O Grande ABC não está com a bola toda, como muitos imaginam, ou como considera uma parcela razoável de investidores nas áreas de comércio e de serviços. Se é verdade que nos últimos anos descobriu-se o filão dos grandes shoppings centers e das lojas de departamentos e as principais representações de serviços deslocaram baterias principalmente para o A e o B do ABC, não é menos real que o esvaziamento industrial, ditado pelo crescente êxodo de grandes e médias empresas, acentua-se discreta e perigosamente.
Mais grave que as perdas econômicas estrategicamente enrustidas pelas representações empresariais e contundentemente sentidas pelos trabalhadores, é a política suicida de ignorar ou mascarar os fatos. O Grande ABC está empobrecendo a olho nu. É verdade que a situação macroeconômica do País esparrama diretamente sobre a região uma onda de desalento. Mas é inconcebível que as autoridades dos mais diversos setores e calibres permaneçam praticamente imobilizadas. O ABC perde cada vez mais sua face industrial, situação que poderá empalidecer seus indicadores econômicos e sociais.
Embora faltem estatísticas na região, como de resto ao Brasil, os poucos números coletados e distribuídos por algumas instituições são elucidativos. Reduz-se a força industrial da região e tolos são aqueles que acreditam que os setores comercial e de serviços assumirão automaticamente os espaços que se abrem e, desse modo, evitarão o pior. Sem produção, já está provado no grande palco do capitalismo, os Estados Unidos, não há resistência do comércio e dos serviços.
O que mais assusta é a falta de unidade entre as representações políticas, empresariais e sociais no Grande ABC. Se organizar de forma conjunta os sete Municípios do Grande ABC parece ser tarefa impossível para os políticos, sobretudo quanto às questões da produção industrial, porque há bloqueios naturais do ponto de vista doutrinário a desestimular tal proposta, pelo menos as bases empresariais da região poderiam unir-se para uniformizar gestões junto às prefeituras, de modo a que surgisse algo como um plano industrial.
Se, dada a falta de união empresarial, essa proposta fosse avaliada como absolutamente irrealizável, então que se limite o empresariado a trabalhar em seu Município. Quem sair na frente provavelmente forçará os demais municípios a deixarem o berço esplêndido em que estão enfiados. Afinal, o esvaziamento industrial e econômico do Grande ABC atinge a todos, indistintamente. Há particularidades em cada cidade, mas globalmente existe forte semelhança: ninguém ainda se deu conta de que o sucateamento que se junta ao esvaziamento levará a região a ser apenas lembrança de passado poderoso.
Se a ciclotímica crise econômica brasileira serve de atenuante ao empresariado regional que insistentemente se mostra arredio a formulações coletivas, o mesmo não se pode dizer das autoridades públicas, como prefeitos e vereadores. Eles só raciocinam em termos eleitorais, com raras exceções. E voto significa imediatismo de ações, porque quatro anos passam rapidamente e quem descuidar fica a ver navios. Assuntos econômicos ligados à produção raramente são debatidos. A falta de projeto econômico para cada cidade da região e para o ABC como um todo é algo tão acintoso que a simples sugestão de que se pense no assunto pode chocar.
Não se pode dizer, nesse caso, que os políticos da região seguem à risca o figurino da classe. Os políticos do interior do Estado e também de vários municípios de Minas Gerais e Paraná já tiveram a sensibilidade tocada pela importância de ativar a economia pelo lado da produção. Eles oferecem rios de vantagem para quem lá se estabelece. Além de isenções tributárias, doam imensas áreas já terraplenadas. O governador, estocado pelo avanço de mineiros e paranaenses, parece reagir.
Mas reação não se faz isoladamente. É preciso tornar o incentivo à produção marca efetiva da administração. No ABC, principalmente onde o PT elegeu prefeito, é notório o estremecimento com os empresários. Os índices de aumento de IPTU têm forte conotação corretiva, de anos e anos de política tributária nocivas de administradores relapsos, bem como um ranço ideológico que tem alguma semelhança com a Ilha do Caribe frequentada por Fidel Castro e seus companheiros.
É verdade que não há identidade comum entre as administrações petistas. O prefeito Celso Daniel, de Santo André, por exemplo, tem tido pessoalmente bons contatos com representantes empresariais. Maurício Soares também não é símbolo de radicalismo. Entretanto, falta a ambos e à estrutura de recursos humanos do primeiro escalão que os cerca o apetite próprios dos capitalistas, sintetizado na constante volúpia de proporcionar investimentos. Facilidades para a implantação de novas unidades fabris poderiam soar como heresia ao partido. Já os prefeitos da região fora da órbita petista pecam mesmo pela omissão.
Sem a boa vontade dos políticos, os empresários procuram encontrar saídas individuais para superar os obstáculos. Raramente questões que afligem o setor industrial na região são debatidas em grupos de empreendedores — e quando o são não têm a devida repercussão ou continuidade.
Por isso, prevalece o individualismo pragmático. Muitas empresas já preferiram redirecionar investimentos a regiões dóceis, ou mais que isso, a regiões que acolhem os novos investidores como heróis de guerra. O presidente da Cofap, Abraham Kasinski, recebeu o título de cidadão de Lavras há três anos, pouco antes de inaugurar naquela cidade do sul de Minas uma nova unidade da empresa que nasceu e se consolidou no ABC.
Sabe-se que as entidades de classe empresarial evitam divulgar a relação dos retirantes. Teme-se que grande leva de empresários deixe o ABC por causa do feixe de contratempos e infortúnios que os assolam. Certo mesmo é que figuram na lista dezenas de deserções nos últimos cinco anos. Entre ser recebido por banda de música em aprazíveis cidades interioranas e o bacamarte do radicalismo sindical, misturado com o descaso das autoridades públicas, é claro que o empresário não precisa pensar duas vezes até decidir-se pela transferência.
Mais ainda se se considerar a quebra de qualidade da mão-de-obra regional, que atinge sobretudo as pequenas e médias empresas, por causa de uma combinação de fatores que vai da perda salarial contínua à limitada oferta das escolas técnicas oficiais. Sem contar que também a mão-de-obra qualificada não resiste à idéia de uma transferência para o Interior.
Predominantemente formada de pequenas e médias indústrias, situação aliás pouco lembrada diante do asfixiante domínio econômico dos grandes montadores de veículos, a região sofre também com os percalços históricos desse segmento. Não existe no País qualquer projeto de estímulo às pequenas e médias empresas. Diferentemente da Itália.
Se estivesse, pois, em qualquer posição geográfica do País, a grande maioria das indústrias do ABC teria um quadro de infortúnio a açoitá-las. No ABC, então, agrava-se o desconforto, porque as grandes indústrias são referencial obrigatório das reivindicações trabalhistas. Nos últimos 12 anos, o setor de pequenas e médias empresas, principalmente das unidades dirigidas de forma convencional, passou o sufoco do enfrentamento com a Central Única dos Trabalhadores – CUT -que, todos sabem, não é exatamente compreensiva com os empresários. Máquinas e equipamentos da maioria das empresas estão obsoletos, sem condições de dar respostas aos anseios de produtividade do Governo Federal.
Aliás, nem as montadoras de veículos escapam desse aniquilamento. Chamados de carroça pelo próprio presidente Collor, os veículos aqui produzidos não perdem para a concorrência internacional apenas quanto à qualidade. Perdem de goleada para os japoneses, americanos e europeus na classificação de produtividade. Gastam-se nas montadoras brasileiras 48 horas para se fazer um carro, contra 17 no Japão e 25 nos Estados Unidos.
Se dentro das fábricas e nos gabinetes oficiais e empresariais o quadro é de Terceiro Mundo, qualquer análise que se faça da economia regional tem de levar em conta também as crateras sociais criadas pela bomba do centralismo federal. A reforma constitucional de 1988 permitiu aos municípios forte incremento de arrecadação de tributos, mas as duas décadas e meia em que o governo federal mandou e desmandou no dinheiro público feriram de morte a topografia regional, bem como de todas as regiões metropolitanas do País. O cinturão de indigência social que cerca os bairros mais antigos da região é um retrato sem retoque dos erros cometidos.
Ainda não se vive tão mal, do ponto de vista de habitação, saneamento básico, saúde e educação, como em muitas das capitais brasileiras, mas o ABC caminha para o estilhaçamento social. O registro de que aportam por aqui 90 mil novos migrantes por ano é assustador. Nasce por aqui uma nova Rio Claro a cada 12 meses, sem que, em contraposição, os investimentos em tudo o que se relaciona a morar bem, acompanhem o mesmo ritmo.
Não é à toa que o número de pedintes, de biscateiros, de prostitutas e de menores delinquentes avança nas estatísticas policiais que, por sinal, não são confiáveis, porque há poucos homens fardados para tantas ocorrências.
Enquanto a miséria e a promiscuidade tomam conta da região, os teóricos do atraso ainda discutem a validade de se alterar a Lei de Proteção dos Mananciais, uma aberração que logo completará 20 anos e que não tem representado outra coisa senão a permissão deliberada para que se construam barracos e mais barracos nas proximidades das águas santificadas pelos oportunistas.
Não seria mais racional que se estimulasse o erguimento de indústrias não poluentes, aproveitando-se, pois, toda a infra-estrutura de serviços públicos próxima? São Bernardo, que tem mais da metade de seu território envolto pela lei, vê avolumar-se a montanha de favelas, enquanto os alvarás para o funcionamento de novas indústrias longe estão de acompanhar o forte movimento migratório.
O incremento industrial do Grande ABC, desta forma, não é uma simples opção de quem precisa atender às demandas sociais, mas uma obrigação de governantes sensatos. Embora faltem dados regionais, porque as prefeituras e as entidades empresariais trabalham sob a obediência ortodoxa de seus limites geográficos, a estagnação do universo de unidades produtivas simboliza o recuo econômico regional, porque na outra ponta está a corrente migratória cada vez mais sufocante.
Uma boa alternativa para investimentos, sobretudo de pequenos empreendedores, é a instalação de condomínios industriais. Alguns núcleos de fábricas projetadas para usufruir de vantagens coletivas como sistema de transporte, segurança, agências bancárias, refeitórios, recepcionistas, comunicações, restaurantes, pessoal de manutenção, entre outros pontos perfeitamente adequados ao regime de condomínio, dariam novo impulso à região.
O conceito de condomínio industrial poderia agregar também a criação de habitações populares ao redor dos núcleos. As Prefeituras que contam com áreas disponíveis na região poderiam incentivar a formação desses núcleos industriais não só com a concessão de áreas hoje improdutivas e sujeitas a invasões como também na própria preparação topográfica, com terraplenagem. Algo absolutamente normal nos rincões interioranos e que elucubrações ideológicas ou simples desinteresse podem colocar como inadmissíveis.
A malha viária e a infra-estrutura de saneamento básico da região já estão em estado de saturação, mas não se pode usar isso como argumento ou bloqueio de investimentos produtivos. Afinal, é justamente a força econômica do carro-chefe da economia regional, a indústria, que permitirá a alocação de recursos financeiros para as cirurgias urbanísticas que se fazem prementes. Discriminar a indústria, enxotando-a ou ignorando-a, é cavar um buraco imenso que meteria a economia regional numa enrascada incontrolável.
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