Estou de olhos, ouvidos e outras regiões corporais, (principalmente aquela cuja nominação não ficaria bem), no placar de letalidade do Coronavírus envolvendo o Grande ABC e Salto, onde estou refugiado há exatamente três semanas.
Estou sendo otimismo, correndo na raia estatística de menores danos previstos por especialistas britânicos que, contas vão, contas chegam, estimaram que 588 pessoas morreriam do bicho no Grande ABC, enquanto em Salto seriam 24 infortúnios fatais. Se pego os dados pessimistas dos pesquisadores, perco o sono.
Como o Grande ABC está perdendo de 30 a zero, acho que há margem de erro a me favorecer. Mas não será por muito tempo. É possível que faça revezamento não necessariamente igualitário de dias entre o isolamento aqui e o isolamento aí. Há demandas que precisam de minha atenção presencial. Mas reluto em aceita-las.
Conta macabra
Façam as contas comigo e chegarão à mesma conclusão quanto ao placar exposto. Caso morram 588 no Grande ABC e 24 em Salto, a proporção seria de uma morte em Salto para cada 24 na região. Já chegamos a 30 e nadinha de nada por aqui.
Como desdobrei a contagem linear dos especialistas em várias porções interpretativas com base em certa dose de empirismo, acredito que a letalidade aqui fique abaixo da letalidade aí. A densidade demográfica, um dos vetores, é muito menos preocupante aqui. E particularmente onde estou.
Nessa altura do campeonato da desgraça virótica prefiro travestir-me de torcedor organizado conservador ou liberal, captado por uma pesquisa do Datafolha. Diferentemente, segundo os resultados, do que se deu com a esquerda do espectro ideológico, estrato em que os casos fatais foram muito superiores. No fundo da alma acredito que teremos menos casos letais do que na melhor das hipóteses previram os britânicos.
Nada de relaxamento
Mas nem por isso relaxo. Estou trancafiado durante quase todo o dia. Somente alguns familiares que saem de São Bernardo desembarcaram aqui até agora para o abastecimento indispensável e uma faxina que considero suplementar à minha. Uma pens que elas, as mulheres, não entendam assim. Sempre acham que não sou do metiê típico de diaristas.
Faltam estudos para decifrar por que as mulheres são tão irritantemente escravas de instrumentos domésticos destinados a tornar o ambiente supostamente mais habitável. Tudo bem que sejam detalhistas, muito mais que os homens, mas acho que exageram na dose. Ou nas esfregas.
Pela primeira vez na vida que ainda não é longa o suficiente para fazer o muito que ainda me resta fazer estou fora de circulação física durante três semanas seguidas, inclusive em território alheio ao do Grande ABC. É uma experiência e tanto. De coisas boas e coisas ruins.
Cachorras me salvam
De vez em quando sinto que posso me deprimir, por mais que arranjo o que fazer ao acordar rigorosamente às seis horas da manhã e ir para a cama às dez da noite. Minhas cachorras (minhas é força de expressão, porque Lara, minha filha, tem ascendência sentimental sobre as duas) contribuem muito para acalmar a alma.
Lolita e Luly exigem cuidados de alimentação e caminhadas que combinam com meus afazeres. Dar banhos diários nelas ao anoitecer e após caminhada mais leve é sempre motivador, porque, entre outros pontos, demarca que a jornada começa a se expirar.
Mas, voltemos ao que interessa. E o que interessa é ficar de olho no placar particular que me açoita e também no placar geral, com confrontos inclusive entre territórios municipais, estaduais e nacionais.
Calibragem correta
Finalmente descobriram a pólvora. Deixaram de superestimar casos de infecção, sempre subnotificados, correlacionando-os ao número de mortos. As autoridades passaram a dar mais valor estatístico ao total de mortos por 100 mil habitantes. Esse é o melhor termômetro para aferir cada território.
É impossível deixar de dizer que nas horas dedicadas ao noticiário de televisão tenho revezado sintonia entre a Globonews e a CNN Brasil. São coberturas diferentes. O ramal de assinaturas da Rede Globo preocupa-se demais com Bolsonaro e menos com a doença em si. Na CNN há menos fixação com as trapalhadas do presidente da República. Não que lhe deem refresco. Mas entre refresco e perseguição vai enorme diferença. Uma máxima antiga diz que quem exagera na argumentação perde a razão. A Globo parece que está nesse caso.
Mas nem a televisão me toma tempo profissional demais para sentir a atmosfera pesadíssima destes tempos que pretendo colocar em minha vida como inesquecíveis, como já o são. Bem melhor que tempos sombrios, como já o são para os que se foram e também aos que também irão.
Amontando leitura
Meu negócio é a leitura de três jornais físicos, impressos, que apanho todas as manhãs na portaria do condomínio horizontal onde me escondo. Para apanhá-lo levo 40 minutos de trajeto. Poderia fazer tudo em no máximo 15 minutos à pé, porque não tenho carro à disposição, mas o tempo se estica na medida em que minhas cachorras têm disposição a irem à luta da caminhada. A Lolita é preguiçosa. Sobretudo na ida. Quando sente que estamos voltando, acelera os passos. A Luly não diferencia ida ou vinda. Segue no mesmo ritmo. Como está mais gordinha, segura as pontas mas não deixa de refugar.
Aos leitores de CapitalSocial que estão nas redes sociais às quais tenho acesso (sem contar as duas listas de leitores preferenciais, de todas as tonalidades sociais, econômicas e ideológicas) enviei hoje uma foto do que sobrou em forma de acervo para consultas. São páginas e páginas que retiro diariamente do Estadão, da Folha e do Valor Econômico. Como me entregam o Diário do Grande ABC sempre no fim de cada semana, também posso acrescer ao acervo.
As páginas às quais me refiro tratam especificamente de PIB Brasil, PIB Mundo, Saúde Geral e Governo Bolsonaro. São essas as denominações que atribuo às questões envolvendo vertentes relacionadas aos dias atuais. Aliás, Saúde Geral, Governo Bolsonaro, PIB Brasil e PIB Mundo já constavam da relação de mais de dois mil temas. A diferença é que por conta do Coronavírus vou especificá-las para demarcar esse período.
Arquivo específico
O que vai para o arquivo de papel que mantenho há 25 anos em meu escritório em São Bernardo é apenas um terço, em média, do que consumo como informação diária de jornais. Então, aquela pequena montanha de páginas já lidas não traduz o tamanho do que foi consumido.
O refúgio locacional ao qual me submeto por livre e obrigatória pressão social não interrompeu o circuito de enriquecimento de minhas pastas de arquivo. Aliás, diria que o alimento ainda mais. Simples de explicar: atividades convencionais no dia a dia no Grande ABC sem o Coronavírus tornavam a ocupação profissional menos concentrada.
Escrevi aí em cima que estou estudando revezamento de moradia entre Salto e São Bernardo. Talvez o faça apenas sazonalmente, sem período definido, mas segurando as pontas nesse paraíso bucólico ao qual me lanço todo final de tarde em mais que bem-vindas corridas para manter a forma. Aliás, decidi dar uma maneirada após ir a campo durante 14 dias seguidos. Senti incômodo muscular na perna esquerda.
Mundo de contradições
Quem disser que estou correndo para estar mais apetrechado fisiologicamente ante a possibilidade da coisa me pegar está parcialmente certo. Estou apertando os passos também por isso, mas correr faz parte de dieta de qualidade de vida há mais de 40 anos.
Parar terminar, e voltando ao que interessa de novo, minha coleção de matérias de jornais sobre os efeitos do Coronavírus revela contradições impagáveis. Pretendo dar conta de algumas nos próximos dias, caso não seja atropelado por assuntos mais proeminentes.
Uma das contradições está na visão dos chamados especialistas sobre o futuro das relações sociais. Dizem alguns que acabará o extremismo politico de direita versus esquerda. Outros afirmam exatamente o contrário. E as pesquisas, então? Ou são redundantes ou são manipuladas na margem de erro por uma razão básica sobre a qual já escrevi muitas vezes.
Não vou abusar da paciência dos leitores. A recomendação é que tenham cuidado com o que consomem quando os pesquisadores influenciados pela linha editorial de determinados veículos de comunicação vão às ruas. Tudo pode acontecer.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!