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Veja como encontrei o Diário que
Ronan Pinto comprou em 2004 (28)

DANIEL LIMA - 10/05/2019

Naquela 6 de julho de 2004, então na função de Ombudsman do Diário do Grande ABC (único na história daquela publicação), repassei aos diretores, acionistas e lideranças de departamentos o penúltimo capítulo do Planejamento Editorial Estratégico. Preparei o material pouco tempo antes como instrumento de navegação à frente do Diário do Grande ABC, como diretor de Redação, posto que assumi logo em seguida, ainda em julho daquele 2004. 

Tratei naquela edição da newsletter OmbudsmanDiário do que chamei de conteúdo com valor agregado no principal produto daquela empresa, ou seja, a edição diária do jornal. Acompanhem o capítulo.

Edição número 27 

Um dos maiores desafios do jornalismo diário moderno -- e essa batalha tem sido frequentemente um terror para os editores -- é escapar das armadilhas preparadas pela associação do despreparo crítico da maioria dos jornalistas e o apurado senso oportunístico de fontes de informação. É inconcebível que as redações estejam tão vulneráveis para o enfrentamento -- é mesmo enfrentamento, tantos são os interesses -- do jogo de sedução, de manipulação, de esquisitices que permeia o cotidiano informativo. No livro "Meias Verdades" aprofundo-me sobre o assunto, mas não poderia deixar de testemunhar preocupação em desbaratar os arrivistas que tanto estão comodamente instalados nas trincheiras de redação quanto nas fortalezas das fontes de informação. Uma evidente inversão de papéis quando se tem o público consumidor como maior interessado no assunto, já que as fortalezas de cuidados deveriam estar nas redações e os interesseiros manipuladores do outro lado, como interlocutores de jornalistas. 

De maneira geral -- e o Diário do Grande ABC consegue infringir a regra ao acentuar ainda mais suas fissuras -- os jornais diários são estrepitosamente ludibriados por muitas fontes. Por isso, não se pode abdicar, de forma alguma, de suporte informativo próprio. Os arquivos precisam ser utilizados com muito mais frequência e meticulosidade. É premente que se desconfie de fontes oficiais, de órgãos públicos vinculados ao governo de plantão, e também de entidades empresariais. Indignado com tantas trambicagens, criei o IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos) com um grupo de profissionais de diferentes atividades e cuja essência é desvendar os números mais próximos das necessidades de referências gerenciais dos Executivos e Legislativos do Grande ABC. 

Firmar postura de desconfiança dos informantes e, mais que isso, de irreversível consulta aos arquivos, é um desafio às redações. De maneira geral, há preguiça em vasculhar informações suplementares no banco de dados porque nem sempre o terminal de computador é o caminho mais curto entre uma dúvida e uma certeza. A localização da área de arquivos, geralmente distante do front das notícias, inibe ainda mais a sede de complementaridade. Na Editora Livre Mercado implantamos arquivo de mais de mil pastas de temários que vão de Administração Pública a Zoologia. E, mais que isso, adotamos práticas jornalísticas de identificação do material, o que nem sempre é levado em conta nas redações de jornais diários porque nem todos os arquivistas têm a intimidade de quem lida com a notícia. 

Um exemplo: será que a localização da pasta das visitas oficiais do governo Lula da Silva ao Grande ABC está à mão num piscar de olhos na estrutura funcional do jornal? Qual seria a identificação que possibilitaria ao jornalista interessado em consultar rapidamente o material? Na Editora Livre Mercado temos uma pasta específica para o assunto. Chama-se Lulacá, inspirada na Reportagem de Capa de novembro de 2002, quando essa expressão foi cunhada pela revista. Pedir a pasta Lulacá significa não mais que 30 segundos para o pleno atendimento. Não é porque seja uma publicação mensal que a revista da Editora Livre Mercado se deixou levar pela letargia. O conceito que arraigamos em nossa equipe é simples: uma revista de qualidade e sem grandes atropelos de fechamento editorial se faz entre outras condições trabalhando-se no mesmo ritmo a cada novo dia. Deixar para a última semana seria um crime contra os leitores. A última semana é para os fatos da última semana. As três semanas anteriores são para os fatos das três semanas anteriores. Elementar. 

Outros exemplos poderiam ser citados. Confesso que desconheço peculiaridades dos arquivos do Diário do Grande ABC, tanto o material quanto o digital, mas desconfio de que não sejam integralmente adaptados à praticidade do dia-a-dia. Está aí algo que deveremos conhecer pessoalmente. Embora não seja prioridade das prioridades, deverá ser motivo de preocupação porque tem importância destacada na política editorial de se sair da superficialidade. 

Um exemplo de pontualidade de informações: quando um dirigente de entidade empresarial afirma ao jornal que as vendas do varejo vão crescer tantos por cento em determinado período -- e isso é comum no jornalismo marqueteiro que se dobra às fontes de informações igualmente marqueteiras -- é fundamental que se recorra aos arquivos e se aponte o comportamento do setor nos últimos períodos. A ponderação é mais que obrigatória para retirar dos ombros da publicação as declarações de terceiros. Os leitores atribuem ao jornal e não aos entrevistados boa parte do conteúdo impresso. Por isso o jornalismo diário sofre consequências de critérios nada éticos e estritamente covardes de uma neutralidade que só não é apenas mentirosa porque também é preguiçosa. 

O jornal tem, portanto, obrigação de interpor-se no noticiário entre uma versão rocambolesca de fontes de informação desonestas e a realidade dos fatos, sem que isso fira minimamente o conceito de imparcialidade. Aliás, é em nome desse mesmo conceito que o jornalista bem informado tem obrigação de agir. Não se trata de desqualificar e atirar ao lixo a informação incorreta, mas de introduzir no corpo da matéria, de forma interpretativa, o que de fato se está passando na atividade tão barulhentamente festejada. Esse tipo de intervenção ainda é exceção à regra no jornalismo diário porque todos se repetem nos erros, com menor ou maior gravidade. Mas haverá de se tornar rotina quando se abandonarem as estruturas burocráticas que privilegiam os meios e se sacrificam os fins, ou seja, se valorizam os profissionais que não lidam diretamente com a informação e se discriminam aqueles que estão na linha de fogo. 

Tudo isso parece simples, é verdade, mas dado o feixe de conservadorismo e burocratismo nas redações, leva tempo para correções sem que recaídas não voltem a atrapalhar. A terapia do valor agregado no noticiário é sacerdócio que precisa ter a participação de todos. Na Editora Livre Mercado, resolvemos espalhar cartazes em defesa da consulta aos arquivos. Nenhum de nossos jornalistas se dirige ao computador sem se dar conta de que à frente, na parede, há um aviso destacando o papel dos arquivos. Não fosse isso suficiente, reiteramos a pregação nas reuniões e também nas próprias incursões que fazemos frequentemente no setor. Tomamos todas as medidas motivacionais necessárias para impregnar no grupo a diferença entre uma matéria comum, do cotidiano, e uma matéria aprofundada. 

Quando se escreve sobre a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, por exemplo, é inquestionável que as pastas de arquivo estejam acessíveis para o confronto das possíveis novidades em relação a tudo o que já foi publicado. Por mais que o especialista no temário tenha um mundo de informações na memória, nada substitui o manusear de recortes de jornais e revistas. Nesse caso e em tantos outros, o que geralmente ocorre é que o informante de hoje quer esconder a informação frustrada de ontem. Não lhe convém expor as dobras de gordurinha do ufanismo de ontem. No caso específico da Vera Cruz, o que temos aí não é nem mesmo mais aquela companhia que durante cinco anos fez furos no cinema nacional. Da desativada Vera Cruz só temos, de fato, galpões reformados e uma ampla área originalmente frequentada pelas galinhas do magnata Cicillo Matarazzo. 

Jornalismo com valor agregado é aquilo que os leitores muitas vezes não percebem, mas que faz a diferença entre a notícia chula e a notícia rica. Se os leitores demoram para perceber quando se tem uma informação mais preciosa, contrariamente a isso eles são rapidíssimos em identificar a ausência de qualificação. Sobremodo quando um outro produto lhe oferece o contraponto. E é exatamente esse outro produto -- que precisa ser o jornal da casa, não dos adversários -- que temos de construir. 

Não aceito matéria-commodity. Tamanho não é documento quando se trata de qualidade. É possível reunir em 20 curtas linhas um manancial de informações que a abundância de 200 linhas seria incapaz de pontificar. O segredo é a metodologia. A combinação de profissionais insaciáveis e desconfiados com um arquivo célere, pragmático, que não frustre tentativas de valorização do produto, torna-se, portanto, vital à empreitada. Para azar os deformadores do conceito de informar.



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