Regionalidade

Metropolização agora sugerida
foi manchete há década e meia

DANIEL LIMA - 01/03/2018

Apesar de considerar mais um jogo de marketing político do que outra coisa, apesar de entender que desse mato de propostas não saem coelhos de realizações, apesar de tudo que venha a contrapor ao que se apresenta como suposta novidade, entendo que é sempre importante ter gente de fora para observar e denunciar mesmo que diplomaticamente o quanto somos uma região legitimamente representativa de um País sem futuro no médio prazo.  

Por isso, aprovo a comitiva de Turim e da União Europeia que desembarcou nesta semana na região, estendendo visita à Capital do Estado. Concordo plenamente, até mesmo para que se mostre o quanto estamos atrasados em políticas orientadas à mobilidade urbana --essa é a especialidade dos estrangeiros – entre muitas questões que envolvem a infrutífera árvore de uma metropolização insana que reúne mais de 22 milhões de habitantes e nenhuma organização sistêmica.  

O que leio hoje no Diário do Grande ABC foi, em termos conceituais, pauta muito mais completa e competentemente destrinchada na Reportagem de Capa de fevereiro de 2002 da revista LivreMercado, sob minha direção editorial. Os representantes de Turim e da União Europeia sugeriram agora que o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo tenha poder de decisão e que não seja apenas um órgão consultivo. Também acho.  

Governo estadual omisso  

O que eles não sabem e não saberão, exceto por este jornalista, é que o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana que está no organograma do governo do Estado é uma abstração gerencial. Não produz nada porque o governo do Estado jamais se dedicou à metropolização da Grande São Paulo. O tal Conselho é muitas vezes mais improdutivo que o Clube dos Prefeitos, instituição que os recepciona e que, na totalidade de seus representantes, não conta com agregado de conhecimento da pauta em questão, mas que sonha com mais de R$ 7 bilhões para investir nos gargalos de mobilidade urbana.  

É lógico que o noticiário omite medidas essenciais que destruam a farra do boi do mercado imobiliário, principal indutor do caos urbano. Como num jogo de cartas marcadas, os mandachuvas sempre sairão vencedores, porque seus interesses inconfessos prosseguirão intocáveis. Mas esse é assunto do qual cuidaremos, novamente, outro dia.  

Vamos ao que trata o Diário do Grande ABC de forma bastante superficial, seguindo figurino mais que batido do jornalismo diário, com exceções de praxe.  

Acho que fica melhor para o entendimento do assunto (não somos uma mídia fastfoodiana e por isso detestamos leitor que só passa os olhos nas manchetes e mal se dá ao trabalho de ler cuidadosamente o que lhe é oferecido com comprometimento social) reproduzir integralmente a reportagem do Diário do Grande ABC.  

Em seguida, reproduzo alguns trechos da Reportagem de Capa de LivreMercado daquele distante fevereiro de 2002. Uma reportagem-análise assinada pelo jornalista André Marcel de Lima. Vamos à reportagem do Diário do Grande ABC de hoje sob o título “Turim sugere conselho com poder de decisão na Região Metropolitana”: 

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 A comitiva de Turim, na Itália, e da União Europeia realizou ontem uma visita à Capital paulista e sugeriu que o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo tenha poder de decisão e que não seja apenas um órgão consultivo. Para o gestor da cooperação internacional da União Europeia, Stefan Unseld, o desafio começa pela promoção de soluções integradas. “Existe uma complexidade da Capital, que se acentua com as cidades vizinhas da Região Metropolitana. Esse processo tem que ser coordenado com todos, pois hoje é mais fácil para cada cidade se concentrar em seus problemas e depois procurar soluções em conjunto”, comentou. Unseld deu justamente o exemplo de Turim para embasar sua tese. “Eles fazem parte de uma região, de um país, além de manter diálogo com todos os níveis políticos para ter um sistema coerente para resolver problemas em contexto nacional, integrando todos os tomadores de decisões”, defendeu.

Mais reportagem do Diário 

 A cidade italiana faz parte da região de Piemonte, que possui um conselho que, além de discutir obras, também tem poder de executar as intervenções. Na visão de Chiara Ferroni, analista de negócios da Torino Wireless Foundation, uma companhia privada que promove pesquisas e gerencia projetos de smart cities, os projetos desenvolvidos pela cidade de São Paulo podem servir como orientação para o Grande ABC. “O encontro teve uma boa demonstração de sistema de mobilidade e deve inspirar outras cidades vizinhas à Capital. O sistema atual deveria ser muito melhor do que é agora. As perspectivas para o Grande ABC são boas, pois existem projetos que melhoram a infraestrutura e os sistemas urbanos. A avaliação é positiva”, resumiu.

Mais reportagem do Diário 

 O secretário executivo do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Fabio Palacio (PR), afirmou que os dirigentes da cidade de Turim ainda analisam a estruturação. “Houve dificuldade por parte deles para entender a falta de integração entre os sistemas. Por isso, sugeriram a criação de câmaras temáticas, que não podem ser só consultivas e sim executivas. Se não perderia a efetividade”, afirmou. No roteiro, os executivos da cidade italiana fizeram reuniões na Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), tiveram reunião na Secretaria de Mobilidade Urbana e Transportes do município de São Paulo e encerraram a excursão no centro de controle operacional da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). O encontro na universidade paulista serviu para que fossem discutidas possibilidades de cooperação entre as escolas politécnicas das duas cidades, que já possuem parceria e pretendem aumentar o campo de possibilidades. O giro da comitiva europeia será encerrado hoje, quando serão realizadas reuniões técnicas no Instituto Mauá e, no fim da tarde, será apresentado um balanço da visita.  

Agora, LM de 2002

Repassado o texto integral do Diário do Grande ABC de hoje, reproduzo parte da matéria da revista LivreMercado da edição de fevereiro de 2002. Notem a diferença entre jornalismo reflexivo e jornalismo informativo. Por essas e outras que, ao afirmar que revolucionamos a história do jornalismo da região e como um todo do jornalismo regional que se praticava e se pratica no País, de roteiro provinciano, fazemos questão de matar a cobra da curiosidade e mostrar o pau da efetividade:

 O transbordamento dos problemas urbanos, sociais e econômicos na Grande São Paulo dá vazão a uma proposta tão polêmica quanto inovadora no panorama nacional: a transformação da Região Metropolitana de 39 municípios e 17 milhões de habitantes em nova unidade da federação brasileira. Isso mesmo — a transformação da Grande São Paulo em Estado independente, dissociado do Interior Paulista e da Baixada Santista. A ideia nunca foi tão pertinente como neste momento, em que a debilidade institucional, financeira e administrativa da Região Metropolitana ficou escancarada pelo colapso da segurança pública, que atingiu o ápice com o bárbaro assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André. Quem sugere a criação do Estado da Grande São Paulo é o norte-americano Norman Gall, diretor-executivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, sediado na Capital. Norman Gall é um dos maiores estudiosos dos problemas que afetam o Estado mais rico da federação. À frente de um instituto internacional que tem como presidente honorário o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, além de figuras nacionais como o ex-ministro Luís Carlos Bresser Pereira e o economista e sociólogo Eduardo Gianetti da Fonseca no board diretivo, Norman Gall coloca o tema em discussão por acreditar que muitos dos problemas que comprometem a região mais rica do País — incluindo o nervo exposto da segurança pública — poderiam ser debelados se a Grande São Paulo gozasse de status jurídico e administrativo de Estado.

Experiência internacional

 O especialista lembra que outras localidades que passaram por problema parecido de caos urbano e explosão populacional transformaram grandes cidades e regiões em Estado para garantir a governabilidade. Alguns exemplos são a região de Tóquio, promovida à categoria de Estado em 1943, as cidades de Bremen e Hamburgo, que são consideradas cidades-Estados no federalismo alemão, além dos 17 maiores municípios da Espanha, que gozam de institucionalidade federativa como regiões autônomas. A criação do Estado da Grande São Paulo proporcionaria condições políticas, administrativas e materiais para resolver — ou pelo menos reduzir ao limite do suportável — não apenas a escalada da criminalidade, mas muitos outros problemas que comprometem a sustentabilidade social e econômica.  

Metropolização de fato

 Em primeiro lugar, a estadualização promove a sonhada metropolização de fato: conectados a um ente federativo exclusivo, os 39 municípios teriam melhores condições geopolíticas para formar um corpo coeso de ações integradas e sistêmicas. Somente a metropolização real da Grande São Paulo já justificaria a mobilização de lideranças e autoridades da Capital e seu entorno pela estadualização da região. Afinal, é público e notório que insistir na administração compartimentada dos 39 municípios é um atentado à lógica. Muitos problemas que afetam várias cidades ao mesmo tempo só podem ser combatidos com estratégias de coordenação intermunicipal. “Um Município metropolitano não pode despoluir um rio que passa em seu território se a cidade vizinha, de onde vem esse rio, continuar jogando detritos no leito. Da mesma forma, não é possível traçar uma política de transportes isoladamente quando grande parte dos veículos que trafegam no Município é proveniente de cidades vizinhas” — exemplifica o economista Marcos Mendes, consultor do Senado Federal e membro do Instituto Fernand Braudel.

Complexidade demais

 “A Região Metropolitana tornou-se grande e complexa demais para ser administrada de maneira fragmentada, sem interação intermunicipal para resolução de problemas comuns” — enfatiza Norman Gall, que se baseou em estudos de Marcos Mendes sobre a governabilidade de São Paulo para formular a proposta de criação do Estado da Grande São Paulo. Não é nova a constatação de que cidades conurbadas e interdependentes precisam de gerenciamento integrado. Na década de 1960 os comandantes do regime militar criaram as primeiras regiões metropolitanas do País. Mas a metropolização levada a cabo naquela época serviu mais como instrumento de controle do governo central sobre as regiões desenvolvidas em torno das maiores Capitais do País do que propriamente como estratégica de integração voltada para combater a deficiência administrativa dos municípios metropolitanos.

Autoridade metropolitana

 (...) “A Grande São Paulo precisa de algum tipo de autoridade metropolitana para tratar problemas regionais endêmicos como segurança pública, controle de enchentes, saneamento básico, transporte, educação e meio ambiente” — observa Norman Gall. “A gerência eficiente de regiões metropolitanas exige um conjunto de ações integradas de planejamento, programação de orçamento, desenvolvimento, operação e manutenção de um centro metropolitano. E não é trivial fazer isso quando se tem uma miríade de unidades e de órgãos de governo politicamente autônomos. A integração econômica e social de municípios metropolitanos exige uma correspondente integração político-administrativa” — considera Marcos Mendes. 

Facilidades financeiras  

 A metropolização embutida na estadualização traz outro benefício para a região repleta de problemas urbanos, sociais e econômicos que muitas vezes extrapolam as receitas ordinárias: a possibilidade de contratar empréstimos e financiamentos a juros mais camaradas para projetos conjuntos. Se deixar a metropolização da boca para fora para assumir oficialmente a condição de ente de governo, a Grande São Paulo terá a personalidade jurídica exigida pelos credores, especialmente em se tratando do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a maior instituição brasileira de fomento público e privado. 

Equilibrar relações

 (...) Além de materializar a esperada metropolização de fato da Grande São Paulo, a estadualização provocaria outra grande mudança: com representatividade política ampliada no Congresso pela condição de ente federativo, a Região Metropolitana teria melhores condições para equilibrar a correlação de forças no poder. Para compreender a relevância dessa alteração no tabuleiro do federalismo brasileiro, é preciso conhecer um pouco como funciona o sistema de redistribuição de impostos no País.

Perdas paulistanas 

 Na condição de maior cidade brasileira, a Capital paulista é a mais afetada pelos critérios de partilha do FPM. Mas a maior parte dos 38 municípios que estão em sua órbita padece do mesmo mal porque exibe as mesmas características urbanas e populacionais. A origem da partilha de impostos está na Constituição de 1988. Com a intenção de fortalecer financeiramente os municípios diminutos, periféricos e rurais para estancar o histórico fluxo migratório em direção às grandes cidades, os parlamentares forjaram sistema flagrantemente favorável às pequenas cidades. A intenção aparentemente boa converteu-se num pesadelo: municípios pequenos, com até três mil habitantes, não têm escala populacional para produzir serviços públicos. “Não podem ter escola de 5ª a 8ª série, por exemplo, porque vai faltar aluno” — exemplifica Marcos Mendes. 

 (...) “Regiões metropolitanas como a Grande São Paulo foram as que mais perderam participação industrial relativa nos últimos anos (por conta da desconcentração industrial movida, em grande medida, pela guerra fiscal). E é nessas regiões que remanescem grandes contingentes populacionais necessitados de serviços públicos. A maior parte dos recursos do ICMS não vai para as regiões mais problemáticas, onde a pressão sobre a estrutura pública é maior” — explica o especialista Fernando Abrucio, professor-doutor da PUC São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas.

Criminalidade alarmante

 O crime bárbaro que tirou a vida do prefeito Celso Daniel chamou a atenção do Brasil e do mundo para a criminalidade crescente na Grande São Paulo. De 1991 a 2000 os roubos aumentaram 126%, os assassinatos 57% e os furtos e roubos de veículos explodiram em 175% na região. Pelo menos dois mil crimes violentos são cometidos diariamente na Região Metropolitana de São Paulo, que no ano passado respondeu por 250 dos 307 sequestros registrados no Estado. Os números são do coronel da reserva José Vicente Filho, um dos maiores especialistas brasileiros em segurança pública, que também é consultor do Instituto Fernand Braudel.

Problemas demais 

 (...) Além da segurança pública, outros problemas são agravados pela falta de integração e de contrapartidas políticas e econômicas dos governos estadual e federal. A Grande São Paulo carece de fundas intervenções ambientais. É simplesmente inadmissível que rios como Pinheiros e Tietê, na Capital, e o Tamanduateí, que se estende até São Paulo a partir de Mauá, no Grande ABC, permaneçam como receptáculos de esgotos e entulhos a céu aberto. Em qualquer país civilizado, rios em áreas urbanas são monumentos ambientais valorizados e preservados pela população e pelos governantes. Como o Sena em Paris, o Tâmisa em Londres e o Tejo em Lisboa. A Grande São Paulo também enfrenta enormes desafios nas áreas habitacional, de trânsito e de combate a enchentes, entre outros problemas sistêmicos que dependem de integração metropolitana, recursos financeiros e reforço da representação política.

Muitos obstáculos 

 (...) Outro exemplo a ser seguido pela Grande São Paulo é a cidade do México, capital nacional na condição de Estado. Norman Gall reconhece que há muitos obstáculos à estadualização da Grande São Paulo. Afinal, uma alteração de tal magnitude no mapa político, administrativo e econômico brasileiro não se materializaria sem muita discussão, pressão, indisposição e até ruptura. “Além da oposição das bancadas das regiões mais pobres no Congresso, o Estado da Grande São Paulo precisaria chegar a um acordo de como a dívida pública com a União seria dividida entre o novo e o velho Estado” — exemplifica o diretor-executivo do Instituto Fernand Braudel. Mas a transformação da Grande São Paulo em Estado urge. A região está se desintegrando por absoluta falta de governabilidade e interlocução federal. “Na Grande São Paulo, milhares de pessoas lutam para sustentar um arremedo de ordem. Essas pessoas precisam de uma estrutura institucional para dar sustentação e sentido a seus esforços. A estrutura política da metrópole não dá resposta a essa necessidade, nem oferece suporte à eficiência econômica” — afirma Norman Gall. “Chega um momento na vida das grandes cidades em que a necessidade de regulação e alocação racional do espaço e dos recursos passa a prevalecer sobre processos impulsivos. Há bastante tempo São Paulo, em seu crescimento febril, alcançou o estágio em que essa transição já se deveria ter verificado” — adverte.



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