Não, o leitor não está enganado. O título deste artigo está rigorosamente correto. O que estamos expondo são situações contraditórias que envolvem o mesmo agente público. Não se trata de denúncia, de critica exacerbada, de nada que possa ser catalogado como oposicionismo. Trata-se apenas de tema de interesse público. O trecho sul do Rodoanel é um algoz para a economia da região. E o prefeito Orlando Morando, que, como deputado estadual, se empenhou tanto para que a obra chegasse à Província dos Sete Anões, outrora Grande ABC, sabe disso. Tanto sabe que, numa Entrevista Especial a este jornalista, em setembro de 2009 (portanto há oito anos) respondeu com lucidez sobre as tarefas que se impunham quando o traçado chegasse à região, como chegou no ano seguinte. Hoje, prefeito de São Bernardo e do Clube dos Prefeitos, Orlando Morando praticamente despreza o que recomendara à época.
Para encurtar a história, vamos reproduzir, na sequência, tanto as perguntas que fiz e as respostas do então deputado estadual. Para completar o serviço de utilidade público a que se presta esta revista digital, faço breves comentários a cada pergunta respondida sobre o que se passou nesse período de oito anos. A conclusão óbvia é o que o prefeito Orlando Morando precisa ler o que declarou o deputado estadual Orlando Morando. E colocar o bloco de ações em campo.
Pergunta de CapitalSocial
O senhor é um entusiasta do trecho sul do Rodoanel. Mais que entusiasta, é o político que, na prática, mais se preocupa com a evolução e o destino do traçado. O senhor não teme que vantagens logísticas sejam apenas uma parte do enredo, voltadas para aspectos de mobilidade urbana, e que supostas vantagens de desenvolvimento econômico acabem por sacramentar o que levantamos há alguns anos e que especialistas confirmaram como correto, ou seja, que o trecho sul seja via de mão dupla e que tanto pode trazer como pode levar riquezas daqui?
Resposta de Orlando Morando
Não pode se descaracterizar que a chegada do trecho sul do Rodoanel ao Grande ABC é de vital importância para o desenvolvimento econômico. Também não quero acobertar os riscos. Agora, a responsabilidade dos riscos não recai sobre o benefício da obra e sim sobre a falta de agilidade ou a inoperância das administrações municipais que seguramente terão que ousar para que o Rodoanel não se torne uma via de duas mãos quanto levar as riquezas do Grande ABC. Resumindo, o Rodoanel é sim o grande passaporte do desenvolvimento econômico das últimas décadas do Grande ABC, porém se não tivermos administrações ousadas, com coragem de discutir carga tributária, adequação logística interna dos municípios, plantas de produção à altura do ABC, seguramente poderemos perder para outras cidades, inclusive do Interior que, também com o Rodoanel, passarão a estar perto do Grande ABC. Acima de tudo destaco o Rodoanel como obra fundamental e de vital importância para o crescimento econômico.
Meus comentários
Possivelmente o prefeito Orlando Morando não se recorde das declarações do deputado Orlando Morando. Essa seria a melhor explicação ao fato de, oito meses após assumir a Prefeitura de São Bernardo, não se ter mobilizado em busca de alternativas que tanto apregoou na entrevista de oito anos atrás. O então deputado exagerou ao afirmar que o Rodoanel seria o grande passaporte do desenvolvimento econômico da região. A configuração do traçado selado, como sempre enfatizou, inviabiliza a obra como parceira de enriquecimento regional. Sobretudo quando se sabe que a concorrência mais próxima, na Grande São Paulo, dispõe de traçados sistêmicos do conjunto do Rodoanel Mário Covas como aliados de verdade.
Pergunta de CapitalSocial
Como o senhor analisa o fato de o Grande ABC não se ter preparado economicamente para receber o Rodoanel? Explicamos: uma obra dessa envergadura, com tamanho potencial de atratividade (e também de dispersão) de investimentos, não mereceria ter sido contemplada com grupo de estudos que atendesse às projeções de ganhos regionais?
Resposta de Orlando Morando
A obra do Rodoanel surgiu com a velocidade que não era esperada pelo Grande ABC, que tinha pré-projeto mas em verdade não tinha a certeza de que viria. A chegada do governador José Serra que priorizou o Grande ABC, especialmente essa obra que envolve um custo de quase R$ 5 bilhões, é possível que tenha surpreendido algumas administrações da região. Insisto que ainda há tempo para discutir e se adequar a essa importante obra. Agora não se pode perder tempo como se vem perdendo especialmente no Grande ABC e, por que não dizer, na própria São Bernardo, primeira cidade para quem vem de São Paulo pelo Rodoanel. Não existe plano discutido no Município para integração como o Rodoanel.
Meus comentários
O cenário segue o mesmo. São Bernardo e a região como um todo não se preocupam com o trecho sul do Rodoanel. Nada há de estudos a minimizar estragos consumados. São Bernardo do prefeito Orlando Morando deveria ser a mais inquieta com a situação. A evasão de empreendimentos se acentuou desde que o traçado ganhou corpo. Os fatores de baixa competitividade da indústria de São Bernardo, resultado de décadas de um sindicalismo de perfil distinto da maioria das regiões produtivas do País, afugentam investidores.
Pergunta de CapitalSocial
Já mostramos com material exclusivo que o Grande ABC perdeu terreno econômico, em Valor Adicionado, para a chamada Grande Osasco, contabilizando-se números num determinado período pré-durante-pós construção do trecho oeste do Rodoanel. Os dados são preocupantes. O senhor acredita que reverteremos a situação quando da chegada do trecho sul ou há outros fatores que pesam nessa equação?
Resposta de Orlando Morando
Só com a chegada do trecho sul não existe ferramentas para fazer a reversão de perda de Valor Adicionado na nossa região. Temos tendência natural de ampliar o parque logístico; agora não podemos perder nem devemos perder produção de manufaturados que agregam muito mais valores do que o setor logístico. Nossos governantes locais não estão se pautando nisso.
Meus comentários
Embora a resposta pareça confusa, o que o então deputado estadual Orlando Morando pretendeu dizer com a clareza que não se fez necessária é que tinha entendimento de que o trecho sul do Rodoanel não seria por si só a salvação da lavoura de São Bernardo e da região. Essa mesma concepção, de que há um entorno de responsabilidades sobretudo dos administradores públicos locais em permanente cobrança, não consta das preocupações do mesmo Orlando Morando como prefeito de São Bernardo e titular do Clube dos Prefeitos.
Pergunta de CapitalSocial
Fala-se muito em especulação imobiliária nas áreas mais próximas de acesso ao trecho sul do Rodoanel no Grande ABC. Não seria esse um resultado da falta de planejamento estratégico para receber o Rodoanel ou o senhor entende que capitalismo é assim mesmo, que não tem freios?
Resposta de Orlando Morando
Primeiro, não existe especulação imobiliária no entorno do Rodoanel, até porque o traçado passa quase que totalmente na área de proteção aos mananciais, aonde não é permitida a verticalização. A especulação imobiliária existe nas chamadas áreas logísticas e também na planta de novas indústrias. Essa especulação é relativamente natural, é um benefício grande, uma obra que vem por si própria trazer infraestrutura, uma ligação próxima ao porto de Santos e das principais rodovias da Grande São Paulo. Essa questão não é o cerne do problema. O cerne do problema, insisto, é a questão tributária e a falta dos arranjos produtivos.
Meus comentários
O então deputado estadual Orlando Morando produziu resposta inteligente, embora a especulação imobiliária contida na pergunta se referisse exatamente às áreas mencionadas na sequência da resposta do agora prefeito de São Bernardo. Ao afirmar que o cerne do problema seria a questão tributária e a falta dos arranjos produtivos Orlando Morando jogou a bomba dos percalços do trecho sul do Rodoanel nos então prefeitos da região. Mas o bumerangue crítico o colheu frontalmente. Não parece que seja tarde demais para reparar o despreparo de lideranças para tornar o Rodoanel aliado, não adversário da economia da região. Entretanto, o acúmulo de erros e de omissões e o despertar de regiões próximas, sobretudo da Grande Osasco, sacramentaram desvantagens comparativas que abalaram o potencial de reação da Província dos Sete Anões, outro Grande ABC.
Pergunta de CapitalSocial
Há armadilha preparada no trecho sul do Rodoanel, mais propriamente no acesso a Mauá. Esperam-se obras complementares para evitar caos no trânsito. Levando-se em conta que falta tão pouco tempo para a inauguração do trecho sul, não teria passado a hora de equacionar o problema?
Resposta de Orlando Morando
Realmente existe não uma armadilha, mas um gargalo na chegada em Mauá. A Papa João XXIII já está em obra. A Jacú-Pêssego, que vai dar acesso do Grande ABC à Zona Leste, também estará em obra. É natural que teremos essas obras concluídas até a inauguração do trecho sul do Rodoanel. Caso isso não venha a ocorrer teríamos sim um problema. Mas não acredito que virá a ocorrer. Ambas as obras estarão inauguradas junto com o trecho sul do Rodoanel.
Meus comentários
Não houve grandes atropelos logísticos locais com a conclusão das obras.
Pergunta de CapitalSocial
Que vantagem terá o empresário do Grande ABC que estiver longe das três alças de acesso do trecho sul do Rodoanel? É sobre esse tipo de situação que surgem possibilidades de deslocamento de negócios para outros municípios, fora do Grande ABC, porque, em muitos casos, ficará mais fácil acessar o trecho sul. O tráfego interno do Grande ABC é uma bomba-relógio que está sendo subestimada na produtividade esperada com o Rodoanel?
Resposta de Orlando Morando
O Rodoanel é o maior benefício. Agora, os municípios têm de fazer urgentemente as adequações em vias internas com a maior brevidade possível. Em São Bernardo, por exemplo, a atual administração precisa rapidamente acelerar as vias que dão acesso tanto à Imigrantes quanto à Anchieta. Vou dar um outro exemplo. Não ouvi ninguém discutindo até o presente momento uma nova ligação com a Rodovia Imigrantes pela Estrada dos Alvarengas, artéria para desafogar parte da produção das imediações. Outro grande exemplo: a via chamada Samuel Aizemberg é um grande gargalo que dá acesso à Rodovia dos Imigrantes. Uma das obrigações do Município é fazer essas adequações.
Meus comentários
A logística interna de São Bernardo desafia a competitividade potencial do trecho sul do Rodoanel. Como de resto na Província. O descompasso entre a obra financiada pelo governo do Estado e o Federal e a incapacidade de organização individual e coletiva dos administradores públicos da região ridicularizaram a frase do governador Geraldo Alckmin (“Essa é a melhor esquina do Brasil”),quando da inauguração do trecho sul.
Pergunta de CapitalSocial
O senhor acha que o trecho sul do Rodoanel será suficientemente positivo para provocar retomada do setor automotivo, inclusive com o retorno de empresas de autopeças que em massa deixaram o Grande ABC e optaram pelas regiões da Grande Campinas, da Grande Sorocaba e da Grande São José dos Campos?
Resposta de Orlando Morando
O Rodoanel é uma obra de infraestrutura muito importante, porém não podemos confundir o traçado nem com Deus nem com uma vara de condão mágica. A retomada do setor automotivo e do setor de autopeças não depende do Rodoanel e sim de estruturas que não são apenas obras, mas de ousadia dos atuais governantes, especialmente dos prefeitos. E também do Consórcio de Municípios, aonde não tenho visto esse assunto ser debatido com a importância que deveria.
Meus comentários
Nunca é tarde para o prefeito Orlando Morando transformar em ações o que defendia, como deputado estadual, em forma de cobrança dos então prefeitos da Província. Cadê uma força-tarefa exclusiva para retirar o trecho sul do Rodoanel do meio do caminho de empecilhos que atravancam a vida econômica da região?
Pergunta de CapitalSocial
O senhor não teme que haja tanta simplificação de terceiros interessados em vender o trecho sul do Rodoanel como obra-prima de engenharia viária que no fundo, no fundo, se esqueçam de contraditórios que sugerem dificuldades inerentes de um mundo que se globaliza cada vez mais e que por isso mesmo aperta mais e mais o parafuso da competitividade?
Resposta de Orlando Morando
Não, não entendo que exista interesse de vender essa obra e não acho que aí temos o cerne dessa temática.
Meus comentários
A declaração do governador Geraldo Alckmin (“a melhor esquina do Brasil”), com o endosso do então deputado Orlando Morando na inauguração do trecho, revela que o entusiasmo superou o comedimento recomendado pelas contraposições do lado da moeda do traçado em potencial logístico.
Pergunta da CapitalSocial
O trecho sul do Rodoanel não deveria integrar um dos grupos temáticos do Clube dos Prefeitos? Temário específico, exclusivo, dada a dimensão da obra e as consequências sociais e econômicas? Uma obra de exceção não merece tratamento de exceção?
Resposta de Orlando Morando
Sem a menor dúvida. Insisto que o benefício que o Rodoanel traz à região não está sendo valorizado à altura e à envergadura dos novos investimentos que poderíamos e em alguns casos já estamos recebendo com a obra.
Meus comentários
O que o prefeito dos prefeitos do Clube dos Prefeitos está esperando para avançar ao campo prático que pregava como deputado estadual?
Pergunta de CapitalSocial
Há uma disputa político-partidária pelo maior crédito às obras do trecho sul do Rodoanel envolvendo o governo estadual e o governo federal. O senhor conseguiria analisar a questão sem que a resposta o carimbasse como representante do governo estadual no Grande ABC ou acredita que há informações suficientes para explicações que fujam completamente de contaminações partidárias?
Resposta de Orlando Morando
Com certeza, até porque essa obra não tem que ser tratada sob cunho político-partidário. A obra está sendo executada pelo governo do Estado que tem à frente o governador Serra, mas em nenhum momento se negou a participação mesmo que menor do que poderia ser do governo Federal. É uma obra em que Estado e União estão juntos. O governo Federal está entrando com um terço e o governo do Estado com um pouco mais de dois terços do valor acrescido. Em nenhum momento pairaram dúvidas sobre a reprocidade e do interesse tanto do governo Federal como do governo do Estado para que essa obra pudesse ser concluída. O mais importante não é o pai da criança e sim o bom filho que pode nascer.
Meus comentários
O Rodoanel sempre foi tratado pelo governo estadual como uma obra do governo estadual. O governo federal raramente foi citado ou é citado. Faz parte do jogo de interesses políticos e partidários. Quem coloca mais dinheiro e, principalmente, a localização da obra, determinam as ações de marketing.
Pergunta de CapitalSocial
Há outros deputados do Grande ABC que se preocupam tanto com o trecho sul como o senhor?
Resposta de Orlando Morando – Não me sinto à vontade em avaliar. Prefiro que a população do Grande ABC faça essa avaliação.
Meus comentários
O deputado estadual Orlando Morando sempre atuou de forma solitária em defesa do traçado sul do Rodoanel Mário Covas. Para o bem dos dividendos que a obra capitalizou, principalmente junto aos usuários e para o mal de haver sido concebida sem conexão com o desenvolvimento econômico da região. Muito pelo contrário.
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