O ainda tímido comprometimento das universidades do Grande ABC com a realidade regional produz saudável exceção nas salas de aula do Centro Universitário Uni-A. As turmas de comércio exterior da instituição de ensino de Santo André foram desafiadas em 2003 a completar o conhecimento teórico com pesquisa de campo para conhecer como as sete cidades da região percorrem os caminhos da importação e exportação. A empreitada, denominada Novos Caminhos Para o Grande ABC, colocou os estudantes diante de um mundo não exposto nas páginas de apostilas e livros e trouxe a certeza de que a valorização profissional e a consequente possibilidade de conseguir emprego na área têm de ser construídas ainda nos bancos escolares.
Se a pesquisa fosse titulada por meio de linguagem coloquial, a saudação Muito prazer, comércio exterior! cairia como luva. Em apenas uma semana de rua, tempo de duração da coleta de dados, foi possível recolher subsídios que ajudarão os futuros profissionais a compreender com mais precisão a distância entre o sonho do recém-formado e a prática do mercado. Os próprios alunos garantem que os sete dias de rua equivaleram a praticamente mais um semestre na sala de aula. "Os alunos quase sempre chegam à universidade com pouco conhecimento da realidade" -- testemunha o professor e coordenador adjunto da área de ciências sociais aplicadas, Antonio Nelso Ribeiro.
O projeto é espécie de laboratório de regionalidade que envolve 100 alunos de diferentes semestres e demora no mínimo um período letivo para ser concluído. Divididos em grupos, eles visitaram 15 empresas nas sete cidades para saber basicamente se exportam, como exportam e o que exportam. Também foram até as prefeituras conhecer ações públicas voltadas ao comércio exterior, como a Casa do Mercosul em São Caetano e o programa de exportação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Mauá, cujos resultados ainda são pontuais. Depois arriscaram sugestões para cada uma das cidades.
A maioria do diagnóstico é conhecida e prevê o incremento da indústria do plástico em Mauá e um centro de excelência de cosméticos em Diadema, entre outros caminhos frequentemente indicados para combater as perdas industriais e econômicas. "As Prefeituras podem ajudar os empreendedores locais a descobrir mercados inexplorados" -- pensa Rainusa Lino, do quarto semestre. "E precisam fornecer dados mais precisos sobre a economia das cidades" -- emenda Ágata Jasmim, também do quarto semestre.
Amostra real -- A pesquisa de campo realizada pelos alunos da Uni-A forneceu amostragem insuficiente para formular conclusão científica, mas os resultados ajudam a desvendar a face oculta daquilo que as estatísticas costumam festejar. Enquanto o Brasil atingiu em 2003 o maior volume de exportações da história, com mais de US$ 73 bilhões, e espera aumentar a cifra em 10% neste ano, os estudantes de Santo André encontraram no Grande ABC empresas totalmente despreocupadas com a profissionalização e mesmo com a criação de departamentos de comércio exterior. Ou outras que importam insumos mas desconhecem -- ou desconheciam até a visita dos estudantes -- benefícios legais como a possibilidade de manipular esses componentes em áreas alfandegadas sem recolher impostos de internação.
"Falta noção de custos, do processo burocrático e das particularidades que envolvem o comércio exterior, principalmente nas pequenas e médias empresas. Algumas acreditam que basta fabricar um bom produto para se estar apto a exportar" -- espanta-se o estudante do oitavo semestre Valter Zapparoli. "Será que nossa futura profissão vai ser bem entendida lá fora?" -- preocupa-se Rogério Rizzo, do sexto semestre.
A inquietação do estudante está diretamente relacionada à preocupação de transformar o diploma superior em passaporte imediato para o emprego. Por enquanto, os estudantes da Uni-A não podem animar-se em demasia com o que encontraram, apesar de as expectativas macroeconômicas continuarem positivas para o comércio exterior em 2004. No entanto, não há garantias de que o crescimento do setor será consolidado nem previsão da criação de novas vagas, quadro que restringe as oportunidades profissionais às grandes companhias com tradição em negócio internacional.
Mesmo assim, a Uni-A espera colocar em prática a parte mais ousada do Novos Caminhos Para o Grande ABC. A instituição almeja juntar a academia, o poder público e a iniciativa privada em torno da criação do Cilt (Centro Internacional de Logística e Tecnologia). O professor Antonio Nelso Ribeiro, que também é um dos fundadores do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), já tem em mãos o esquema dessa espécie de porto seco industrial que agregaria as Eadis (Estações Aduaneiras do Interior) já existentes em plataforma de montagem de componentes e produtos das mais diversas cadeias produtivas, com ênfase em empresas de tecnologia da informação. No papel, os números são animadores e mostram que o porto seco dobraria o PIB regional e traria 100 mil empregos diretos em 20 anos. "Se não partirmos para ações efetivas, onde nossos jovens vão buscar os empregos?" -- preocupa-se o acadêmico.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!