Depois de 30 dias de quarentena em Salto, estou de volta ao Grande ABC para seguir com os cuidados de isolamento social que não é isolamento social coisa alguma desde que a tecnologia nos coloca frente a frente com quem quiser, e também com abelhudos de todos os calibres ideológicos.
Saí invicto de Salto. Não houve uma morte sequer provocada pelo Coronavírus naquela cidade de 120 mil habitantes. No mesmo período, passaram de 70 os óbitos no Grande ABC de 2,8 milhões. Quando a conta é feita tendo-se como base o princípio de 100 mil habitantes, Salto segue em vantagem. A previsão mais branda de que haveria 588 casos letais no Grande ABC e 28 em Salto parece fora do prumo. Ou estamos enganados?
Sair invicto de Salto enquanto o Grande ABC gera preocupação compõe o retrato da incompetência associado ao marketing de espetáculo do governo do Estado. Quando se colocam municípios da Grande São Paulo ensandecida no mesmo pacote de uma cidade do Interior o resultado só poderia mesmo ser a consumação do exagero.
Mundos diferentes
Salto está fechada como todos os municípios paulistas. Mas está a cada dia mais traumatizada com o noticiário. Máscaras invadiram os supermercados. É claro que recorri ao artefato de proteção nas poucas vezes em que saí do refúgio num condomínio horizontal para me abastecer.
Vou explicar um ponto essencial antes que abutres de sempre se manifestem nas redes sociais. O cumprimento de rigores preventivos no combate à covid-19 é questão sanitária indispensável, mas, como já escrevi, não poderia jamais ser linear. E só o foi e está sendo porque os governos em geral que mal dão conta do básico em tempos de paz social, não poderiam mesmo ser produtivos em tempos de guerra ao vírus chinês. Daí à politização descarada vai um passo. E vão muitos passos porque o custo financeiro e econômico de todas as manobras será repassado à União. A dívida pública vai estourar e comprometer a próxima década. Há fartos estudos sobre isso.
À falta de organização e método, os governadores em geral e os prefeitos também, promoveram e promovem danças espetaculosas. Mas como a roda gira e nestes tempos não há como projetar com segurança até onde chegaremos, já começam a aparecer resultados assustadores aos governadores.
Estreitamento de pistas
Eles correm em direção à reprovação popular que o governo federal consolidou ao se precipitar na direção de um discurso destrambelhado que parecia desconsiderar ponderações em defesa da saúde. Não só por isso, mas também porque colocou durante período crucial das intervenções um político simpático e conquistador como porta-voz de oposição ao próprio governo, no caso o ex-ministro Luiz Alexandre Mandetta. O que já era ruim ficou pior porque à subestimação sobreveio o terrorismo informativo.
Até outro dia os governadores em geral estavam ganhando de goleada a disputa com o presidente Jair Bolsonaro na aceitação popular das medidas preventivas, com fechamento quase generalizado de comércio e serviços e o imobilismo inédito a reboque do isolamento social.
Agora o placar começou a virar e tudo indica que não haverá muita distinção entre governo federal e governos estaduais na avaliação da população que já começa a se desesperar com a falta de dinheiro e a subida da inadimplência.
Pesquisa ajusta dados
A falta de meio termo entre saúde e economia está na raiz de tudo. Quem partiu na dianteira turbinado pela retorica em defesa da saúde começa a sentir o bafo no cangote do discurso favorável à retomada econômica.
Saiu hoje no Valor Econômico uma munição que dá ao presidente Bolsonaro certo fôlego para bater na tecla de que o isolamento horizontal é ação excessivamente restritiva. O Instituto Travessia, de São Paulo, preparou nova pesquisa para avaliar a reação popular nestes tempos de pandemia. Leiam um dos trechos da matéria:
O jogo não virou, mas existe um novo ponto de equilíbrio na avaliação do eleitorado em torno da postura dos políticos no combate à covid-19 no Brasil. Há cerca de um mês, 70% dos brasileiros apoiavam os governadores, os principais responsáveis pela implementação das medidas de isolamento no país. Hoje esse percentual caiu para 58%. Representa a maioria, mas perdeu um fôlego de 12 pontos percentuais nessa jornada – escreveu o jornal.
Subidas e descidas
Se os números gerais já são preocupantes aos governadores, quando se comparam os dados com os resultados da avaliação que tem o presidente Jair Bolsonaro como ponto central, a situação é ainda mais problemática.
Tratei de fazer as contas ao, mais que ler a reportagem, metabolizá-la. Isso quer dizer que a leitura foi mastigada, triturada. Lancei mão de papel e caneta para fazer umas continhas que a reportagem não fez.
E descobri que, se na rodada anterior da pesquisa do Instituto Travessia a média de avaliação dos governadores era brutalmente superior à da presidência da República (no quesito aprovação Bolsonaro contava com apenas 28% dos eleitores, enquanto os chefes dos Estados alcançavam 70%), na segunda rodada a aprovação a Bolsonaro subiu para 31% e a dos governadores caiu para 58%.
O que era uma diferença favorável aos governadores de 42 pontos percentuais, passou para 27 pontos percentuais. O Datafolha, com vieses conhecidos, já prenunciava esse estreitamento, embora menos consistente, na pesquisa divulgada sábado passado na Folha de S. Paulo.
Distâncias menores
Também meti o bedelho nos números do Instituto Travessia de reprovação aos dois universos públicos pesquisados. Bolsonaro também se deu melhor nos últimos 30 dias que envolvem as duas rodadas de pesquisa porque nada menos que 31 pontos percentuais o distanciava dos governadores e agora são 21 pontos percentuais. A reprovação a Bolsonaro saiu de 50% para 53% (dentro da margem de erro de três pontos percentuais), enquanto a dos governadores aumentou de 19% para 32%.
Há outros pontos abordados na pesquisa do Instituto Travessia, inclusive em relação à avaliação dos prefeitos em geral. Nesse caso, diferentemente dos governadores, os chefes dos Executivos municipais tiveram aumento de 52% para 57% diante do Coronavírus. Mais que o dobro dos 26% do Congresso Nacional e três vezes os 18% de aprovação do Supremo Tribunal Federal.
Não seria ajuizado afirmar que os prefeitos do Grande ABC estão nessa leva, porque o universo de entrevistados na região não comportaria segurança metodológica. Sem contar que há especificidades territoriais que não podem ser desconsideradas.
Empresariado inquieto
A pressão social pró-flexibilização do isolamento horoizontal já encalacrou o governador João Doria e tantos outros do batalhão de choque contra o presidente da República. E tudo indica que eles vão ceder. O apoio escancarado da Grande Mídia será insuficiente para sustentar as medidas. A correlação de apoio aos governadores e de hostilidade ao presidente da República tem limites populares cada vez menos elásticos.
Não só populares, mas também empresariais. No mesmo jornal Valor Econômico de hoje, que trás a pesquisa do Instituto Travessia, reservou-se uma página inteira de publicidade institucional ao Grupo Multiplan, um dos gigantes do setor de shopping no País. E a mensagem está distante de ser conformista. Sob o título “O Coronavírus e a Saúde no Brasil”, inseriu-se texto forte em apoio ao fim do isolamento horizontal. Vou reproduzir cada parágrafo:
O Coronavírus é uma epidemia de proporções mundiais e que atinge o Brasil num momento extremamente delicado de nossa economia. Estamos seguindo as orientações das autoridades internacionais de saúde para reduzirmos a contaminação desta infecção! Entretanto não podemos ignorar as mazelas da saúde pública no Brasil que afetam a todos nós. Doenças respiratórias matam em torno de 150.000 pessoas/ano. Somente as cinco principais causas de morte no Brasil alcançaram, entre outras, a quantidade de 973 mil pessoas. Os óbitos causados apenas pela gripe e a pneumonia chegam a 80.496. O Coronavírus contabiliza até o presente momento (23.4) 3.313 mortes e 49.492 pessoas contaminadas. Em que pese se tratar de uma epidemia, não podemos ignorar que outras patologias, tão ou mais importantes, jamais chamaram tanto a atenção das autoridades no Brasil. Devemos lutar pela saúde e qualidade de vida de todos os brasileiros hoje e sempre! Entretanto, a Copa e as Olímpiadas não trouxeram novos hospitais e equipamentos, tão necessários para que o nosso povo fosse devidamente cuidado. A crise atual está sendo enfrentada, porém o tratamento mais eficaz para doenças decorrentes da pobreza sempre será a geração de empregos e renda para todos. O Brasil é um país de dimensões continentais, possui características climáticas e geográficas diferenciadas e concentração população diferente de muitos países. Por aqui morrem de Coronavírus 1,6 pessoas a cada 100 mil habitantes. Na Espanha essa razão é de 46,5 pessoas, na Itália 42,5, nos Estados Unidos 12,1 e em Portugal 7,7. Para vencermos essa pandemia, o Brasil e o Governo contam com o trabalho indispensável de nossos agricultores, comerciários, industriários, prestadores de serviços, profissionais liberais e empresários que, através dos impostos pagos, sustentam a Nação. O desemprego e a fome podem gerar consequências tão ou mais letais que o Coronavírus. Juntos vamos lutar pela saúde do Brasil!
Gráficos explicativos
A peça publicitária é assinada pelo CEO da Multiplan, Isaac Peres. E está recheada por dois gráficos. O primeiro mostra o comparativo de mortes no Brasil, dados de 2018 extraídos do site do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. Doenças circulatórias (hipertensivos), tumores, doenças respiratórias (gripe e pneumonia), causas externas (agressões) e doenças endócrinas (diabetes), nessa ordem, ganham escala numérica. O segundo gráfico exige a relação de países da Europa (Espanha, Itália e Portugal) e os Estados Unidos, comparando população e casos levais da Covid-19. A proporção de óbitos no Brasil (1.6) por 100 mil habitantes é bastante inferior aos 46,5 da Espanha, aos 41,5 da Itália, aos 7,7 de Portugal e aos 12,1 dos Estados Unidos.
Numa primeira versão desse texto, que acabou editada sem correção, troquei as bolas de isolamento horizontal e isolamento vertical. Talvez Freud explique.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!