Mesmo sendo antiga cobrança deste jornalista, e mesmo que o atraso tenha comprometido boa parte do poder bélico-fiscal, é uma boa notícia o que temos nos jornais locais sobre a decisão do Clube dos Prefeitos de padronizar as alíquotas do ISS (Imposto Sobre Serviços) nos sete municípios que compõem a Província dos Sete Anões, outrora Grande ABC.
A guerra fiscal interna deflagrada em meados da última década do século passado por um prefeito Luiz Tortorello, de São Caetano, pragmático demais e descrente da regionalidade possivelmente na medida certa, é apenas uma parte do enredo de complicações locais. A vizinhança do outro lado da Região Metropolitana de São Paulo, Barueri e Itapecerica da Serra entre tantos endereços, tomou conta do pedaço.
Diria sem medo de errar que a uniformização do ISS anunciada pelo prefeito dos prefeitos Orlando Morando é digna do que chamo de PIL (Produto Intelectual Líquido) desta Província. Resta saber – e nesse ponto tenho sérias dúvidas – se a medida destruiria o desequilíbrio fiscal regional e, sobretudo, as sucessivas goleadas que a região sofre dos municípios à Leste e à Oeste da Grande São Paulo.
Meus instintos de desconfiança jornalística que jamais deixarão de se manifestar (até mesmo para compensar a credulidade que insisto em exercitar como pessoa física sujeita a ser ludibriada) diz que é melhor esperar para ver. Não seria capaz de apostar, mas acho que os prefeitos e os secretários de finanças vão dar uma ajeitada na bola para incrementar receitas com a uniformização, elevando as alíquotas.
Bagunça generalizada
A barafunda fiscal na região é algo que nem o mais criativo dos tributaristas seria capaz de entender. As alíquotas de quase 100 atividades econômicas do Imposto Sobre Serviços são profusão de números incompatíveis com pressupostos de regionalidade. Transformar tudo isso numa massa uniforme de acordo com cada veio econômico é um grande desafio. Não se pode desconsiderar que há uma machadinha de corte fulminante a limitar as ações de supostos rebaixamentos das alíquotas.
Trata-se da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe determinadas alquimias. Acreditar que basta cortar e aumentar linearmente o custo tributário municipal tem o mesmo sentido de cruzar na área para o centroavante marcar quantos gols quiser.
Como reduzir alíquotas representaria um risco pela potencialidade de infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal, é mais cômodo e sensato, embora sofrível em termos de competitividade metropolitana, buscar a uniformização por cima, ou seja, aumentando o poder de arrecadação ao invés de alinhar a medida à vizinha metropolitana bem mais preparada.
Desenvolvimento estimulado
A notícia que coloca o Clube dos Prefeitos no combate direto à guerra fiscal é boa demais para ser verdade sob o ponto de vista de rebaixamento do custo de empreender na região. As alíquotas de ISS são um componente estimulador de investimentos. Quanto mais baixas, melhor. Quem enxergou isso primeiro em meados da última década do século passado se deu muito bem. São Caetano, na região, é caso praticamente único. Pelo menos na abrangência de várias atividades. Mas obteve resultados distantes de outros municípios da Região Metropolitana de São Paulo.
Da teoria aos fatos: o Clube dos Prefeitos não apresentou ontem qualquer tipo de informação sobre o comportamento do ISS na região. Simplesmente se expôs um ideia requentada mas nem por isso menos importante. Mas, como cuidamos do assunto há milênios nesta revista digital, vamos adiante.
Para os leitores terem ideia do quanto nos preocupamos com a competitividade fiscal (além de tantas outras competitividades que nos atravancam) basta dizer que consta de nosso acervo nada menos que 358 textos que tratam direta ou indiretamente da chamada guerra fiscal e outros 128 do Imposto Sobre Serviços.
Comparações danosas
Pois vamos aos números mais recentes, incorporados às planilhas do PIB (Produto Interno Bruto) dos Municípios Brasileiros, divulgadas em dezembro do ano passado e que correspondem ao ano de 2014. A média por habitante do PIB de Serviços dos municípios é de R$ 21.167 mil na Província dos Sete Anões, enquanto no G-3M, formado por Osasco, Guarulhos e Barueri, o montante é praticamente o dobro, R$ 42.163 mil.
Mais números ainda que mostram o quanto perdemos: os sete municípios da região registram o total de R$ 58.278.091 bilhões no PIB de Serviços, enquanto Osasco, Guarulhos e Barueri arrebentaram a boca do balão com R$ 96.388.551 bilhões.
O PIB de Serviços da Província representa menos da metade do PIB Geral, enquanto o PIB de Serviços daquele trio de municípios do outro lado da Metrópole beira 70%. Somos mais industrializados mas menos competitivos que o G-3M.
Um exemplo envolvendo dois municípios praticamente com o mesmo número de habitantes serve de referencial esclarecedor do quanto a Província se descuidou não só da questão fiscal propriamente dita, mas também na atração de investimentos de serviços: Santo André e Osasco são irmãos quase gêmeos em população (715.112 contra 696.382), mas quando se trata do montante do PIB de Serviços a distância é elevadíssima: R$ 16.242702 bilhões de Santo André contra R$ 40.877.193 bilhões de Osasco.
Diferença no PIB Geral
O leitor poderá argumentar que no critério de PIB Industrial Santo André supera com facilidade a Osasco, sempre se referindo aos dados de 2014, os mais atualizados. É verdade que a distância é relativamente grande (R$ 3.249.440 bilhões para Osasco e R$ 5.377.274 bilhões para Santo André). Mas é aí que a roda pega -- porque os serviços de Osasco geram mais valor agregado que os serviços de Santo André. Tanto que o PIB Geral de Osasco em 2014 chegou a R$ 58.566.199 bilhões contra R$ 28.119.591 de Santo André.
Poço pinçar um novo exemplo para ratificar a perda de competitividade da Província na disputa por investimentos na área de serviços para Barueri, Osasco e Guarulhos. Faço um confronto entre Barueri e São Caetano. Com 264.935 habitantes, Barueri contou em 2014 com R$ 28.292.931 bilhões de PIB de Serviços. São Caetano de 159 mil habitantes registrou R$ 7.257,162 bilhões. A média por habitante de Barueri é de R$ 106.791 mil, enquanto de São Caetano é de R$ 67.457 mil. Nada menos que 37% de diferença. Se compararmos Barueri com qualquer outro Município da Província o resultado seria vexatório.
A propósito do armazenamento de conhecimentos de CapitalSocial, não resisto a reproduzir alguns parágrafos de um texto que editei em cinco de dezembro de 1996 (portanto há mais de 20 anos) sobre guerra fiscal e seus efeitos deletérios na Região Metropolitana de São Paulo.
Leiam e entendam as razões que tornam esta publicação -- associada à extinta LivreMercado -- consulta obrigatória dos leitores em geral e das autoridades públicas em particular. Ah, sim, o texto de 1996 foi publicado originalmente na revista LivreMercado, sob o título “Guerra fiscal pode complicar ainda mais a metropolização”.
Quando afirmo, como afirmei ontem, que esta publicação se manterá viva mesmo com a morte morrida ou morte matada de seu titular, para que novas gerações saibam por que o Grande ABC virou Província dos Sete Anões, não se trata de esnobismo ou algo parecido. Esperamos que o passado sirva de lição ao futuro que virá de qualquer forma. Alguns trechos do artigo de quase 21 anos atrás:
O que será do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, integrado pelas sete Prefeituras da região? A expectativa de que o desempenho desse que é o maior poder legal constituído no Grande ABC permitirá amarrar estratégias e ações integradas, somando forças com o Fórum da Cidadania e com setores do governo do Estado decididos a compartilhar intervenções locais, pode frustrar-se com os prefeitos eleitos. Antes mesmo de assumirem, dois dos sete novos prefeitos, Luiz Tortorello (PTB) de São Caetano e Gilson Menezes (PSB) de Diadema, já anunciaram disposição de promover guerra fiscal interna na região, rebaixando unilateralmente alíquotas do ISS, Imposto Sobre Serviços. O pressuposto do Consórcio, da velha máxima dos Três Mosqueteiros, de um-por-todos-e-todos-por-um, parece deslocar-se mesmo para a antiga e anônima máxima popular do cada-um-para-si-e-Deus-para-todos.
Mais guerra fiscal
Num debate promovido pela Associação Comercial e Industrial de São Caetano (Aciscs), o prefeito eleito Luiz Tortorello anunciou disposição de zerar a alíquota do ISS às empresas prestadoras de serviços e de leasing, atualmente já abaixo dos demais municípios da região, pois situa-se entre 0,5% e 2%. A iniciativa do atual prefeito, Antonio Dall’Anese, em 1993, favoreceu a instalação de empresas de informática, que tiveram alíquota reduzida de 5% para 0,5%. Uma diferença e tanto, que deslocou para São Caetano mais de 400 empresas, segundo as últimas estatísticas da Prefeitura. Nesse contingente somam-se também empresas administradoras de bens e consórcios, além de imobiliárias, que passaram a pagar apenas 2%.
Mais guerra fiscal
A lógica tributária de Tortorello, para justificar a proposta de zerar o ISS, está na concorrência de municípios da Grande São Paulo e do Interior que há muito aplicam a política de menor imposto. Também aposta que a perda de arrecadação do ISS será fartamente compensada com a receita do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadores e Serviços), de cunho estadual mas redistribuído em parte aos Municípios, e também com o aquecimento do mercado imobiliário.
Mais guerra fiscal
Uma semana depois do anúncio de Tortorello, e durante debate pré-eleitoral com o concorrente Tito Costa no Instituto Metodista de Ensino Superior, em São Bernardo, o então candidato e agora prefeito eleito Maurício Soares criticou a posição do petebista. Referiu-se a São Caetano como Primeiro Mundo, dadas as condições socioeconômicas mais vantajosas em relação ao restante do Grande ABC, e clamou ao Fórum da Cidadania por intervenção contrária à guerra fiscal interna. “Precisamos cobrar coerência dos administradores públicos e fortalecer a regionalização” — disse Maurício Soares.
Mais guerra fiscal
O que poderia parecer postura isolada de Luiz Tortorello, e portanto menos desgastante, foi por água abaixo quando Gilson Menezes anunciou que enviará à Câmara de Diadema, assim que assumir o Paço Municipal, projeto de lei para implementar redução do ISS de 5% para 2,5%. A explicação de Gilson atende à realidade empresarial nestes tempos de estabilidade monetária e de abertura comercial, ingredientes macroeconômicos que ajudaram a alterar a face do Brasil. Ele disse que o ISS é muito elevado, que é preciso estimular a permanência das empresas no Município e que a grande inadimplência dos micros e pequenos empreendedores nos cofres públicos poderia minimizar-se com carga tributária menor.
Mais guerra fiscal
A guerra fiscal interna, como pretendia Maurício Soares, chegou ao Fórum da Cidadania. O coordenador-geral, empresário Fausto Cestari, defende pacto regional do qual resulte harmoniosa redução da carga tributária. Um dos principais articulistas do projeto de metropolização do Grande ABC, Cestari está muito preocupado com novos surtos de divisionismo entre os administradores públicos. Afinal, a rigor, o Consórcio Intermunicipal só funcionou relativamente bem, mesmo assim com pauta restrita, nos primeiros anos de sua criação, durante as gestões de Celso Daniel, Luiz Tortorello, Maurício Soares, José Augusto Ramos, Amaury Fioravante, Luiz Carlos Grecco e Cido Franco. Durante os quatro anos dos atuais prefeitos, praticamente viveu em estado de coma, sobrando apenas o esforço individual de Valdírio Prisco, prefeito de Ribeirão Pires.
Mais guerra fiscal
A gravidade do quadro amplifica-se diante da constatação de que há um conjunto de problemas regionais que exigem atuação integracionista, casos do lixo, do transporte, do sistema de saúde público, do desemprego, do meio ambiente, do desenvolvimento econômico, entre outros, antes vistos de forma fracionada. Vítima dos efeitos contaminadores da metropolização das mazelas socioeconômicas, o Grande ABC incorreria em sério percalço se não partisse em ordem unida na direção da metropolização das ações.
Mais guerra fiscal
Por enquanto, em realidade, apenas os três prefeitos petistas eleitos na região, Celso Daniel (Santo André), Oswaldo Dias (Mauá) e Maria Inês Soares (Ribeirão Pires), garantem homogeneidade de tratamento às questões fiscais. Eles defendem o pacto mencionado por Fausto Cestari, de igualdade de alíquotas do ISS nos sete Municípios, mas não acertaram ainda a agenda quanto a eventual redução do peso tributário. Vão propor, assim que assumirem as Prefeituras e na primeira reunião do Consórcio Intermunicipal, o que se insinua como uma tentativa inútil: a padronização do ISS em várias atividades.
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