de trabalhadores.
A Santos-Jundiaí provocou mudanças decisivas na economia do Grande ABC. O movimento de tropeiros e negociantes da província minguou. As pousadas de tropas também perderam importância. São Bernardo, distante oito quilômetros da ferrovia, entrou em estado letárgico que se prolongou até metade do século, quando as rodovias ganharam importância e a Anchieta foi construída, ligando o Planalto ao Porto de Santos.
A chegada dos trilhos promoveu mais alterações que a importância relativa dos povoados da então chamada região da Borda do Campo. Estimulou também alguns pioneiros a abrir as primeiras indústrias de maior porte, somando-se às atividades ligadas à extração vegetal e mineral, olarias e serrarias. Em 1876 fundou-se em São Caetano a fábrica de sabão e graxa São Caetano, com 30 empregados. No mesmo ano surgiu no Bairro da Estação, mais tarde Santo André, a fábrica de tecidos Ipiranguinha, iniciadora da criação do pólo têxtil, hoje praticamente extinto.
Nos primeiros anos do século XX a região começou a delinear mais fortemente o perfil a ser consolidado nos 55 anos seguintes. Fora abandonada a pretensão de instalar-se o celeiro de alimentos para a metrópole. Em 1912 surgiu, em São Caetano, a Cerâmica Privilegiada do Estado de São Paulo, transformada em 1924 em Cerâmica São Caetano.
Em São Bernardo, a extração de madeira para móveis consolidou-se como atividade econômica importante, que, metabolizada, resiste até hoje com perto de 300 fábricas. Mesmo com a concorrência da indústria automobilística, que provocou a elevação dos níveis salariais e o êxodo de profissionais, seduzidos por badaladas logomarcas multinacionais.
A economia nacional, puxada pela prosperidade das lavouras de café, alargava o consumo interno de bens. Em meio à presença marcante de capitais ingleses controlando as ferrovias, as maiores empresas de importação e exportação, companhias de navegação, agências de seguro e bancos, surgia uma burguesia nacional, originária da cafeicultura. Esses empreendedores começavam a investir em atividades modernas, como as estradas de ferro, o comércio, as primeiras fábricas e em bancos, muitas vezes em sociedade com o capital estrangeiro, o qual fornecia máquinas, equipamentos, ferramentais e bens de capital.
Na década de 20, a Borda do Campo tinha perfil mais nítido. Santo André, ainda chamado Bairro da Estação, reunia 16 indústrias, seis das quais têxteis, entre as quais a Companhia Brasileira de Seda Rhodia. Das 12 indústrias de São Bernardo, 10 eram de móveis. Em São Caetano predominavam as cerâmicas — cinco dos 15 estabelecimentos existentes — e em Mauá as fábricas de louça.
Em 1929 a Capital paulista contava com 580 mil habitantes — pouco menos que a São Bernardo atual — e crescia geometricamente. As necessidades de consumo mudavam, o comércio na Capital já apresentava os primeiros sinais de sofisticação. Os mais exigentes dispunham, desde 1913, da primeira loja de departamentos do País — O Mappin Store.
Enquanto as rodovias já cumpriam papel central de urbanização do País, a proximidade da ferrovia, dada a dependência brasileira de bens importados para suas indústrias, era fator determinante para localização das fábricas. A Borda do Campo, embora fosse produtora de matéria-prima (argila) apenas para as cerâmicas, tinha a condição privilegiada de estar mais perto do Porto de Santos, por onde chegavam as importações, e de ser servida por trem. Valorizava-se ainda a disponibilidade de energia elétrica gerada pela Usina de Cubatão, de grandes extensões de terra e de abundância de água, fornecida pelos rios Tamanduateí e dos Meninos.
Pela primeira vez, por volta de 1940, houve curiosidade em saber quem estava por trás do pioneirismo industrial da região. Num levantamento feito entre 153 empresas pioneiras comprovou-se então a forte influência exercida pelos imigrantes italianos, que apareceram em 26 casos e em mais 45 de descendentes, contra 58 de brasileiros, sete de portugueses, cinco de espanhóis e um descendente, cinco alemães, dois franceses, dois russos, um polonês e um japonês.
A Via Anchieta, entregue em 1947 como a primeira auto-estrada brasileira, estabeleceu novo divisor econômico-social no Grande ABC. Era a segunda onda desenvolvimentista. A região deixava de ser apenas uma extensão das áreas industriais dos bairros paulistanos do Brás, Mooca e Ipiranga e começou a ter vida própria. “Com a Anchieta e pelas rodas dos caminhões”– relatou Jayme Mattos, jornalista que redigiu parte de um material histórico sobre a região há 10 anos e que não chegou a ser editado por falta de recursos financeiros. “Tudo chegará mais perto, tanto aos centros fornecedores de matérias-primas quanto aos centros consumidores” — escreveu.
Com a chegada de Juscelino Kubistcheck à presidência da República, em 1º de janeiro de 1956, os planos de fabricação do automóvel foram retomados, incluindo-se este item no Plano de Metas, cujo lema era 50 anos em 5, através de incentivo ao desenvolvimento de 30 setores de atividades, apoio ao Nordeste e construção de Brasília.
No período de 1950/1960, o Grande ABC transformou-se no Eldorado brasileiro, produzindo o atestado mais visível do moderno — o automóvel. Também as fornecedoras de peças e outros fabricantes de bens de consumo compunham a grande massa industrial. A região, que vivera longo ciclo imigratório europeu, alcançou progressão geométrica com as correntes migratórias. A população de 216.159 pessoas em 1950 saltou para 504.415 em 1960. Um crescimento de 100%, contra média de 40% em todo Estado e de 34% no Brasil. A População Economicamente Ativa, tendo-se por base 100 na década de 40, subiu no Grande ABC para 252 em 1950 e 525 em 1960, contra as marcas de 129 e 172 para São Paulo e 116 e 154 para o Brasil.
Na década de 60 a população da região dobrou mais uma vez e chegou a 988 mil habitantes em 1970, representando 5,56% de todo Estado. A contínua chegada de indústrias foi expulsando os habitantes, de forma a produzir corrente migratória entre os Municípios. Diadema transformou-se em pólo industrial de pequenas e médias empresas.
Apenas Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, de topografia acidentada, foram excluídos desse explosivo inchaço. Em 1976, com o enquadramento dos dois Municípios na Lei de Proteção aos Mananciais, que impõe severas restrições ao uso do solo, estrangula-se qualquer tentativa industrializadora.
No início dos anos 1980 o Grande ABC começou a dar sinais não detectados de arrefecimento industrial. A segunda onda começava a perder força e a refluir. O movimento sindical, liderado por Lula e cuja primeira greve ocorreu no final dos anos 70 na Scania de São Bernardo, foi um dos ingredientes do coquetel de esvaziamento industrial que somente nos últimos anos passou a ser admitido por administradores públicos, lideranças empresariais e agentes sociais.
O preço do metro quadrado cada vez mais caro; a sobrecarga da infra-estrutura viária; as restrições de uso e ocupação do solo pretensamente para proteger o meio ambiente; as facilidades oferecidas pelo Interior do Estado e também de Minas Gerais para realocação industrial, no que se convencionou chamar de guerra fiscal — tudo contribuiu para as perdas industriais da região.
Veio com o governo Fernando Collor em 1990 o início da abertura comercial do País, que coincidiu com a globalização econômica. A partir de então o Grande ABC passou a viver dupla tormenta, de perdas de empresas que debandaram em busca de maior competitividade, fugindo do Custo ABC, e da reestruturação das montadoras de veículos, agora premidas pelo fim da reserva de mercado do setor, mesmo que ainda usufruam de algumas benesses tributárias do governo federal.
Num regime de competição que atingiu fortemente as pequenas empresas industriais, especialmente as autopeças, a terceirização e o enxugamento dos quadros através de demissões acabaram por fomentar uma quarta onda no Grande ABC, ainda cumulativamente com a terceira, da explosão comercial a partir da chegada do Shopping Mappin — o setor de serviços.
São atividades de suporte tanto para a indústria quanto para o comércio e se multiplicam em empreendimentos de consultoria administrativa, de marketing, de tributos, de engenharia, de informática e de tantos outros. Um mercado ainda potencialmente pouco explorado que está se desenvolvendo simultaneamente ao da quinta onda — a do entretenimento, cuja retumbância é estrondosamente significativa a partir do anúncio de grandes investimentos em parques temáticos, em centros de exposições e convenções, em espaços valiosos para a expansão cultural.
Porque é preciso se divertir
Por mais que analistas de comportamento se esforcem, não conseguem chegar à conclusão ou a parâmetro sobre o morador do Grande ABC. O abeceano, digamos assim, tem perfil bem diferenciado do restante dos brasileiros: não é cosmopolita como os que vivem nos grandes centros (São Paulo e Rio, por exemplo); não é interiorano, portanto não sabe o que é conciliar vida urbana com vida rural; não é suburbano da Capital, apesar de fazer parte da Grande São Paulo; não tem o laisser vivre de quem mora à beira da praia e que acorda de manhã sentindo o perfume da maresia; também desconhece o que é o dolce far niente daqueles que respiram o ar puro e convivem com o sossego das estâncias climáticas. Por força da tradição de região industrial o abeceano é, antes de tudo, um representante das classes trabalhadoras. Mas, como ninguém é de ferro, quem trabalha (e trabalha duro) também encontra tempo para se divertir, dançar, jogar conversa fora entre amigos, paquerar.
Como se diverte o morador do Grande ABC? Antes de tentar uma resposta, há que se reportar à década de 60 para se ter um marco divisório, um referencial, até se chegar aos dias atuais. Mal comparando, no final dos anos 50 e início dos anos 60 as grandes noitadas resumiam-se aos concorridos bailes realizados no Palácio de Mármore e em escapadas, madrugada adentro, rumo às boates e restaurantes instalados em Eldorado, que já foi considerado a Suíça brasileira, com mansões de milionários paulistas que ali ferviam em festinhas de finais de semana. Daquela época, nada restou: o Palácio de Mármore continua no Moinho São Jorge, mas sem o brilho das antigas recepções, e o Bairro Eldorado, hoje quase que totalmente desmatado, virou grande favela, com reduzido número de belas casas de temporada ou moradia.
A região só começou a ter vida noturna de 20 anos para cá, quando começaram a funcionar a todo vapor as então chamadas discotecas Tutti Frutti e Emerald Hill, em São Bernardo. Logo depois, vieram Hipnoses e Duboiê Bar, em São Caetano. Em Santo André, o pleno exercício da boemia surgiu no início dos anos 80, com casa voltada especificamente para o público adulto, romântico e saudosista: o Pedacinho do Céu, em cujo palco, nos finais de semana, apresentavam-se chorões famosos como Carlos Poyares, Joca do Violão de Sete Cordas, Canhotinho e outros mais.
Aos poucos, o Bairro Jardim, em Santo André, foi ganhando novos espaços: pizzarias, restaurantes de boa qualidade e pequenas casas noturnas. Uma marcou época e já se tornou motivo de saudade quando os papos giram em torno de jazzmania — o Jazz & Blues. Com o boom da música sertaneja, por volta de 1989/90, os palcos da região começaram a exibir duplas que seguiam a trilha de Chitãozinho e Xororó, os primeiros a entrar nos salões de sofisticadas mansões.
Com isso, novas alternativas surgiram: os restaurantes da Rota do Frango com Polenta, mais precisamente Florestal e São Judas Tadeu, deram partida aos shows com direito a jantar e pista de danças, que atraía e atrai milhares de pessoas a São Bernardo, não só da região, como também da Capital e Baixada Santista. Foi crescendo a necessidade de as casas noturnas, e também restaurantes e pizzarias, brindarem clientes com música ao vivo, o que propiciou a revelação de muitos talentos. O bar noturno Tequila’s, em São Bernardo, iniciou trajetória de muito sucesso promovendo, durante anos, o concurso Talentos do ABC.
O crescente interesse por música ao vivo fez com que empresários da noite apostassem numa casa de shows, a exemplo do Palace e do Palladium, na Capital. Assim, instalou-se em São Caetano, no prédio onde funcionou durante anos o Cine Lido, a casa de shows Plaza, que trouxe grandes nomes da música popular brasileira, mas que teve vida curta. Hoje, depois de estágio como bingo eletrônico, dá lugar a uma das melhores casas da cidade, a Country & Beer.
Uma grande camada da população da região começou a ter acesso a viagens ao exterior — Miami, Cancún e Aruba, principalmente. Tomando conhecimento do que havia lá fora, o público tornou-se mais exigente. Com isso, donos de casas noturnas e restaurantes sentiram necessidade de oferecer mais e mais à clientela. Foi quando surgiram, com algumas diferenças de tempo, casas como Draft, Twist’s, Ocean Drive, La Birichina, Sollen e outras, cuja atração era o próprio cliente, que mostrava talentos e dós de peito na parafernália eletrônica dos karaokês.
Esses espaços, além de atrações musicais, ofereciam áreas decoradas por profissionais nos moldes das melhores casas noturnas da Capital. A pioneira em contratar serviço especializado em decoração de interiores foi a danceteria Sunshine, há 15 anos. De olho nessa nova tendência, a danceteria Ilha de Capri ampliou espaços, dotou-os com decoração tropical e abriu mais uma opção ao público: o Palco da Represa, para shows. Seguindo a mesma linha, a Emerald Hill, com lugar cativo na noite bernardense há 18 anos, toca as obras de uma casa de eventos e shows para quatro mil pessoas.
No capítulo restaurantes, os hits da década de 60 eram Canário de Prata, Napolitano, Rosa’s, em Santo André; Tarantella, em São Caetano; o restaurante do Hotel Binder e Leão de Ouro, em São Bernardo. Naquela época, a festejada Rota do Frango com Polenta era bem modesta: abrigava alguns restaurantes de pequeno porte, conduzidos por famílias de imigrantes italianos, e serviam apenas frango frito com polenta e salada de rúcula, regados com o rascante vinho tinto de fabricação caseira. Anos depois, esses pequenos restaurantes deram lugar aos maiores do Brasil, casos do São Francisco, Florestal e São Judas Tadeu.
Para os que preferiam lugares menores, mais intimistas, surgiram outras alternativas, também dirigidas pessoalmente por famílias: La Birichina, Piazza Dei Fiori e Karina, todos em São Bernardo. Em Santo André, antes e ainda agora, a clientela dividia-se entre Baby Beef Rondayat (hoje Jardim) e Tendall Grill.
Hoje as noitadas acontecem nas muitas choperias, voltadas para público menos exigente e mais descontraído, que procura certo clima de praia na espuma cremosa do chope geladíssimo para curtir a noite. E, nesse ponto, as opções são inúmeras: em São Caetano há a Yatching Beer, Country & Beer, Número 1 e Intercontinental; em Santo André, Internacional, Baddoo, Pedacinho do Céu II, Antares e a campeoníssima Chaplin; em São Bernardo, Mr. Einstein, Liverpool, Babbo Rey, Skina, Santa Filomena, Napoleão e, para os que gostam de sossego e boa comida, o Ora Pro Nobis.
Mas se o chope desce quadrado e existe o medo de ressaca, os boêmios terminam a noite no Fran’s Café, no Zelão ou em um desses minimarkets de conveniência, abertos 24 horas. Os que preferem namorar ou se esconder de olhares indiscretos, procuram os bares flutuantes e os instalados à beira da Represa Billings. Se a boemia não é regada a chope, os notívagos partem para um lance diferente: a Cachaçaria Água Doce, especializada em branquinhas de todas as partes do Brasil.
Mas, afinal, qual é o perfil do público que curte a noite do Grande ABC? A garotada com menos de 18 anos fica por aqui mesmo, já que está impedida de dirigir e, portanto, expandir horizontes. Além do que, existe horário para chegar em casa. Essa meninada bate cartão nos territórios fervidos de danceterias, praças de alimentação de shoppings e pistas de boliche. O jovem que não tem carro nem muita verba para torrar em gandaia também é habituée das diversas danceterias e dos muitos bares com pagodes da região.
Universitários, jovens executivos, intelectuais, tigrões disponíveis e outros nem tanto circulam no Porto Entreposto Cultural, para saborear excelente comida mediterrânea e aplaudir bons nomes da MPB (um oásis para quem não gosta de derreter-se no calor do pagode). Casais mais sossegados preferem pizzarias e restaurantes, onde vão com filhos e amigos.
Os felizardos donos de polpudas contas bancárias raramente divertem-se na região. Nos finais de semana, tomam o rumo da praia ou campo. Caso fiquem no recesso do lar, reúnem amigos para filme ou jogo de tranca. Antes, esse mesmo tipo de público tinha lugar cativo no Régine’s, Gallery e 150 Night Club, na Capital. Hoje, se for o caso de sair para comemorar ou namorar, preferem o Leopoldo. Os mais jovens dão seu rolê nos recém-inaugurados bares e choperias da Faria Lima e do Itaim, reduto dos mais descolados.
Por que esse público, que está entre os 25 e 40 anos, não frequenta as casas do Grande ABC? A resposta não é tão difícil: esse tipo de boêmio moderno e abonado corre para São Paulo atrás não de choperias, mas de cervejarias que fabricam sua própria bebida, como é o caso do Dado Beer, ou então em busca de música de qualidade indiscutível, evidenciando rejeição ao pagode. Também toma o rumo de diversões alternativas, como bares com arqueria (o certo é archeria, em italiano) ou com especialidades como batidas exóticas, ou mesmo forró, mas frequentado por gente bonita e elegante, caso do Sala de Rebôco, na KVA.
Fica a interrogação: se o Grande ABC tivesse uma ou algumas dessas opções, conseguiria cativar esse público? Como a dúvida persiste, os donos de casas noturnas da região não apostam no glamour direcionado a um público reduzido: preferem investir na clientela fiel e assídua, que está feliz da vida com as atrações oferecidas.
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