Do ponto de vista estritamente matemático é uma ilusão acreditar que corro menos risco de ser vítima do Coronavírus em Salto, Interior do Estado, a 130 quilômetros de São Bernardo, do que no Grande ABC. Mas a matemática mesmo enganadora ajuda quem está distante do Grande ABC a acreditar que conta com vantagem probabilística. Até porque não me fio apenas na matemática. Como os leitores poderão ler.
Dito isso, mesmo se fosse ignorante em todas as outras indicações que supostamente mediriam os riscos de estar aqui ou aí, teria uma vantagem psicológica que faz a diferença. Mas vou me fixar apenas, por enquanto, na matemática. Depois invado outros terrenos, os quais me dão ainda mais conforto, agora de fato. Será?
Entre as melhores projeções que detectei até agora a possibilidade de Salto registrar 24 mortes parece muito melhor do que estar no Grande ABC, onde estão previstas 588. Convenhamos que é uma senhora vantagem, mesmo que ilusória. O conforto psicológico atenua a pressão ambiental. Para cada quatro mortos em Salto, seriam 100 no Grande ABC.
Dados científicos
Vamos, portanto, à raiz dos números. Trata-se da equipe de epidemiologistas do Imperial College, de Londres. Eles analisaram o impacto da covid-19 em 202 países, entre os quais o Brasil. A última versão do cálculo foi tão contundente que levou o primeiro ministro, Boris Johnson, infectado pelo novo Coronavírus, a apertar o nó da estratégia de isolamento no Reino Unido. A observação, nestes termos, compôs ampla reportagem publicada no final de semana pelo jornal Valor Econômico.
No estudo dos técnicos britânicos, foram traçados três grandes cenários. No primeiro, nada seria feito contra a pandemia. Os infectados somariam sete bilhões de habitantes do planeta e 40,6 milhões morreriam. Na segunda hipótese, seria adotada uma estratégia de isolamentos parciais, reduzindo em 42% as internações entre indivíduos. Se as medidas abrangessem apenas idosos, o número de mortes cairia para 20 milhões. E o total de doentes graves superaria em oito vezes a capacidade dos hospitais do mundo desenvolvido.
Como sou bonzinho (com interesse muito pessoal, cá entre nós, nesse caso), preferi optar pela terceira alternativa dos especialistas britânicos. O quadro parte de uma redução de 75% dos contatos entre indivíduos (sempre segundo a reportagem do Valor Econômico). Se essa barreira for fixada nos 250 primeiros dias de contágio, a infecção atingiria 420 milhões e provocaria 1,9 milhão de mortes. Se adotada depois desse prazo, os números saltariam de forma espetacular. Alcançariam, respectivamente, 2,4 bilhões e 10,5 milhões.
Melhor cenário nacional
Agora é que chegamos ao caso do Brasil, associado ao terceiro grupo de alternativas dos efeitos do Coronavírus. Os especialistas do centro britânico estimaram 44,2 mil mortes. No pior cenário, seria o total de um milhão. Vamos ficar com as 44,2 mil vítimas do vírus. Basta dividir o total pela população arredondada de 212 milhões de habitantes para se chegar a 0,021% de mortes.
Como o Grande ABC participa com 1,32% do bolo nacional da população, a tradução em termos macabros seria de 588 mortes. Já Salto, com população relativa no País de 0,0055%, duas dúzias de moradores seriam atingidas. A população do Grande ABC é 41,5 vezes maior que a de Salto.
Essa é a matemática pura. Linearmente pura. Indelevelmente pura. Daí a se confirmar, é outra história. E não se confirmará nestes termos numéricos, claro, porque a base da equação é estatisticamente gelatinosa, como antecipam os estudiosos britânicos. Há inúmeros fatores a distinguir as grandes áreas demográficas. Imaginem as microrregiões. Salto é um grãozinho de areia no universo planetário. O Grande ABC é 41,5 vezes maior.
Contabilidade macabra
A considerar a terceira alternativa e a compatibilidade dos dados estatísticos, morreriam 395 pessoas em São Bernardo, 338 em Santo André, 75 em São Caetano e 198 em Diadema. É claro que também morreria muita gente em Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Mas vamos deixar essas populações de lado. O que interessa mesmo é o confronto Grande ABC versus Salto.
O que tornaria variável, bastante variável, aliás, o balanço final da equação dos especialistas britânicos em termos dessa comparação doméstica que trouxemos para o nosso mundo é que há desigualdades a avaliar.
Para começar, a desigualdade econômica. Há grotões de pobres e miseráveis no Grande ABC que superam largamente a participação relativa desse estrato populacional em Salto. Isso quer dizer que ganho um ponto de vantagem efetiva – caso os estudos não sejam furados também ao contemplar essa e outras variáveis.
Uma questão que parece indiscutível e que me faz marcar mais um gol de probabilidade de me afastar desse vírus é que a densidade demográfica em Salto é muito inferior à média do Grande ABC – e esse é um ponto de valor considerável na alquimia de sobrevivência. Quanto menos gente por quilômetro quadrado, por metro quadrado, por quarteirão quadrado, mais conforto para dar um drible no vírus.
Diadema massificada
Com 134.258 quilômetros quadrados de território físico, Salto conta com 116,191 moradores. O Grande ABC de 840 quilômetros quadrados reúne 2,8 milhões de habitantes. Há em Salto 865,4 habitantes por quilômetro quadrado, enquanto no conjunto do Grande ABC a proporção é de 3.333 habitantes por quilômetro quadrado. Quatro vezes mais.
Diadema é campeã absoluta de densidade demográfica no Estado de São Paulo (e ao que parece a segunda no ranking nacional). Por conta disso teria situação muito mais dramática. Com apenas 30,796 quilômetros de área territorial (quatro vezes menos que Salto), Diadema soma 420,934 habitantes (quatro vezes mais que Salto), o que dá 13.668,5 habitantes por quilômetro quadrado. Diadema viraria gigantesco crematório ante Salto – caso os britânicos não tenham errado feio demais. São Caetano com densidade demográfica de 10 mil habitantes por quilômetro quadrado e a população mais idosa da região, correria em raia semelhante em potencial de letalidade.
Ainda não esgotamos condicionantes que relativizam prognósticos dos especialistas britânicos. Há fatores pouco detectáveis em termos estatísticos a estabelecer ranking regional que leve em conta politicas preventivas no campo sanitário, além de ilhas de isolamento de classes mais abastadas (como os condomínios horizontais, aparentemente melhores que os verticais), passando também por ilhas imensas de exclusão social (os favelados de maneira geral), além de ações técnicas como testagem da população, entre outros pontos. Claro que o atendimento da rede de hospitalar pesa sobremodo. Haveria em Salto mais oferta de UTIs e respiradores mecânicos proporcionalmente à população do que no Grande ABC?
Metrópole ensandecida
Quase desconsiderei outro fator que pesaria brutalmente na combinação de infectados e número final de mortos, mesmo sob o prisma do melhor dos cenários: o ambiente metropolitano é uma incubadora de doenças. A atmosfera metropolitana é desaconselhada por médicos quando sinais de alergia de múltiplas ou exclusivas fontes se manifestam.
No meu caso pessoal, sofro com determinados detergentes e produtos de limpeza, além de medicamentos também conhecidos como drogas. Mas, depois de duas semanas em Salto, parece que os incômodos são menos intensos. A metrópole talvez seja a maneira mais eficaz de morrer sem precisar de um empurrãozinho do Coronavírus.
Podem me chamar do que quiserem, mas minha intuição diz (o medo de morrer insiste em negar, por isso estou refugiado) que não irão para o outro mundo tantos habitantes do planeta nesta ofensiva virótica.
Seja o que for, os britânicos foram mais generosos que o professor doutor de Astrofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e astrônomo associado ao Harvard-Smithosonia Center for Astrophysics, José Dias do Nascimento Júnior. Ele montou com o professor doutor da New México State University, Wladimir Lyra, um modelo matemático que prevê números bem mais desastrosos. Escrevi a respeito há poucos dias, sob o título “Coronavírus provocaria mesmo 17 mil mortes no Grande ABC?”.
Reproduzo apenas uma banda estreita dos estudos, que justificou os dados regionalizados:
O modelo dos pesquisadores quando aplicado ao estado de epidemia no Brasil resulta que cada pessoa infectada está, em média, infectando 6 pessoas. A partir dessa taxa, o número de casos dobra entre 2 e 3 dias. Lyra anuncia que “se continuar desta maneira, sem fazermos nada, a epidemia terá seu pico daqui a 50 dias, no começo de maio, com 53% da população infectada ao mesmo tempo. Isso são mais de 100 milhões de casos. Os hospitais não têm capacidade de lidar com esse número. E, ao final da epidemia, teríamos 2 milhões de mortos.” O modelo apresentado pelos pesquisadores gerou dois gráficos que resultam na quantidade de mortos no Brasil nos próximos meses e evidenciam um resultado assustador para a população brasileira. Esse pior cenário representa a condição onde as restrições sociais não são seguidas.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!