Há uma guerra declarada entre moradores e investidores do condomínio Marco Zero e a Construtora e Incorporadora MBigucci. A importância do caso geograficamente localizado em São Bernardo vai além de suposto entrevero jurídico entre uma empresa do mercado imobiliário e os ocupantes das torres empresariais e residenciais. É um enredo que deve interessar a todos que querem ver um Grande ABC diferente. Até porque está sendo levado ao Ministério Público Estadual e ao Procon.
O empreendimento tem um passado e um presente que simbolizam muito mais que críticas ao modus operandi da MBigucci. Trata-se de conglomerado econômico cujo comandante dirigiu o Clube dos Construtores do Grande ABC durante um quarto de século e atualmente é presidente do Conselho Deliberativo da entidade.
Como dirigente do Clube dos Construtores, Milton Bigucci se especializou em industrializar fraudes estatísticas para inflar o mercado imobiliário regional. Caiu na própria armadilha. O Marco Zero tem vacância superior a 60%. Ou seja: é um dos micos imobiliários do Grande ABC.
Descompasso previsível
Prevíamos essa situação de descompasso entre oferta abundante e demanda em retração ao combater as numeralhas enfeitadíssimas divulgadas sistematicamente pelo então dirigente do Clube dos Construtores. Ao ser substituído na entidade, o novo presidente, Marcus Santaguita, desativou a central de mentiras estatísticas.
Mais abaixo os leitores poderão avivar a memória ou tomar conhecimento do histórico do Condomínio Marco Zero. O que importa de imediato é reproduzir o e-mail que CapitalSocial recebeu de um dos representantes dos revoltosos moradores e investidores desse empreendimento localizado na esquina da Avenida Senador Vergueiro e Avenida Kenedy.
O Marco Zero foi transformado pela MBigucci em joia da coroa de investimentos na região. Quem diria que se tornaria um gigantesco problema? Talvez não haja surpresa nessa constatação, como verão os leitores mais adiante.
Repasso, com supressões de identidades dos reclamantes, o e-mail enviado ontem a esta revista digital. Não se trata apenas de um relato. Encaminhou-se também a este jornalista um pacote de documentos que dão sustentação às denúncias. Acompanhem os pontos mencionados.
Apresentação da denúncia
“(...). Desde a entrega do empreendimento, em fevereiro/2018, temos sido forçados pela construtora a pagar despesas não previstas, aceitar fornecedores não escolhidos em assembleia, aceitar sindico profissional indicado por ela e que defende apenas os interesses da construtora. Temos comprovante de todas as irregularidades, porém a MBigucci (que ainda tem a maioria das unidades em seu nome), usa seu poder de veto e nos impede de contratar um advogado para procurarmos os nossos direitos. Depois da apropriação do caixa do condomínio pela administradora, contratamos um advogado à revelia da construtora para recuperar o dinheiro, e ela tem nos intimado a cancelar o contrato, pois não quer estar sujeita a processo. Também não conseguimos que o advogado os processe, pois depende de procuração do sindico, e este está com a construtora e não conseguimos destitui-lo. Antes da apropriação do dinheiro do caixa do condomínio pela administradora, já desconfiávamos dela e solicitamos a transferência do saldo para uma conta externa do condomínio; porém sempre negada. Todos os comprovantes estão anexados a este e-mail. (...). Abaixo detalhe do ocorrido até o momento.
Fato 1 - Fevereiro/2018 - Instalação do condomínio
Na assembleia de instalação do condomínio, foram apresentadas as empresas administradoras do condomínio, portaria e limpeza, zelador e sindico. Digo apresentadas, porque os moradores não puderam opinar sobre qual empresa ou sindico contratar: todos já foram definidos e contratados pela construtora antes da instalação e, portanto, apenas ratificados na assembleia. Tais empresas escolhidas pela construtora geraram muito prejuízo ao condomínio.
Fato 2 - Fevereiro/2018 - Despesa surpresa (item crítico)
Durante a assembleia de instalação, a construtora apresentou uma conta e solicitou reembolso dos condôminos de aproximadamente R$ 576.000,00 (Quinhentos e Setenta e Seis Mil Reais) divididas em 36 parcelas de R$ 16.000,00 relativos a reembolso com infraestrutura de Eletropaulo e Sabesp. Isso mesmo: parte do custo que teve para construir o prédio foi repassado aos compradores após a entrega. Ao ser questionada, alegou que o reembolso estava previsto na cláusula XIII, item 1, subitem D do contrato de compra e venda.
De fato, essa cláusula existe; porém, a mesma cláusula diz que a construtora poderá cobrar reembolso de toda despesa com concessionárias de serviço público após a emissão do habite-se, e os recibos de despesas dos R$ 576 Mil são de dois anos antes da emissão do habite-se, ou seja, uma cobrança não prevista em contrato; mas a construtora cobra mesmo assim.
Fato 3 - Fev/2018 a Nov/2018 - Administradora do condomínio
A construtora escolheu e contratou uma administradora de condomínio chamada Prime, administradora essa que causou grandes prejuízos ao condomínio. Em junho/2018 fomos surpreendidos com um corte de gás por falta de pagamento. Ao questionarmos, o sindico não sabia explicar. O conselho do condomínio efetuou uma pesquisa e descobriu que a conta de gás e a conta da Sabesp não estavam sendo pagas desde fevereiro/2018, data da instalação. Também descobrimos que o fornecedor de portaria não estava recebendo, e, segundo os livros, o condomínio dispunha de um caixa de R$ 250 mi. Após o conselho pressionar o sindico por solução, todas as contas foram pagas em junho. Em novembro/2018, em uma verificação de rotina nos sites das concessionárias, o conselho descobriu que novamente as contas não estavam sendo pagas. Desta vez eram Eletropaulo e Sabesp, desde julho/2018, o que somava atraso de cerca de R$ 70 mil. Naquele momento o condomínio dispunha, segundo os livros, de caixa de R$ 400 mil.
Ao ser questionada, a administradora silenciou, parou de responder ao conselho, sumiu com os R$ 400 mil do caixa do condomínio e ainda deixou dívidas em atraso de R$ 70 mil. Imediatamente, exigimos do sindico o rompimento do contrato, e na sequência contratamos a administradora Lello, que se mostrou grande parceira. Salvou o condomínio do corte de agua e luz, pagando as contas em atraso com recursos próprios.
Fato 4 - Contratação de advogado
Como consequência do caixa do condomínio da administradora Prime, necessitávamos contratar um escritório de advocacia para buscar reparação na Justiça, entre outras questões. Entretanto, a construtora MBigucci (que ainda possui a maioria das unidades não vendidas) vetou a contratação. Alegou que não concordava com a contratação de advogado para defender todos os interesses do condomínio, mas apenas com ação única e especifica contra a administradora. Esse veto tem relação direta com o fato 2: a construtora está usando o seu poder de maioria para impedir que o condomínio questione na Justiça a cobrança do reembolso de R$ 576 mil. Esse veto está registrado em ata e foi discutido na presença da maioria dos condôminos em assembleia especifica.
Fato 5 - O Sindico
A construtora e a administradora escolheram e contrataram sindico profissional para o condomínio. Desde a posse ele se mostrou completamente omisso: não confere o pagamento das contas, não faz a conservação das áreas comuns, não fez contratos de manutenção, não faz reunião com o corpo diretivo. O conselho cobrou semanalmente reuniões mensais para análise dos livros da Prime, e o síndico sempre se esquivou. Após muita pressão marcou a primeira reunião de corpo diretivo seis meses após a entrega do condomínio, e apareceu com 10 pastas impossíveis de serem analisadas. Sua omissão nas contas teve como consequência o rombo de quase R$ 600 mil. Fora isso, após oito meses, o condomínio aparentava total abandono, com jardins mortos, 50% das lâmpadas das áreas comuns queimadas, infiltração na piscina, sujeira e diversos outros problemas sem solução. O conselho entregou uma carta de renúncia após o caso da administradora Prime, porém esse se recusa a sair e os condôminos não possuem maioria de voto para retirá-lo. Como o síndico foi indicado pela construtora, essa provavelmente não irá removê-lo. Estamos amarrados a um péssimo profissional que está quebrando o condomínio e não contamos com apoio da MBigucci para removê-lo.
Fato 6 - Contrato prestadores
Além da administradora Prime que se apropriou do caixa do condomínio e do sindico que deixou o empreendimento abandonado, a MBigucci também firmou contrato com uma empresa de serviço de portaria e limpeza. Com a nova gestão, a Lello descobriu uma nova irregularidade: aquela empresa está cadastrada no Simples Nacional, o que não é permitido para serviço de portaria. Dessa forma, expõe o condomínio a multas do fisco. Ao analisar o contrato dessa empresa e solicitar cotações no mercado, nos deparamos com duas situações. Na primeira, a construtora MBigucci firmou um contrato com permanência de três anos, com multa de 50% em caso de rescisão. Na segunda situação, a pequena empresa cobra um preço superior às maiores e mais caras empresas do mercado. Ou seja: assumindo, foi forçado um contrato de três anos com preço acima do praticado em mercado e com uma empresa que presta um serviço de qualidade ruim. Um item final: a cada dia descobrimos um fato novo. Mesmo pagando junto com o condomínio, descobrimos que o IPTU 2018 não foi pago pela administradora, pois a construtora entrou com recurso na Prefeitura, e o dinheiro que estava guardado foi apropriado pela administradora. Com isso, ganhamos mais uma dívida em aberto com a prefeitura de R$ 390 mil.
Marco Zero desde o princípio
Para completar, reproduzo uns pares de trechos de uma das matérias que publiquei nesta revista digital sobre o empreendimento Marco Zero da MBigucci. Sob o título “Dossiê Marco Zero: Bigucci seguirá impune até quando?”, de 24 de fevereiro de 2017, acredito que há informações suficientes para que se forme juízo de valor sobre se as denúncias de agora configuram acidentalidade de percurso ou são rigorosamente sintomas de um quadro compulsório:
Passados quatro anos desde que encaminhei ao Ministério Público Estadual em São Bernardo um completo dossiê da roubalheira que caracterizou o leilão de área pública arrematada pelo empresário Milton Bigucci, a pergunta que resiste é a seguinte: até quando o milionário que coleciona outras irregularidades no mercado imobiliário, entre as quais a participação na Máfia do ISS de São Paulo, ficará impune? Os leitores estão convidados a mergulhar no dossiê que encaminhei ao MP há quase quatro anos. Um robusto e bem documentado material que levou o presidente do conglomerado MBigucci a contratar a banca do advogado José Roberto Batochio para defendê-lo. Batochio é o comandante da força-tarefa de profissionais do Direito convocada pelo ex-presidente Lula da Silva por causa da Operação Lava Jato.
Agora que a Prefeitura de São Bernardo conta com novo inquilino, depois da derrota do candidato indicado pelo petista Luiz Marinho, a expectativa é de que o Escândalo do Marco Zero da Vergonha seja devidamente devassado pelo tucano Orlando Morando e encaminhado com responsabilidade social ao Ministério Público Estadual para reabertura das investigações. Ou para as devidas investigações. Obrigação a que se negou o então prefeito Luiz Marinho. Ou melhor: o petista atuou de forma tão parcial quando enganadora, omitindo informações e provas insofismáveis. Entretanto, não se deve acreditar em reviravolta motivada por ação do prefeito eleito em outubro passado. Morando e Milton Bigucci são muito próximos. Ainda nesta semana, o tucano foi o convidado de honra e fez um discurso efusivo durante evento que marcou a liberação de parte do condomínio de apartamentos, áreas comerciais e de serviços do Marco Zero da Vergonha.
(...) O Escândalo do Marco Zero da Vergonha se arrasta inexoravelmente. Há uma combinação de estranhezas que o mantém a salvo de punições. É verdade que se já não era das mais saudáveis, a credibilidade de Milton Bigucci como empresário sofreu duro revés também por conta disso. Sem contar o desastre continuado à frente do Clube dos Construtores, do qual só se afastou após um quarto de século de uma trajetória que associou manipulação estatística e esvaziamento institucional. O Marco Zero da Vergonha é abominado pelo próprio mercado imobiliário. Mas não se esperem manifestações condenatórias ao modus operandi de Milton Bigucci. Mesmo fragmentado e concorrencial, os empresários do setor preferem a discrição à denúncia. Muitos deles estão envolvidos em outro escândalo ainda longe de punições – caso da roubalheira no Semasa, autarquia que emite licenças ambientais em Santo André.
Já o esporte preferido de Milton Bigucci é perseguir jornalistas independentes. E o faz com extraordinária capacidade e êxito. O quadro de advogados que o serve manipula tão bem as entrelinha a ponto de industrializar a semântica como insumo explicitamente doutrinado a colher representantes do Judiciário no contrapé da eficiência. Entretanto, tanto no caso Marco Zero da Vergonha como em outras situações em que foi colocado na marca do pênalti de delitos, o empresário Milton Bigucci jamais recorreu ao Judiciário. Quando os fatos e os documentos não dão espaço à subjetividade, é muito pouco provável que o Judiciário caia na lábia dos defensores de Milton Bigucci.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!