Regionalidade

Paulinho Serra começa errado
à frente do Clube dos Prefeitos

DANIEL LIMA - 10/01/2019

O Clube dos Prefeitos do Grande ABC tem novo titular. Agora o prefeito dos prefeitos é o prefeito de Santo André, Paulinho Serra. Tomara que ele tenha consciência de que vai suceder ao também tucano Orlando Morando tendo à mão uma instituição que respira por aparelhos. É preciso acentuar que respira mesmo por aparelhos, porque há quem ouse propagar que não existe paciente à beira da morte. 

Foi patético o flagrante que os jornais publicaram do encontro de anteontem para a homologação pública de Paulinho Serra. Ele estava ao lado de Orlando Morando e de Kiko Teixeira, prefeito de Ribeirão Pires. Também constava da cena do crime contra a regionalidade a prefeita interina de Mauá, Alaíde Damo. Prefeita interina candidatíssima à efetivação. 

O titular Atila Jacomussi, eleito em outubro de 2016, está impedido de continuar no cargo, preso por determinação judicial após investigação da Polícia Federal num escândalo que envolve praticamente todo o Legislativo e mais de uma dezena de empresas fornecedores de serviços. Dos vereadores, apenas um escapou da degola. Quem imagina Mauá caso isolado na região não entende praticamente nada a modalidade de democracia que se pratica. 

Guerra surda pelo poder 

Paulinho Serra precisa de muito pouco para provar que Orlando Morando foi um desastre completo. Afinal, recebe uma instituição em frangalhos. Divididíssima, por exemplo. Tanto que três prefeitos se retiraram do colegiado por desavenças político-partidárias com o então titular. São Caetano, Rio Grande da Serra e Diadema devem retornar ao Clube dos Prefeitos. Seria uma maneira de retaliarem o antecessor de Paulinho Serra. 

Há uma guerra surda pelo poder regional que Orlando Morando arrebatou de Luiz Marinho quando ganhou a Prefeitura de São Bernardo e agora nada de braçadas com João Doria governador. Orlando Morando é hoje o que Luiz Marinho foi anos tempos do PT no governo federal. Claro que Luiz Marinho era mais poderoso. É amigo do então presidente Lula da Silva, enquanto Morando é apenas um dos relativamente próximos de Doria.  

Vou me manter neste texto sobre o Clube dos Prefeitos dos últimos tempos. O histórico da instituição é um dos estoques de riqueza editorial desta publicação. Acompanhamos tudo desde o lançamento em dezembro de 1990. O Clube dos Prefeitos veio depois da revista LivreMercado, lançada em março daquele ano. E para dizer a verdade, a agenda da entidade jamais chegou aos pés da publicação que criei e dirigi por quase duas décadas. 

A economia da região sempre foi o centro estrutural de LivreMercado. O Clube dos Prefeitos, teimosamente, negligenciou essa lógica de regionalidade. Sem desenvolvimento econômico o resto, por mais relevante que seja, é conversa fiada. Paulinho Serra das primeiras declarações aos jornais não enfatizou esse viés indispensável. Seria surpreendente se o fizesse. Está há dois anos à frente de uma das cidades que mais se empobreceram em quatro décadas, mas nem por isso criou qualquer coisa que possa ganhar o rótulo de planejamento estratégico. 

Tempo de espera

O que também me espantou nas primeiras declarações do prefeito Paulinho Serra é que precisará de 30 dias para apresentar um plano de ação. Levando-se em conta que até as sete andorinhas (seriam mesmo andorinhas?) estilizadas que enfeitam o prédio do Clube dos Prefeitos, em Santo André, sabiam havia muito tempo que seria Paulinho Serra o sucessor do dinamitador Orlando Morando, o prazo anunciado é um despautério. Tudo indica que só se manifestaria após o Carnaval, que é em março. Paulinho Serra deveria ter esticado o encontro de anteontem com o anúncio das primeiras medidas. 

Está certo que Paulinho Serra não tem vivência em regionalidade. Raramente, antes de virar prefeito, foi visto em encontros da organização ou em eventos que tratassem do tema. O acervo de LivreMercado e de CapitalSocial não capta empenho nesse sentido. Meus olhos também não. Paulinho Serra acumulou muito mais horas de voos no Legislativo de Santo André do que em instâncias regionais. Natural. Os vereadores mal dão bola à regionalidade. Preferem um cotidiano medíocre de servilismo ao Executivo. 

Esconjurando Celso Daniel 

Paulinho Serra até recentemente cultuava a imagem de Celso Daniel, mas, pelos últimos comentários a que tive acesso, até mesmo o principal agente de regionalidade da história começou a receber bordoadas críticas. Paulinho Serra perdeu o foco ao confundir gestão municipal com gestão regional. Celso Daniel foi competente nas duas áreas. 

Algumas más companhias antipetistas por natureza e também por safadeza estão a fazer a cabeça de Paulinho Serra. Mas o prefeito é ecumênico na composição dos quadros de comissionados, um verdadeiro festival de cores partidárias. 

O endividamento que gerou vultosa dívida com precatórios durante o primeiro mandato de Celso Daniel foi um erro do secretário de finanças de então. Mesmo que fosse diretamente de Celso Daniel, jamais poderia ser utilizado como peça desclassificatória. 

O saldo municipalista de Celso Daniel é muito positivo. Menor, claro, que a dinâmica à regionalidade que imprimiu até que se descobriu bobo da corte de negligentes que ocupavam outros paços municipais.

Nova inocuidade 

A ideia de Paulinho Serra, transformada em manchetíssima de primeira página do sempre generoso Diário do Grande ABC, dá conta da contratação de um secretário-geral com base em concurso público. Trata-se de algo tão inócuo, quando não dispendioso, quanto a constituição da Casa do Grande ABC em Brasília, liderada por Orlando Morando e cuja existência pífia não consta nem do site oficial da entidade. 

Com a casa brasiliense caiu entre outras razões porque foi mobilizada em torno de política partidária, o secretário-geral poderá virar folclore pela simples razão de que uma andorinha não faz verão. Um artilheiro em time de pernas de pau e sem planejamento tático vira sucata. Sem contar que há escassez de especialistas em regionalidade na praça. 

A situação fica ainda pior se acondicionar-se restrição à prática político-partidária. Além disso, e talvez escreva especificamente sobre isso, pesarão critérios que supostamente definiriam o eleito à empreitada. Teremos um caso de maquiagem em substituição à explicitude de Orlando Morando? 

Mais ainda: que andorinha seria exatamente essa? Seria a extensão dos interesses específicos do novo prefeito dos prefeitos, representando, portanto, a porção de Santo André na revoada coletiva dos pássaros que sugere sincronismo coletivismo jamais praticado? 

Presidencialismo nocivo 

A história prova que tradicionalmente o prefeito no comando do Clube dos Prefeitos não contou jamais com a colaboração dos demais chefes de Executivos. A formalidade de um regime presidencialista supera a subjetividade implícita de colegiado. Sem essa correção de rota, o resto será perda de tempo. 

Orlando Morando deixou o Clube dos Prefeitos depois de dois anos de estragos sugerindo que vai ficar para a história porque reduziu drasticamente os custos. As prefeituras deixaram de contribuir com 0,5% da Receita Liquida e passaram a colaborar com 0,17%. 

Veja a que ponto chegamos: o orçamento que deveria ser elevado criteriosamente, com plano ousado, foi reduzido drasticamente por causa de operações medíocres. 

Louva-se inadvertidamente a política suicida de contenção de gastos numa região que só de funcionalismo público na ativa, sem contar encargos sociais, custa mais de R$ 200 milhões a cada 30 dias. Esse número foi retirado da soma dos salários de 49 mil servidores municipais em dezembro de 2017.  São os dados mais atualizados do Ministério do Trabalho. 

Ou seja: gasta-se com salários do funcionalismo público da região mais de R$ 1,6 bilhão por ano, enquanto uma organização que deveria aparelhar-se para reagir a uma trajetória de decadência econômica alarmante, como mostramos nos dois últimos dias, entre tantos textos já publicados, a reserva de R$ 16 milhões anuais é considerada satisfatória. 

Assessoria especializada 

A longa experiência no acompanhamento do Clube dos Prefeitos me autoriza a dizer que o receituário pretendido por Paulinho Serra a partir de um secretário-geral concursado que entenda de regionalidade não passa de marketing de primeiros socorros. 

A politização desse cargo nas últimas temporadas chegou ao extremo da desfaçatez. Orlando Morando usou e abusou ao nomear gente de sua confiança, mas cujas atividades regionais jamais se relacionaram com a complexidade desse guarda-chuvas de desafios. 

Se me fosse solicitada uma proposta com apenas uma medida, uma medida central, para dar o pontapé inicial transformadora do Clube dos Prefeitos, jamais apontaria a contratação de um secretário-geral como pedra de toque à mobilização da sociedade. 

O ponto central é a contratação de uma consultoria especializada em competitividade, a quem seria delegada a responsabilidade de administrar o dia a dia. Os prefeitos, sempre ocupados com o próprio território, formariam espécie de Conselho de Administração. 

Sem a profissionalização do Clube dos Prefeitos a partir de pressupostos econômicos, claramente com repercussões sociais, teremos mais enrolação e menos resolução. 

Ou seja: o novo prefeito dos prefeitos começará o mandato de forma equivocada. A consultoria especializada sugerida aqui precisaria de iniciais cinco anos de contrato para dar o destino que a região insiste em desdenhar. 

Contraponto de Auricchio 

A projeção de que teremos apenas 5% do PIB da Região Metropolitana de São Paulo em 2030 (hoje contamos com 10,11% e em 2002 tivemos 13,29%) mostra o quanto caminhamos para os limites do desesperador. Chega, portanto, de amadorismo e de voluntarismo. 

Será que o pior colegiado de prefeitos que já tivemos no Clube dos Prefeitos reagirá a ponto de dar uma reviravolta na situação em que nos encontramos? Duvido.

Para completar, vou escrever semana que vem sobre o artigo assinado e as declarações do prefeito de São Caetano, José Auricchio Júnior. Ele discorreu sobre a reestruturação do Clube dos Prefeitos na mesma edição do anúncio da nova direção da entidade. Auricchio apresentou uma proposta que não é inteiramente novidade, embora seja interessantíssima, além de revelar, entre outros pontos, um conflito de entendimento em relação ao que pretende Paulinho Serra. 



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