Essas duas perguntas da manchetíssima de hoje são tão propositalmente evocativas a destilar um certo grau de terrorismo jornalístico quanto encaminhadoras a uma realidade futura. Trocando em miúdos e sem falsidades: estamos caminhando celeremente tanto para numerais fatais de uma pandemia implacável quanto para dados econômicos que, acreditem, vão queimar ou ajudar a queimar o que resta de prestígio de alguns políticos.
Movo-me nas duas direções que vão se encontrar no horizonte sob o tratado ético de informações sólidas e conhecimento prévio. O terrorismo, portanto, está enjaulado como objetivo único e exclusivamente de comportamento editorial.
Tratarei primeiro da pandemia do Coronavírus. Volto ao que escrevi ainda recentemente, em sete de abril. É importante a leitura dos principais trechos daquela análise para compreender o título desta matéria. Veja:
Morrerão mesmo 588 no
Grande ABC e 24 em Salto?
DANIEL LIMA - 07/04/2020
Do ponto de vista estritamente matemático é uma ilusão acreditar que corro menos risco de ser vítima do Coronavírus em Salto, Interior do Estado, a 130 quilômetros de São Bernardo, do que no Grande ABC. Mas a matemática mesmo enganadora ajuda quem está distante do Grande ABC a acreditar que conta com vantagem probabilística. Até porque não me fio apenas na matemática. Como os leitores poderão ler. (...) Entre as melhores projeções que detectei até agora a possibilidade de Salto registrar 24 mortes parece muito melhor do que estar no Grande ABC, onde estão previstas 588. (...),. Vamos, portanto, à raiz dos números. Trata-se da equipe de epidemiologistas do Imperial College, de Londres. Eles analisaram o impacto da covid-19 em 202 países, entre os quais o Brasil. A última versão do cálculo foi tão contundente que levou o primeiro ministro, Boris Johnson, infectado pelo novo Coronavírus, a apertar o nó da estratégia de isolamento no Reino Unido. (...). No estudo dos técnicos britânicos, foram traçados três grandes cenários. (...). Como sou bonzinho (com interesse muito pessoal, cá entre nós, nesse caso), preferi optar pela terceira alternativa dos especialistas britânicos. O quadro parte de uma redução de 75% dos contatos entre indivíduos (sempre segundo a reportagem do Valor Econômico). Se essa barreira for fixada nos 250 primeiros dias de contágio, a infecção atingiria 420 milhões e provocaria 1,9 milhão de mortes. Se adotada depois desse prazo, os números saltariam de forma espetacular. Alcançariam, respectivamente, 2,4 bilhões e 10,5 milhões. Agora é que chegamos ao caso do Brasil, associado ao terceiro grupo de alternativas dos efeitos do Coronavírus. Os especialistas do centro britânico estimaram 44,2 mil mortes. No pior cenário, seria o total de um milhão. Vamos ficar com as 44,2 mil vítimas do vírus. (...). Como o Grande ABC participa com 1,32% do bolo nacional da população, a tradução em termos macabros seria de 588 mortes. Já Salto, com população relativa no País de 0,0055%, duas dúzias de moradores seriam atingidas. A população do Grande ABC é 41,5 vezes maior que a de Salto. (...). A considerar a terceira alternativa e a compatibilidade dos dados estatísticos, morreriam 395 pessoas em São Bernardo, 338 em Santo André, 75 em São Caetano e 198 em Diadema. É claro que também morreria muita gente em Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Mas vamos deixar essas populações de lado.
Realidade de hoje
Os jornais da região (li a informação hoje de manhã no Diário do Grande ABC, que, nos dias anteriores, minimizava os estragos de letalidade da pandemia) dão conta de que já chegamos a 202 vítimas fatais. Façam as contas e verão que para chegar a 588 é um palito. Ou alguém tem dúvidas, levando-se em consideração que estamos 45 dias atrás da cronologia dos fatos na Europa. Ainda não chegamos ao pico e tudo indica que os próximos 45 dias serão tenebrosos.
Fosse editor de uma publicação macabra, faria a contagem de mortos que morreriam (a expressão é essa mesma), até que cheguemos aos projetados 588 previstos na melhor das hipóteses pelos estudiosos britânicos.
Claro que esse tipo de jornalismo, que fica bem para os tabloides britânicos, jamais me apeteceu nem mesmo como leitor, porque o tempo é precioso e devemos consumi-lo da melhor maneira possível. Mas o inverso também seria imperdoável para quem tem alma: desprezar a contabilidade progressiva que está aí é desrespeitar os leitores.
É preciso informar sempre. E, goste-se ou não, a projeção dos britânicos precisa ser vista como meta máxima pelas autoridades públicas locais. Os leitores podem não gostar da expressão “meta máxima”. Não posso fazer nada para ser mais direto e reto.
Queda do PIB
Quanto à queda do PIB do Grande ABC nesta temporada, só saberemos a real dimensão em dezembro de 2022. Por questão de infraestrutura operacional e técnica do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os municípios brasileiros só sabem em detalhes os resultados da geração de riquezas em produtos e serviços sempre com dois anos de atraso quando comparados a dados nacionais.
Os 10% que o Grande ABC perderá nesta temporada são uma perspectiva otimista deste jornalista. O PIB dos Municípios Brasileiros do ano passado só será conhecido em dezembro do ano que vem, mas com base no PIB Brasileiro do ano passado e outras variáveis é possível afirmar que produzimos R$ 120 bilhões em todas as atividades. Dez por cento de perda sobre R$ 120 milhões significam R$ 12 bilhões. Nessa equação entram insumos, salários, investimentos e tudo o mais.
O leitor tem o direito e a obrigação de questionar a origem dessa numeralha. Simples: as projeções de consultorias nacionais e internacionais mais respeitadas, e também do Fundo Monetário Internacional, já chegaram à queda do PIB Nacional de 5,5%. Como os efeitos do vírus chinês ainda estão sendo investigados também sob o ponto de vista econômico, além da saúde, e a extensão da quarentena mesmo com flexibilidade acumulará novos danos, daqui a pouco a avaliação vai sofrer novo viés de alta. Aliás, já há consultorias que chegaram a 7,5%.
Generosidade calculada
Estou colocando queda do PIB do Grande ABC no patamar de 10% porque sou generoso. O viés é de alta pela combinação da indecifrável, ainda, ação econômica do vírus em todo o mundo, mas, sobretudo, pelo salto cumulativo do desastre que leva em conta especificidades da região.
A indústria do Grande ABC tem um peso fortíssimo na geração de riqueza geral. O setor automotivo nos escraviza. É nossa Doença Holandesa. Dependemos demais da atividade. De uma atividade que desmorona. Está todos os dias nos jornais o reflexo do vírus ensandecido.
Para se ter uma ideia do quanto o setor automotivo sofre com a pandemia, e particularmente o Estado de São Paulo (e o ainda não perscrutado Grande ABC), está no Estadão de hoje uma declaração do presidente da Fenabrave, Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores, Alarico Assumpção Júnior. Leiam:
Segundo ele, o baixo desempenho das vendas é resultado do fechamento das concessionárias, principalmente em São Paulo, que há um ano respondia por 26% do mercado de veículos do Brasil. Em abril essa participação foi de 0,9%. “Se essa situação se manter, cerca de 30% das revendas vão falir”, prevê. O setor contabiliza 7,3 mil lojas, incluindo-se as de motos e máquinas agrícolas.
Interação automotiva
Reproduzido o material do Estadão de hoje, volto ao texto próprio. Para dizer que o despreparo dos gestores públicos do Grande ABC é tão escandaloso na área econômica que, entendam a gravidade, não seria necessário o ataque virulento do Coronavírus para que, no inútil Clube dos Prefeitos, houvesse um comitê permanente integrado por especialistas dedicados exclusivamente às questões automotivas. Numa situação como a atual, esse comitê poderia interagir ativamente com as montadoras e autopeças locais numa ação que reconfiguraria os excessos de isolamento social do governo João Doria. Sem que, claro, se ferissem dispositivos da Organização Mundial de Saúde.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!