Regionalidade

Plano Estratégico Regional:
resultados 20 anos depois (3)

DANIEL LIMA - 01/09/2017

Este é o terceiro capítulo de uma série de 11 que tratará do Planejamento Estratégico Regional preparado pela Câmara Regional do Grande ABC há exatamente 20 anos. A Câmara Regional era uma instituição liderada pelo então prefeito Celso Daniel, de Santo André, também prefeito dos prefeitos do Clube dos Prefeitos. O governo do Estado, então sob o controle do tucano Mario Covas, emitia sinais de que participaria ativamente do arranjo. 

A região vivia inédita comunhão de interesses convergentes no sentido de que finalmente se dera conta de que a soma do conjunto dos municípios poderia ser muito maior que a individualidade das partes.  

Decidimos dividir previamente as 31 macropropostas daquela ação inédita em 10 capítulos, os quais se juntam ao capítulo inicial, expositivo, desse que foi o primeiro arranjo regional diretamente comprometido com pressupostos de ação coletiva que quebrava as barreiras cartográficas e culturais de uma região que, ao longo das duas últimas décadas, como provará este documento, só conheceu retrocessos. 

Os quatro temas abordados nesta edição são emblemáticos do quanto a regionalidade da Província dos Sete Anões, outrora Grande ABC, foi abatida pela inoperância institucional. Nem poderia ser diferente -- principalmente após Celso Daniel ser assassinado em janeiro de 2002. 

Quarta proposta

O quarto ponto não tem empecilhos a não ser burocráticos, porque pretende simplificar a constituição de pequenas empresas sem que seus empreendedores percam meses na fila de espera. Nesse ponto, as prefeituras deverão ser as mais solicitadas a dar fluidez à necessária burocracia, que se tem transformado em burocratismo explícito e altamente estimulante à informalidade dos negócios.

Resultados

Os resultados não poderiam ser diferentes de uma melhora acentuada, porque o País inteiro se deu conta de que não é possível a burocracia solapar o empreendedorismo. Entretanto, estudos internacionais colocam o Brasil ainda muito longe dos padrões adequados de agilidade. Não há dados específicos da região, embora não faltem anúncios oficiais de prefeituras cujos responsáveis garantem que a trajetória tortuosa do passado já não é mais tão tortuosa assim. 

Quinta proposta 

Já o quinto ponto, igualmente de forte teor sindical, deverá ser polêmico, porque pretende envolver os atores da Câmara do Grande ABC em ampla negociação da jornada de trabalho e escalonamento de horário de trabalho. Primeiro, porque jornada de trabalho não é algo que se decide regionalmente quando a economia está globalizada e tampouco deve ser considerada algo sério se estiver presa exclusivamente à suicida redução da carga horária sem a correspondente redução de salários. Numa economia sem fronteiras isso significa custos e perda de competitividade. Segundo, porque escalonamento regional é utopia, levando-se em conta as trocas comerciais interregiões de uma economia que não é autárquica. Como pode uma montadora de veículos que trabalha em regime just-in-time ser abastecida por fornecedores de outras regiões se os horários não combinarem? Talvez essa proposta tenha de ser corretivamente eliminada. Talvez seja um embarque desnecessário.

Resultados

Conforme previ há 20 anos ao ler essa proposta, tudo não passou de um ensaio de despreparo. Se a própria Câmara Regional desapareceu do mapa de regionalidade logo após os primeiros passos desses projetos, o que esperar de uma proposta tão distante do padrão de produção sistêmico, ou seja, que depende da integração das cadeias produtivas? Talvez quem tenha dado asas a essa bizarra proposta jamais tenha dado um passo em direção ao conhecimento econômico, tratando-o como algo a ser domesticado ao primeiro sinal de uma estratégia centralizadora. Não se teve notícia de qualquer esboço sobre essa tentativa de congelar o livre-empreendedorismo em favor de uma ação que pretendia transformar o território regional em experiência de modelo autárquico de geração de riqueza. 

Sexta proposta

O sexto ponto é providencial e ambicioso: prevê plano regional de qualificação profissional integrando ações do Poder Público com escolas técnicas, universidades, empresas e sindicatos, organizadas no âmbito do Sistema Público de Emprego, abrangendo cursos modulares e de certificação. Os recursos viriam de agências nacionais e internacionais. A grande notícia dessa proposta é que parece que finalmente a região se deu conta de que não detém mais o monopólio de qualidade profissional, algo insensato quando se sabe que até recentemente as montadoras eram depósitos de apertadores de parafuso. E que também, com a globalização, escancarou-se a deficiência congênita do sistema de ensino que contamina as mais diversas categorias de trabalhadores. 

Resultados

Foram tão escassas quanto tópicas medidas e ações voltadas ao enquadramento da mão de obra da região por diversas fontes econômicas. No fundo, tudo se perdeu numa montanha de improdutividades. Nada que seja diferente da maioria dos municípios brasileiros que passaram por industrialização. Principalmente as grandes e médias empresas atuam nesse front porque sabem o preço de não dispor de trabalhadores aptos a se juntarem aos investimentos tecnológicos.  Quando uma montadora como a Mercedes-Benz decide construir uma fábrica de automóveis em Iracemápolis, Interior de São Paulo, utilizando-se de modernos equipamentos de produção, parece não haver mais dúvida de que o mapa de investimentos do setor automotivo, como de tantos outros, não obedece mais a força da tradição das primeiras instalações. A região não se deu conta de que houve mudanças de paradigmas que tornaram os recursos humanos mais suscetíveis à educação produtiva. Iracemápolis é uma pequena cidade que deveria servir de símbolo dos novos conceitos de competitividade industrial. 

Sétima proposta 

O sétimo ponto também não é inverossímil: estabelece movimento regional visando à erradicação do analfabetismo até o ano 2.000. O Mova, Movimento de Alfabetização de Adultos, em Diadema, mostrou o caminho para zerar essa chaga intelectual. A Prefeitura de Santo André promete repetir a dose.

Resultados 

É claro que o analfabetismo não foi eliminado do território regional. Aliás, está longe disso. A proposta que completa 20 anos veio a reboque do entusiasmo específico de uma região que vivia em 1997 um ambiente aparentemente revolucionários nas relações inter-territorial. Pouco se divulga sobre o Mova na região. Recentemente, São Bernardo publicou um edital que revogou a licitação para financiar o chamado Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos. Os R$ 400 mil seriam destinados aos alunos de 30 salas que buscam alternativa para sair do analfabetismo e da exclusão social. Responsável pelo Mova de São Bernardo, Nelsi Morcegão Rodrigues, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, afirmou que os educadores e as entidades envolvidas queriam uma explicação para a medida do prefeito Orlando Morando. A informação de que dispunha era de que o programa precisava de uma “reavaliação técnica”. Nelsi Morcegão Rodrigues lamentou a iniciativa da Prefeitura ao afirmar que o impacto social seria grande em São Bernardo, “pois o programa tem uma característica inclusiva de levar a educação para dentro dos bairros”. Para Vacilania Lopes de Oliveira, com 14 anos de atuação no Mova, a luta pela alfabetização é constante. “O convênio com a Prefeitura era muito importante e essa será uma perda muito grande, mas vamos lutar para que seja restabelecido”. O Mova conta com voluntariado de educadores e tem viés esquerdista, do método Paulo Freire. Seria essa uma das razões de Orlando Morando decidir pelo corte dos recursos financeiros. Um convênio que se iniciou em 2010, durante o governo do petista Luiz Marinho. Teriam sido formados 5.518 alunos no período. A história do programa começou em 1995 por iniciativa do Sindicato  dos Metalúrgicos e a Prefeitura de Diadema, então petista, para alfabetizar trabalhadores no chão de fábrica. 

Oitava proposta

O oitavo ponto também prevê praticabilidade com a implementação de observatório de situações de emprego da Secretaria Estadual, a fim de elaborar estudos e pesquisas sobre empregabilidade, levando em conta sempre os interesses do público-alvo. O texto do documento parece hermético, mas pode ser traduzido da seguinte forma: será rastreado que tipo de emprego a região comporta para evitar os dramas de hoje de alto desemprego e de qualificações inadequadas às exigências de um mercado cada vez mais cruel.

Resultados

Essa iniciativa também está restrita aos universos específicos de quem não quer perder tempo em busca de trabalhadores qualificados. Não existe nada seguramente inovador como atrativo a investimentos, exceto nas escolas profissionais tradicionais, e mesmo assim com distanciamento da realidade das fábricas em larga margem de atividades. O resumo geral da ópera é que faltam trabalhadores qualificados para atender a demanda de empresas mais avançadas em tecnologia, ou que investem em determinadas maquinarias contando com resposta de demanda de mão de obra. Promessas de construção de espécies de universidades do trabalhador não passaram de entusiasmo de ocasião. Quando presidente da extinta Cofap, o empresário Abraham Kasinski sonhou com uma escola de formação de mão de obra de elevado nível técnico, direcionada a vocações consolidadas na região. Kasinski não passou de visionário que se frustrou com o vácuo de lideranças regionais. A Universidade Federal do Grande ABC (UFABC) conta com não mais que 30% de alunos residentes na região e com um currículo sem vínculo com atividades econômicas locais. Tudo está direcionado ao mundo acadêmico. Fabricam-se manequins que atuariam em passarelas internacionais, não centroavantes para reforçar metas econômicas da região. 

A propósito da citação do sonho de Abraham Kasinski, sugerimos a leitura da Entrevista Especial no link abaixo. Um trabalho jornalístico brilhante de Maria Luiza Marcoccia, que já completou 20 anos de edição. Maria Luiza integrava o elenco de talentos com os quais compartilhei quase duas décadas de sucesso inigualável da linha editorial da revista LivreMercado: 

Quero apenas que me usem e que me façam perguntas



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