Sociedade

Prefeitos amedrontados ou
cautelosos? Escolha resposta

DANIEL LIMA - 29/04/2020

O tribunal é dos leitores que também são eleitores que também são consumidores que também são tantas outras coisas, mesmo sem atentarem para isso. Coloquem os prefeitos do Grande ABC no paredão e decidam, conforme o que vou escrever mais abaixo: eles estão amedrontados ou cautelosos quando se trata do enfrentamento ao vírus chinês?

Vou tentar atuar paralelamente como promotor de Justiça e advogado de defesa. Travisto-me de quase todo-poderoso, porque poderoso mesmo, com poder de decisão, como os juízes, são leitores. Preparem-se.

Coloco os prefeitos em quatro divisões não necessariamente estanques:

Primeiro perfil

O primeiro perfil de prefeito é o prefeito que tocou a música mais comum destes tempos de Coronavírus e seguiu o riscado ditado pelo governador do Estado, João Doria, marqueteiro de primeira linha, mas, sem dúvida, um fazedor de espetáculos e ações que disfarçam ou reforçam (conforme a ótica) o confronto com a pandemia. O primeiro perfil de prefeito seguiu o figurino convencional de dar tudo o que fosse possível ao campo sanitário sem se incomodar com a economia, na esperança de que, no arranjo de uma PEC no Congresso Nacional, tenha de volta boa parte da receita fiscal que o vírus vai tomar. Ou seja: fez um cálculo matemático-político de quem sabre que tem pouco a perder.

Segundo perfil

O segundo perfil de prefeito demorou para sentir que não dá para segurar as pontas de um ambiente socialmente mais equilibrado e de um futuro próximo eleitoral sem complicações adicionais. Tanto que resolveu ouvir uma inquietude tardia e improvisada de algumas das chamadas lideranças do setor de comércio e serviços e os levou em banho-maria quanto à importância de buscar alguma alternativa que, aplicada, não comprometesse o isolamento social recomendado por dez entre 10 especialistas na pandemia, embora todos também trafeguem por caminhos acomodatícios, de muita retórica e orientações de padrão comum.

Terceiro perfil

O terceiro perfil de prefeito finalmente saiu da toca porque o esgarçamento de pequenos empreendedores já estava no limite e aceitou o diálogo mais detalhado para tomar alguma atitude, até que com uma certa má vontade avançou o sinal, mas, mesmo assim continua a procrastinar a decisão de relaxamento. Mesmo que alguns nichos de comerciantes tenham perdido solvência e paciência e criaram ambiente de abertura econômica sem lastro legal, o terceiro perfil de prefeito foi ao Ministério Público e bloqueou a iniciativa. O MP age com rigor porque tem como premissa contrapartidas preventivas à liberação seletiva.

Quarto perfil

O quarto perfil de prefeito sensibilizou-se com as demandas dos empreendedores que estão com a corda financeira no pescoço e criou uma situação de relaxamento dentro de algumas normas de segurança que supostamente não provocariam danos à quarentena, mas foi barrado do baile porque o governador do Estado mandou o Ministério Público Estadual jogar água no chope da liberalidade condicionada ao mandachuvismo do titular do Palácio dos Bandeirantes. O quarto perfil de prefeito acatou a decisão de João Dória e recuou. 

Combinação perfeita

Esse é um enredo breve do que tenho observado ao ler os jornais e acompanhar as redes sociais. Os quatro modelos de prefeitos neste período de loucura sanitária são o retrato completo ou parcial do desempenho dos atuais titulares dos paços municiais do Grande ABC.

O roteiro, portanto, serve para quase todos eles. Alguns não se mobilizaram para obstar o relaxamento social seletivo porque não houve demanda de empreendedores. Me parece que são os casos de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Tenho dúvidas sobre Mauá. Parece que São Bernardo também teve esse conforto.

Santo André e São Caetano reagiram às pressões dos empreendedores e aplacaram o ímpeto libertador com o auxílio do Ministério Público Estadual, que, como todos sabem, segue à risca a determinação do governador. Se o chefe do MP é indicado pelo governador seria difícil acreditar que a decisão ultrapassaria os limites do governador. Não é preciso nem ser amigo do peito ou da família para as coisas se ajeitarem dessa maneira. Independentemente de juízo de valor sobre o que é supostamente certo e o que é supostamente equivocado.

Jogando para a torcida?

Somente em Diadema de um prefeito que não está alinhado ao governador do Estado houve rebeldia e, portanto, apoio para valer aos empreendedores. Lauro Michels foi adiante em favor dos negócios, editando medida regulatória nesse sentido, mas o MP o obstou. Não se deve duvidar que o prefeito de Diadema tenha promovido um show particular para dar alguma satisfação prática aos empreendedores. Saberia que daria com a cara na porta do Ministério Público.

Fiz esse breve relato sem muita preocupação com detalhismos que muitos poderão considerar indispensável, mas cujo escopo genérico considero necessário para chegar aonde pretendo chegar desde o início. E o que pretendo? Quero saber dos leitores na avaliação individual que todos devem fazer como resultado de reflexão até que ponto os prefeitos estão amedrontados ou até que ponto eles estão cautelosos e, portanto, presos ao que seria o bom senso das definições do governador do Estado?

Como promotor de Justiça diria que os prefeitos falharam redondamente juntamente com as inexpressivas lideranças dos empreendedores. Faltou a todos uma força-tarefa à qual se juntariam especialistas na crise sanitária a fim de definir um conjunto de medidas protocolares que, ao mesmo tempo que manteriam a segurança sanitária, permitiriam com ressalvas essenciais uma certa abertura de negócios. 

Organização dá trabalho

Tenho uma porção de ideias sobre isso, mas não vou colocá-las porque já tardias à aplicação. Adianto que seriam ações geolocalizadas como experimentos que poderiam se espalhar com toda a cautela pelas cidades. Como não temos lideranças de classe empresarial e nem vocação empreendedora dos chefes dos Executivos municipais, e isso vale para todo o País, a medida mais lógica e cômoda foi o isolamento horizontal. Dá menos trabalho e queima menos as pestanas. E é politicamente sinônimo de competência e solidariedade social.

Sem uma coisa ou outra, ou seja, sem organização estratégica dos comandantes dos empreendedores (eles preferiram manter a retórica de abertura seletiva sem qualquer incremento prático) e sem a sensibilidade econômica dos prefeitos locais, o que tivemos e estamos vivendo é a mesmice de subordinação a preceitos de um governador de Estado igualmente acovardado ou cauteloso.

O resultado já esperado para esse congelamento decisório é que a paciência e principalmente o bolso da sociedade consumidora de produtos e serviços e dos empreendedores de pequeno porte já está ultrapassando a linha de cuidados básicos, matriz de uma segunda onda devoradora do vírus chinês no campo da saúde e também no campo econômico.

Problemas do passado

Tenho tido desde o começo o cuidado de não construir frases definitivas sobre os efeitos do Coronavírus no Grande ABC, mas a questão organizacional e também vocacional de instituições públicas e privadas não escapa à compulsoriedade do fracasso quando se juntam saúde e dinheiro.

Separadamente, acredito até que os prefeitos estão fazendo exatamente o que é possível no enfrentamento à pandemia, com erros e acertos naturais para uma situação inédita, abrupta e disruptiva.

Entretanto, como se nem mesmo em tempos de paz os administradores públicos atuais e os antecessores jamais deram sinais de vitalidade a um vírus ainda mais potente, porque longevo e subestimado, no caso o vírus da desindustrialização persistente, seria demais esperar outro resultado que não o fracasso.

Sem cultura empreendedora, marca registrada vexatória de todos os prefeitos que passaram pela história de gestão pública no Grande ABC, exceto Celso Daniel, o melhor mesmo é esperar sempre o pior em qualquer tipo de confronto. Com o Coronavírus não seria diferente.

Fica para o julgamento dos leitores se os prefeitos são covardes ou cautelosos. Entendo que na saúde a cautela é a definição mais apropriada e ajuizada. Já na economia seria mais brando com o enunciado do título e preferiria usar um verbete historicamente mais abrangente: todos estão despreparados para dar conta da economia dos respectivos municípios porque soa estranho a todos eles algo que fuja do quintal de arrecadação de impostos.



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