Regionalidade

Paulinho Serra precisa de um
Posto Ipiranga de regionalidade

DANIEL LIMA - 30/11/2018

O desmantelado Clube dos Prefeitos, entidade da qual se afastaram na temporada de presidência de Orlando Morando as representações de Diadema, São Caetano e Rio Grande da Serra, ainda viverá algum tempo de tentativas de ressuscitamento. O prefeito Paulinho Serra, de Santo André, proclamou ontem ao Metro Jornal a autoria de proposta que defendo há milhões de anos. Trata-se do seguinte: somente quando se priorizarem temáticas sensíveis ao Desenvolvimento Econômico e à Qualidade de Vida será possível amenizar os transtornos de competitividade de uma região em permanente processo de esquartejamento. 

O pecado de Paulinho Serra é tentar vender-se como grande precursor de nova regionalidade para tapar o buraco cavado pelo prefeito Orlando Morando. Fosse mais modesto e ouvisse com atenção a própria alma, saberia responder que se há alguém que pode lhe dar um monte de conselhos de graça para tentar salvar a regionalidade em frangalhos esse alguém é este jornalista. 

Não é a primeira vez que me proponho a ajudar o jovem e dispersivo prefeito de Santo André. E sempre deixando claro que há uma causa maior a nos aproximar. Já fui, inclusive, convidado informalmente pela Administração de Santo André a compor um grupo que seria de elite, por assim dizer. A conversa não evoluiu. Estou aguardando até hoje desdobramentos daquela abordagem. Talvez minha independência jornalística não tenha interessado a eventuais outros nomes sugeridos ao Conselho Especial. A Administração de Paulinho Serra é a consagração do improviso. 

Sei que leitores ocasionais desta publicação e mesmo os escolados poderão me julgar mal, mas não me preocupo com isso. Não é porque o prefeito disse o que disse que eu não vou dizer o que tenho a dizer simplesmente porque preferiria a modéstia do silêncio constrangido pelo politicamente correto. 

Ademir Medici à parte

Acompanho o Clube dos Prefeitos deste seu lançamento, alguns meses após criar a revista LivreMercado, em 1990. Por ser o mais longevo jornalista regional em várias áreas, (não me meto no mundo chamado memória porque tenho o mestre Ademir Medici como ponto cardial), o Clube dos Prefeitos, oficialmente Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, me é bastante íntimo. 

Já escrevi sobre os mais diferentes aspectos em relação a esse agrupamento que se desfaz porque Orlando Morando meteu a areia da política partidária numa engrenagem que deveria ser exclusivamente técnica. Luiz Marinho, antecessor em São Bernardo, andou ciscando nesse desvio, levando a um corporativismo de esquerda, mas não agrediu tanto quanto Morando.  

O prefeito Paulinho Serra diz que pretende fazer o que este jornalista já sugeriu há muito tempo porque também há muito tempo este jornalista não se restringe ao noticiário provinciano dos jornais locais para se aparelhar intelectualmente. Quer Paulinho Serra o tratamento preferencial a uma agenda tão estreita quanto ampla. Estreita no sentido de que seriam providencialmente algumas temáticas apenas a instrumentalizar as medidas. Ampla porque as medidas não poderiam ser triviais. Repito que já tratamos disso há muito tempo. 

Talvez o prefeito de Santo André tenha se esquecido apenas de um ponto e é esse ponto é o tal guizo que alguém precisa colocar no pescoço do rato para que o gato do pragmatismo possa caçá-lo: sem os sete municípios num mesmo compartimento institucional, nada feito. 

Aliás, esta semana, o prefeito José Auricchio Júnior, um dos opositores ao pantagruelismo político-eleitoral de Orlando Morando, mencionou esse ponto como essencial à necessária dinâmica do Clube dos Prefeitos. Nada mais correto: os sete municípios locais são vasos comunicantes e, como tal, em uma imensidão de possíveis soluções engendradas num planejamento regional, não há a menor possibilidade de se levar adiante algo que tenha um território contíguo fora do circuito geral integrado.  

Desde o começo do mundo, portanto, acompanho o Clube dos Prefeitos. Aleatoriamente puxo para reprodução análise que publiquei em abril de 2005 na revista LivreMercado, sob o título “Consórcio de Prefeitos precisa definir planejamento estratégico”. Portanto, já completou 13 anos aquele texto. Querem acompanha-lo? Vamos em frente: 

Comandante só atrapalha 

 Então ficamos assim: o Consórcio de Prefeitos do Grande ABC, bajulado sem limites por quem não conhece sua trajetória e sacralizado por quem participou diretamente de sua reticente história, ganha nova concepção, encaixada no figurino recortado pelo Congresso Nacional. Agora, está deixando a quase marginalidade de juridicamente indigesto. A partir de iminente sanção presidencial, saltará para a legalidade regulamentar. Não terá, portanto, novas desculpas para o legado de muita espuma e poucos resultados. Propositalmente, começamos essa análise do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC com os finalmentes. Ou seja: nada de enfeitar o pavão do modelo que está aí há 15 anos. Os prefeitos que comandam a entidade precisam se debruçar para valer sobre a reestruturação do organismo. Inclusive com a supressão do estrabismo que contempla um comandante a cada temporada e relega os demais ao vazio do anonimato.

Imobilidade disfarçada 

 O gerenciamento do Consórcio de Prefeitos é equação que não permite desvios em nome de integracionismo que, levado ao paroxismo, em vez de dinamizar, interdita medidas de planejamentos e ações de reconstrução econômica e social do Grande ABC. O jogo de palavras que forma sentenças subjetivas de avanços supostamente compartilhados e progressivos é um disfarce à imobilidade prática do Consórcio de Prefeitos.

Rombos gigantescos

 Para não contra-argumentarem que se tratam de frases ocas essas perfurações na crosta da baixa produtividade do Consórcio, basta refletir sobre o tamanho do rombo econômico e social exatamente no período em que a entidade permeou a cena institucional do Grande ABC: entre 1990 e 2004 o Grande ABC perdeu 30% do repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), um dos medidores mais incisivos para detectar o esvaziamento econômico.

Falta de sensibilidade 

 Mais um exemplo: a motoniveladora do governo de oito anos de Fernando Henrique Cardoso passou por cima do Grande ABC, retirou dois quintos do Valor Adicionado, espécie de PIB (Produto Interno Bruto) da região e nada de minimamente reativo se deu no cenário regional. O Consórcio de Prefeitos e as demais entidades municipais e regionais badaladíssimas por ufanistas de plantão não tiveram sequer a sensibilidade de organizarem-se para fazer espécie de marcha sobre Brasília, como o MST, entre outros, cansou de promover. Ou seja, e sem meias palavras: o Consórcio de Prefeitos frustrou as expectativas sobre a fluidez de gerenciamento coletivo e extramunicipal. 

Celso Daniel é exceção 

 De todos os prefeitos que passaram pela instituição, salvou-se rigorosamente o titular do Paço Municipal de Santo André durante três mandatos incompletos. Celso Daniel é o nome e o sobrenome de uma regionalidade entrecortada. Viveram-se alguns momentos de euforia consistente, mas em larga escala a regionalidade não passou de embarcação deliberadamente condicionada a promover jogo de cena em que se davam petelecos em informações sérias e qualificadas, em nome de um triunfalismo vadio, procrastinador, insubordinado à ética, multiplicador de fanfarronices estatísticas. Como foi o caso de um executivo da Agência de Desenvolvimento Econômico, João Batista Pamplona. Do alto de títulos universitários, parecia intocável a uma sociedade que se extasiava com acrobacias numéricas de prestidigitação pouco responsável. Acabou defenestrado depois de três anos da mais progressiva, insidiosa e deletéria campanha de dissimulação do estado de derrocada da região.

Tragédia anunciada 

 O Grande ABC continua a viver situações de emergência socioeconômica, por isso não se admitem mais adiamentos de uma obra institucional extraordinariamente importante para a governabilidade regional. Os sete prefeitos do Grande ABC devem ser a sustentação estratégica, mas não podem continuar a concorrer pelos holofotes que, no sistema de revezamento de mandato de um ano, privilegia quem assume o comando e coloca no ostracismo os demais. A desmobilização de quem está fora da mídia e da interlocução preferencial em nome da entidade é espécie de tragédia anunciada que se repete insistentemente a cada ano. São 15 temporadas do mesmo roteiro.

Entregando os pontos 

 Luiz Tortorello, ex-prefeito de São Caetano, foi o exemplo mais emblemático dessa manifestação de comprometimento condicionado à visibilidade. No único exercício em que dirigiu o Consórcio, pôs-se diligentemente a serviço da região. Nos demais mandatos, mal enviava assessores às reuniões. Outros prefeitos não foram tão descaradamente omissos, mas puxaram o freio de mão o tempo todo quando escanteados pelo estatuto fomentador de individualismo. Celso Daniel foi quem mais jogou o jogo coletivo durante muito tempo no Consórcio. Até o dia em que se descobriu otário e, de imediato, voltou-se à administração preferencial de Santo André.

Conselho de Administração 

 Concebendo aos prefeitos algo como funções típicas de Conselho de Administração, metade dos problemas operacionais do Consórcio de Prefeitos estaria resolvido. Eles, os prefeitos, passariam a atuar na retaguarda dos estudos, dos planejamentos, das negociações. Só saltariam para a ribalta, de forma coordenada e coletiva, quando se consumassem decisões. Dividiriam aplausos e multiplicariam sucesso. A outra metade de problemas seria diluída pela efetividade de um executivo que representasse os prefeitos no dia a dia gerencial do Consórcio e mesmo nos contatos com a mídia. Encontrar esse profissional não é tarefa das mais fáceis. Poderia ser recrutado numa operação mais completa e indispensável: a contratação de uma consultoria privada que tenha contato com o mundo dos negócios e coloque no papel de forma concretamente objetiva um projeto que trace o destino econômico do Grande ABC conectado com as grandes mudanças geopolíticas e econômicas de uma mundialização em que os limites territoriais foram literalmente para o espaço.

Prioridades temáticas 

 A humildade de reconhecer-se insuficientemente competente e liberto de amarras político-partidárias para planejar o Grande ABC dos próximos 20 anos seria um gesto de sabedoria do Consórcio de Prefeitos. A década e meia de uma pauta tão extensa quanto dispersiva precisa catalisar o senso de responsabilidade coletiva para entregar a missão de montar o mosaico de medidas a quem conhece a rapadura do regional sintonizado com o global. Basta para isso seguir critérios de prioridade temática e de racionalidade executiva que, ao longo da história, o enviesamento público-social do Consórcio de Prefeitos negligenciou.

Massa crítica 

 O novo grupo à frente do Consórcio de Prefeitos encontra terreno fértil para semeaduras à posteridade. Primeiro, o projeto de reformulação estatutária e funcional encomendado à Fundação Getúlio Vargas reúne massa crítica suficiente para estimular mudanças. A logomarca daquela instituição de ensino desencadeia questionamentos internos das atividades do Consórcio. Na maioria dos casos não se trata de novidades, mas, transmitidos com chancela acadêmica, ganham foro irrefutável.

Fragmentação garantidora 

 Segundo, porque o Congresso Nacional garante a legalidade de consórcio entre municípios, retirando, portanto, as ações pioneiras do Grande ABC do limbo da quase pirataria. A contratação de uma empresa privada especializada em planejamento estratégico é oportunidade para não ser desperdiçada. Nem pensar em algo semelhante ao que José Serra perpetra na capital, onde o governo Marta Suplicy deixou esquadrinhada a Zona Leste de mais de 3,5 milhões de habitantes. Pelo andar da carruagem de rusgas partidárias, tudo vai virar pó porque as digitais da petista estariam indelevelmente impressas em cada obra. Nesse ponto, a fragmentação político-administrativa do Grande ABC serve de garantia mínima de longevidade do planejamento estratégico porque dificilmente se daria qualquer conotação partidária específica. Na exata medida em que o Consórcio de Prefeitos instalar no banco de reservas de inutilidades o presidencialismo de revezamento, consolidando-se a proposta do Conselho de Administração, mais o sentimento de regionalidade será fortalecido.

Experiência importante 

 Embora o desempenho do Consórcio de Prefeitos tenha patrocinado mais foguetório do que obras, o pioneirismo cristaliza-se como fator positivo. Por mais que tenha patinado na busca de soluções ou mesmo na disputa ensandecida para esconder os problemas regionais que o tempo tratou de escancarar, não se jogam 15 anos no lixo. Sobretudo porque há acúmulo de erros e acertos que, devidamente observado, queima etapas na perspectiva de um Consórcio de Prefeitos interlocutor de nova experiência metropolitana, no caso a Agência preparada pelo governo do Estado.

Aquém do desejado 

 Não é engano entender que há paradoxo em toda essa situação, consolidado no contexto avaliativo de que o Consórcio de Prefeitos comportou-se de forma muito aquém dos pressupostos de pragmatismo que o caos social e as vicissitudes econômicas exigiram na última década e meia e, mesmo assim, se apresenta como referência do protagonismo do Grande ABC no amplo jogo da metropolização organizada. De fato, a interpretação pode parecer inconsistente. Entretanto, a lógica da vantagem regional está exatamente na percepção de que todo o cipoal de equívocos minimizados a pretexto do dogma do positivismo a qualquer custo acabou por ser tornar patético. 

Conselho Consultivo 

 Em suma, o Grande ABC está inequivocamente muito mais maduro para o jogo da regionalidade e da metropolização, entre outros motivos, porque aprendeu com a própria dor. É claro que o novo formato institucional do Consórcio de Prefeitos também haverá de reservar espaço para representantes da comunidade regional que tenham de fato a colaborar. Uma espécie de Conselho Consultivo com suprimentos de análise ao Conselho de Administração é instância elementar no organograma. Entretanto, não pode estar submetido a desvios tradicionais de notoriedade em vez de notabilidade. De pouco adiantam nomes estrelados sem a correspondente participação. Critérios de qualificação técnico-intelectual e de assiduidade são o melhor armamento para metralhar quem pretende se locupletar com o brilho de logomarcas institucionais diversas.

Transitoriedade meritocrática 

 Isso significa que a transitoriedade dos integrantes do Conselho Consultivo será proporcional ao grau de participação dos representantes da comunidade. Além de as escolhas levarem em conta o histórico pessoal de eventuais candidatos às vagas, o equilíbrio entre representantes governamentais, econômicos e sociais deve prevalecer. Como está atrasadíssimo na formulação de diagnóstico independente do planejamento estratégico econômico regional, eixo sobre o qual deveriam girar todas as demais iniciativas, o Consórcio de Prefeitos provavelmente sofrerá alguns contratempos para dar dinamismo à cronologia e acertar uma forma diretiva que elimine a individualidade temporária de um presidencialismo manquitola e, ao mesmo tempo, construa representatividade sólida da sociedade regional.

Região é o que importa 

 Cada dia que passa sem que se convença de que só será útil na medida em que saiba exatamente o que é mais importante para o Grande ABC em estágios que alcancem os próximos 20 anos, mais o Consórcio de Prefeitos e os municípios do Grande ABC estarão reprovados pela globalização, embora possa pontuar no ambiente provincial de uma metrópole imprevidente.



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