Além de Estratégias de Desenvolvimento de Cidades conduzidas em países subdesenvolvidos com o suporte da Cities Alliance, o seminário internacional serviu de vitrine para experiências de desenvolvimento econômico promovidas por agências regionais no Primeiro Mundo. A mais inspiradora para o Grande ABC das ações no Primeiro Mundo foi a apresentada pelo italiano Luigi Vimercati, presidente da Agenzia Sviluppo Nordmilano (Agência de Desenvolvimento do Norte de Milão). Afinal, assim como o Grande ABC, a localidade milanesa passou por agudo processo de desindustrialização com graves efeitos sociais e econômicos. As ações e os resultados da reconversão econômica alcançada pelos italianos representam uma bússola para lideranças do território brasileiro mais afetado pela globalização.
A região formada pelos municípios de Sesto San Giovani, Bresso, Cinisello Balsamo e Cologno Monzese foi um dos principais pólos das indústrias mecânicas e siderúrgicas italianas até meados da década de 70. As quatro principais indústrias pesadas de Sesto San Giovanni empregavam 29.540 trabalhadores em 1951: 11,6 mil trabalhavam na Breda, 7.670 na Falck, 5.270 na Erco e Marelli e 5,1 mil na Magneti Marelli. O número representava cerca de 15% da população regional, que girava em torno de 200 mil habitantes -- hoje são 234 mil. "Naquela época de emprego industrial farto, o modelo fordista prevalecia" -- comentou Luigi Vimercati, referindo-se ao conceito de divisão do trabalho responsável por saltos expressivos de produtividade nos primórdios da Revolução Industrial.
O norte de Milão começou a sofrer com a crise da indústria pesada a partir da segunda metade da década de 70. O desfecho foi o fechamento de fábricas da Falck em 1996. "A desindustrialização gerou efeitos negativos nos âmbitos social, econômico, ambiental, urbano e cultural. O desemprego chegou a 10% em 1997" -- lembrou o presidente da agência italiana, cujos mantenedores são os quatro municípios envolvidos, a Província de Milão, equivalente ao Estado brasileiro, além de empresas.
Além de ceifar milhares de empregos, a crise industrial que se abateu sobre o norte de Milão gerou outro resultado visível que habitantes do Grande ABC conhecem bem: sucateamento de galpões e áreas anteriormente ocupadas por indústrias. "Ao final do processo de desindustrialização restaram três milhões de metros quadrados de ex-áreas industriais" -- expôs Luigi Vimercati. A agência de desenvolvimento foi criada em 1996 para estimular a regeneração do tecido produtivo esgarçado com o declínio das indústrias tradicionais. "Precisávamos transformar crise em oportunidade; promover a transição do modelo fordista para a industrialização em novas bases" -- lembrou o presidente.
Com suporte financeiro da União Européia, a agência estruturou um Centro de Inovação em Negócios voltado a duas vertentes de desenvolvimento econômico sustentável: estímulo à criação de incubadoras de base tecnológica e suporte aos pequenos e médios negócios. Galpões deixados por grandes empresas mecânicas e siderúrgicas foram reocupados com incubadoras de base tecnológica e com condomínios industriais de pequenas e médias companhias formadas a partir da mão-de-obra desempregada nas grandes indústrias e reciclada por programas concebidos pela agência de desenvolvimento. Num galpão de 33,6 mil metros quadrados desocupado pela Falck foram criadas 21 empresas com 454 empregos. Em outro espaço de 12,9 mil metros quadrados deixado pela Breda funcionam mais 26 empresas que acolhem 140 funcionários.
"Fomentamos o surgimento de incubadoras em áreas novas como a de produtos multimídia, ao mesmo tempo em que investimos na reindustrialização com empresas de pequeno porte" -- aponta Luigi Vimercati.
Alta tecnologia -- Paralelamente aos esforços de valorização das pequenas e médias empresas locais, a Agência de Desenvolvimento do Norte de Milão estruturou plano estratégico para tornar a região atrativa a grandes empresas de comunicação e alta tecnologia. Além de sublinhar aspectos vantajosos para chamar a atenção de potenciais investidores, como estrutura de transportes, sistema viário e mão-de-obra em reciclagem, o plano estratégico contemplou interferências urbanísticas voltadas à melhoria da qualidade de vida. "Foram criados quatro parques que totalizam cinco milhões de metros quadrados" -- exemplificou Luigi Vimercati.
As principais organizações atraídas para a região foram Oracle, Epson, a ABB e a segunda principal empresa de telefones da Itália. "Só o quartel-general da ABB sediado em Sesto San Giovanni tem mil empregados" -- citou Luigi Vimercati. Os argumentos para atrair empresas foram relacionados às chamadas vantagens locacionais competitivas. Na Itália, prefeituras e províncias não podem seduzir empresas com incentivos tão comuns no Brasil da guerra fiscal. "A União Européia não permite a utilização de benefícios fiscais" -- explicou.
Outra diferença da experiência italiana em relação ao Grande ABC é que a reconversão econômica sempre esteve subordinada à reindustrialização em bases mais modernas. Em nenhum momento foi cogitada a reposição industrial com o incremento do comércio e da prestação de serviços, até porque a margem de autonomia do grande comércio na Itália é bem mais reduzida que no Brasil. "Na região norte de Milão existem apenas dois grandes centros comerciais, e bastam. Restringimos para não afetar o pequeno varejo, que é o coração das cidades, mas também para poder destinar áreas deixadas por indústrias às pequenas empresas e atividades econômicas no campo das novas tecnologias" -- explicou Luigi Vimercati.
Um dos principais sinais da recuperação do norte de Milão está no índice de desemprego, de apenas 4,7%. A proporção equivale a menos de um quarto da força de trabalho ociosa na Região Metropolitana de São Paulo, em torno de 20%. Mas há outros indicadores de que o norte de Milão atingiu modelo produtivo mais saudável do que nos tempos das grandes indústrias mecânicas e siderúrgicas. Luigi Vimercati falou com orgulho que a economia da região é caracterizada por empresas de pequeno porte -- 95% têm menos de 10 empregados -- porém com alto nível de know-how e capacidade para converter informação em conhecimento. "Além disso, a economia é diversificada e marcada por novos tipos de trabalho e de contratos de trabalho" -- disse.
Mas a travessia não foi calma: "No início, foi um desafio explicar aos cidadãos que a era industrial da forma que conhecíamos havia terminado e que, portanto, era necessário preparar-se mentalmente para um outro mundo, o mundo do empreendedorismo" -- lembra Vimercati. "É importantíssimo reconhecer o problema e ter uma visão positiva, não só de defesa do passado" -- aconselhou.
O norte de Milão ressurgiu em novas bases sem renegar a importância do passado dourado dos tempos em que grandes indústrias representavam os poucos pilares de sustentação da economia regional. Prova disso é que criou o Museu do Trabalho e da Indústria em Sesto San Giovanni, em espaço que antes acolhia instalações industriais. "O museu mostra a história do trabalho na região durante o século passado. São objetos, máquinas e imagens que evidenciam o trabalho árduo porém apaixonado ao qual a comunidade sempre se dedicou" -- explicou Luigi Vimercati.
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