Sociedade

Fale a verdade: você indicaria
investimentos no Grande ABC?

DANIEL LIMA - 25/10/2019

É claro que não, respondi ainda outro dia a um interlocutor de uma empresa de abrangência nacional que me achou para dizer o que penso sobre o ambiente regional. Acho que ele, meu interlocutor, só pretendia mesmo me conhecer pessoalmente, porque de fato quem me lê sabe que o rabo de elefante indica que o bicho é elefante.

 Acho que leitores bem-informados, responsáveis no manejo ético e algumas coisas mais diriam o mesmo: o ecossistema nesta Província é propício à deserção, última estação de rendição à falta de reação. 

Ainda há um ou outro nicho a investimentos no Grande ABC, mas todos estão relacionados ao consumo. Ninguém pode desprezar três milhões de habitantes. É verdade que, principalmente o mercado varejista, dos grandes players nacionais, já está coalhado. Mas sempre sobra espaço, para dano dos pequenos negócios familiares que, desde muito tempo, apenas sobrevivem, quando não perecem de teimosia. 

Casa da sogra 

Caiam fora da pretensão de investir em negócios no Grande ABC. Essa casa é da sogra no sentido mais pejorativo da expressão. Bandidos sociais tomaram conta do pedaço. Não há Operação Lava Jato que dê conta. Um ou outro escândalo exposto é fichinha perto do monumental ninho de ratos nos sete municípios. Num ambiente assim, só coloca dinheiro para gerar dinheiro quem se adapta às roubalheiras ou quem tem absoluta certeza de que vale a pena correr riscos. 

Sei que sei que tem gente que vai me abominar por conta dessas linhas. Afinal, sou um analfabeto esportivo, social, econômico, ambiental, político e tudo o mais. Não sei patavina sobre nada disso. Sou um imbecil que faz jornalismo há mais de meio século e não aprendeu nada. Não sei distinguir uma chantagem nas entrelinhas de uma notícia. Não sei constatar até que ponto um prefeito está mancomunado com os poderosos de sempre. Não sei até onde bate a água na bunda da efetividade de políticas criminais. Não sei bulhufas das limitações materiais, físicas e operacionais do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal.

Resumo da ópera: sou uma toupeira completa. Alguém a ser evitado, portanto. Pratico o mais nojento jornalismo de que se tem notícia no País. Confiar no que digo e escrevo é estupidez. Não sei até agora porque o interlocutor de uma grande empresa me procurou. Tampouco os produtores do filme sobre o assassinato de Celso Daniel me ouviram durante três horas como, vejam que bobagem, fonte jornalística acima de qualquer suspeita.

Erros cumulativos 

Minha consultoria mesmo informal é uma estupidez completa, portanto. Quando escrevi já em 2012 que teríamos uma derivação de bolha imobiliária que arrasaria o Grande ABC e também outras praças, acharam que era maluco. Estavam certos os detratores. 

O mercado imobiliário da região segue bombando. Os bancos estão abarrotados de apartamentos de inadimplentes fajutos. Eles fingem não ter dinheiro para pagar a conta.

E a chegada de novas lojas e novas unidades de shopping center? Estava erradíssimo quando escrevi que a euforia descabida provocaria um estrondo. Enfrentei o diabo de lobistas. Também estava equivocado, claro. Há uma disputa insana por espaço nos shoppings da região. Gente saindo pelo ladrão. 

A minha burrice vem do passado como as glórias do tricolor paulista. Já nos anos 1990, quando criei a revista LivreMercado (a pior publicação regional do País, que durou duas décadas num terreno inóspito) a primeira capa fazia referência a algo tratado como heresia regional: o perigo da dependência das montadoras de veículos e autopeças. Um pouco depois chamei essa concentração de Doença Holandesa. Fui contestado, xingado, amaldiçoado. Com razão, claro. Onde já se viu ser tão ignorante a ponto de criar restrições a uma mais que endeusada atividade? As montadoras estão para o Grande ABC assim como o Papa para Roma. 

Sindicalismo de anjos 

Escrevi sobre tantas outras coisas que rememorá-las seria maratona memorial. Estava esquecendo que sai à luta isoladamente para alertar sobre os riscos dos excessos de um sindicalismo corporativista. Me opus aos glorificadores dos sindicatos que colocavam a atividade como suprassumo de democracia, além de gênese da queda da Bastilha do Regime Militar. 

Quanto estúpido sou. Os sindicalistas são anjos de cooperação social. Eles estão preocupadíssimos com as desigualdades sociais. Pena, cá entre nós, que seja da boca para fora, porque das fábricas para dentro não são apenas exclusivistas, mas também machistas, conforme dados oficiais da ínfima participação feminina principalmente nos chãos de fábricas. 

Meu grande salto de besteiragem está no campo da regionalidade. Sou tão incompetente que chego ao extremo de sustentar uma revista digital que enaltece a perspectiva do regionalismo como mantra do cotidiano. Que regionalista de merda sou eu ao contestar historicamente (e mais que isso, fornecer constantes propostas de reformas) os níveis de efetividade macunaímica do Clube dos Prefeitos? 

Nobel do Avesso 

Como posso, em sã consciência, instalar senões onde só emergem lances fenomenais, caso da programação de um evento para discutir a construção de um grande aeroporto na vasta área ambiental de São Bernardo. A mesma região em que o trecho sul do Rodoanel foi cercado de todos os cuidados para impedir urbanização descontrolada e que, por conta disso, de apenas três intersecções com o Grande ABC, levou empresas e investimentos principalmente para a região da Grande Osasco. Aliás, uma projeção que fiz num delírio de vagabundagem antirregional. 

Para que esse texto confessional de minha incapacidade profissional ganhasse a textura e a robustez de verdades consolidas, seria preciso reunir pelo menos 100 itens que colecionaria nos arquivos desta publicação. São tantas derrapagens, tanta burrice, tanto escravagismo material e ético aos políticos de plantão que, provavelmente, concorreria ao Prêmio Nobel do Avesso. 

Aliás, ao chegar a esse ponto do texto, pensei em alterar o título para algo como “Eu mereço o Prêmio Nobel do Avesso”. Não seria lindo? Seria um gesto magnânimo de humildade. E provavelmente despertaria a fé cega dos leitores mais arraigadamente municipalistas que me concederiam prováveis complementos de descompromisso com o Grande ABC. 

Juro por todos os juros que por conta disso e de muito mais acho que aquele cara com o qual tive um contato de uma hora, numa conversa cara a cara, ouvido a ouvido, saiu de alguma casa de recuperação mensal à revelia do corpo médico. 

Somente um louco me procuraria para falar do passado, do presente e do futuro do Grande ABC. Ou sobre o caso Celso Daniel. Ou sobre o futebol da região, que também jamais deixou de passar de meu pente fino de fanatismo desqualificador. 

Me enfiem uma camisa de força, urgente. Estou no lugar errado e na hora errada. Sou um lunático. 



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