Sociedade

Diário versus Morando ainda
não é briga de foice no escuro

DANIEL LIMA - 10/06/2019

Tudo bem que ainda não é uma briga de foice no escuro, mas a guerra entre o Diário do Grande ABC e o prefeito Orlando Morando ou entre o prefeito Orlando Morando e o Diário do Grande ABC está mesmo a caminho de uma ruptura irreversível.

Ou estarei enganado quando afirmo que, ao chegar a determinado ponto, uma guerra torna mais difícil o caminho da trégua e, em seguida, de entendimento?

Quem está ganhando com isso é o petista Luiz Marinho, candidato a voltar ao Paço de São Bernardo nas eleições do ano que vem e que até outro dia era desafeto do jornal. Um desafeto com certo grau de relatividade, claro. Como Orlando Morando era próximo do jornal também com elevadíssimo grau de relativismo.

Pegando carona, como sempre o faz na disputa pelo poder em São Bernardo, está o deputado federal Alex Manente. Ele, eterno candidato a prefeito que sempre encontra um jeito de se dar bem mesmo nas derrotas, voltou às páginas do Diário do Grande ABC.

Ação de oportunidade

Alex Manente dá pitacos até então insuspeitos sobre um dos panos de fundo na disputa entre o jornal e o prefeito Morando: o trecho de 15 quilômetros do monotrilho que o governo João Doria pretende transformar em BRT não porque prefira uma tecnologia à outra; o tucano quer apenas e simplesmente se livrar dos federais de olho no emaranhado de documentos que lastreiam a licitação vencida pelo Consórcio Vem ABC, especificamente quanto às desapropriações que hoje chegariam a mais de R$ 1 bilhão.

O Diário do Grande ABC não é diferente da maioria dos veículos de comunicação, sobretudo jornais, ao lançar mão de desafetos e mesmo de inimigos circunstanciais ou históricos para espicaçar terceiros com os quais mantinha laços aparentemente fraternos.

A enxurrada de matérias que o Diário do Grande ABC vem publicando desde a segunda quinzena de maio contra a Administração de Orlando Morando não é combustão espontânea. É o que chamaria de senso mais apurado e crítico da gestão do tucano que, até outro dia, vivia sob a sombra e a água fresca de ventos a favor.

O déficit de atenção à atuação da administração do tucano em São Bernardo agora se transformou em sensibilidade à flor da pele, numa operação compensatória que para a maioria dos leitores coloca a publicação no ponto exato da independência editorial. A memória curta é um substrato da ignorância em forma de cidadania em frangalhos.

Medindo forças

A medição de forças colocada diariamente nas páginas do Diário do Grande ABC tem não só como pomo da discórdia a disputa pela manutenção do sistema de monotrilho para o traçado que uniria em logística de interesse da população a Estação Tamanduateí e mais de uma dezena de postos de embarque e desembarque distribuídos entre São Caetano, Santo André e São Bernard. Entra no enredo também a riquíssima conta do suprimento do transporte coletivo de São Bernardo, há muito tempo sob controle do grupo empresarial de Beatriz Braga. Uma coisa está ligada à outra e as duas significam muito, mas muito dinheiro.

O ingresso do petista Luiz Marinho na massa crítica favorável à manutenção do monotrilho como modal do traçado da Companhia do Metrô sinaliza a configuração de duas vertentes não conciliáveis, entre dezenas de testemunhos diversos que o Diário do Grande ABC amealha em defesa da licitação vencida pelo Consórcio Vem ABC.

A primeira leitura obrigatória é que o jornal não poupará esforços (aliás, como não tem poupado) para enviar ao governo do Estado o quanto está disposto a ir às últimas consequências em defesa do monotrilho.

A segunda leitura também obrigatória é que o jornal teria recebido mensagens diretas ou subliminares de que já perdeu a disputa pelo monotrilho e, portanto, vai para tudo ou nada.

Morando defende monotrilho

De relações rompidas com a Administração de Orlando Morando, cuja máquina de distribuir notícias está cerceada à Redação do Diário do Grande ABC, o jornal reproduziu na edição de sexta-feira, 7 de junho, uma entrevista do prefeito ao programa “Ligado no Matarazzo”, apresentado por Andrea e Claudia Matarazzo na Rádio Capital.

A síntese do posicionamento de Orlando Morando foi reproduzida com certo destaque num subtítulo da página de Setecidades: “O grande desejo é o monotrilho, diz Morando”. Leiam algumas declarações do prefeito à emissora, conforme reproduziu o Diário do Grande ABC: 

 Já está comprovado que o transporte coletivo sobre pneus está saturado. Tudo que for ônibus está saturado. O Metrô e os monotrilhos são sim, indiscutivelmente, as melhores alternativas”. (...). “O grande desejo é o monotrilho, o mais claro. Até porque, se tiver uma mudança e não for o monotrilho, São Bernardo precisa ser indenizada porque o projeto funcional foi pago pela Prefeitura”.

Arte da dissimulação?

O que causou estranheza nas declarações de Orlando Morando é que supostamente o traçado do monotrilho não seria o peso maior nas desavenças com o Diário do Grande ABC, publicação que o procurou durante os últimos meses para tratar do assunto, do qual sempre se esquivou --- segundo relato do próprio jornal.

Ora, se não houvesse discordância quanto ao modal, por que então o jornal e o prefeito teriam rompido? Por que, então, jamais o prefeito se pronunciou ao jornal favorável à manutenção da licitação vencida pelo Consórcio Vem ABC? Uma avaliação preliminar daria conta de que Orlando Morando já estaria preparando um terreno de aproximação com o jornal.

Outra avaliação deriva para a possibilidade de que Orlando Morando já teria conhecimento das possibilidades de o monotrilho virar pó por conta de custos exorbitantes das desapropriações. Com isso, o prefeito abriria uma porta para, na sequência, lamentar a mudança do sistema de transporte que atenderia o traçado já definido. O governo João Doria recorreria ao BRT como forma compensatória a uma situação de emergência política e criminal.

Circuito de irregularidades

Ou seja: interromperia o circuito de irregularidades deixadas pelos antecessores no Palácio dos Bandeirantes, com os quais têm relações protocolares apenas, e para arrematar encaixaria o traçado numa bitola financeiramente mais compatível com os tempos de recessão.

Esses cenários contêm ingredientes especulativos, sem dúvida, mas é o que resta a fazer quando as partes procuram agir como os grandes campeões de carteados, cuja especialidade é a dissimulação.

E é claro que não faltaria na engrenagem de suposições a dinheirama que representa a licitação de transporte público em São Bernardo, há muito tempo sob o controle do grupo de Beatriz Braga, além do próprio traçado do trólebus, também sob o controle da empresária. Em conflito com a própria história, Diário do Grande ABC decidiu nos últimos tempos publicar matérias críticas à qualidade de atendimento aos usuários.

Cronologia de junho

Vou reproduzir na sequência as manchetes de páginas internas, de primeira página e também de editoriais mais relevantes publicadas neste junho nas páginas do Diário do Grande ABC.

A medida tem imenso valor editorial porque há determinadas camadas de eleitores que só acreditam em determinadas reflexões quando acompanhadas de provas materiais.

Chegamos a um estágio de descrença ou de ceticismo na avaliação de veículos de comunicação (todos, todos, sem exceção) que não existe outro caminho senão provar e provar sempre o que se interpreta além das linhas convencionais.

Aliás, no caso envolvendo Diário e Orlando Morando, os leitores somente tomaram e continuarão a tomar conhecimento dos entreveros nesta publicação. Os demais veículos, por comodismo, corporativismo, covardia ou qualquer outra coisa preferem ficar na moita. Quem fica na moita diante de questão tão relevante não é necessariamente portador de conhecimentos que exigem compartilhamento com a sociedade.

Sim, a briga entre Orlando Morando e o Diário do Grande ABC é relevante, muito relevante, porque estamos tratando do prefeito da Capital Econômica do Grande ABC e do veículo de comunicação mais tradicional (embora longe de ser o melhor nos últimos 30 anos) da região. O interesse público se alevanta. Vamos então à cronologia de junho.

 Dia 1º de junho – “Mudanças viárias provocam reclamação na Rua dos Vianas”, manchete principal da página de Setecidades.

 Dia 2 de junho – “S. Bernardo entrega duas das 20 creches prometidas para 2 anos”, manchetíssima (manchete das manchetes) da primeira página.

 Dia 2 de junho – “S. Bernardo promete 20 creches em 2 anos, mas entrega somente duas”, manchete principal de Setecidades.

 Dia 4 de junho – “Para Alex Manente, discussão da Linha 18 tem de ser transparente”, manchete principal da página de Política/Regional/Nacional/Internacional.

 Dia 6 de junho – “Petista admite ser candidato ao governo local em 2020”, sub-manchete da página de Política, referindo-se a Luiz Marino, em breve entrevista.

 Dia 6 de junho – “Ex-prefeito admite disputa em 2020”, manchetinha de primeira página, referindo-se à entrevista com Luiz Marinho.

 Dia 6 de junho – “Usuários reclamam de corredor do Assunção”, manchete principal de Setecidades.

 Dia 6 de junho – “Suspeita de ilegalidades leva Prefeitura a revogar licitação”, sub-manchete da mesma página de Setecidades.

 Dia 7 de junho – “Entregue há um ano, terminal no Alvarenga está subutilizado”, manchete principal de Setecidades.

 Dia 7 de junho –“Inaugurado há 1 ano, terminal de 10 mil m2 só opera 3 linhas”, manchetinha de primeira página, com destaque em fundo azul.

 Dia 8 de junho – “No Rudge Ramos, corredor de ônibus tem atraso de 6 meses”, manchete principal de Setecidades.

 Dia 8 de junho – “S. Bernardo atrasa entrega do Corredor Rudge Ramos” – manchetinha de primeira página com destaque do fundo azul.

 Dia 8 de junho – “Licitação dos transportes não exige contrapartida estrutural” – título suplementar ao da página principal de Setecidades.

 Dia 8 de junho – “Oportunidade perdida”, título do Editorial à página 2, referindo-se ao Corredor de Rudge Ramos.

 Dia 9 de junho – “Apostar no BRT é retrocesso impensado, afirma Marinho” – manchete principal da página de Política.

 Dia 9 de junho – “Marinho classifica de retrocesso troca de projeto original do Metrô pelo BRT”, manchetinha discreta de primeira página.



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