Sociedade

Qual será o futuro político de
Moro? Glória ou frustração?

DANIEL LIMA - 11/05/2020

Se existe um lado bom das redes sociais (por enquanto não saio do quadradismo do aplicativo Whatsapp, embora comece a flertar com o Twitter) é que, noves fora as milícias à direita e à esquerda (há idiotas fanáticos que imaginam milícias apenas à direita) existe interação com gente inteligente, abusada, quando não cegamente opositora, que nos obriga a pensar além da conta. O Sérgio Moro deste texto é produto disso.

Estou entre os muitos que lamentam a postura do então ministro da Justiça, misto de espião e alcaguete do governo Jair Bolsonaro. Sérgio Moro não tem imunidade porque veio da maior operação já realizada no País contra bandidos sociais. Há quem lhe ofereça espécie de divindade. São os fundamentalistas.

É abominável a postura que Sérgio Moro expôs ao deixar o governo em entrevista que só não foi patética porque é preciso respeitar a profundeza da torpeza.

Sérgio Moro saiu dando tiros que, até prova em contrário, eram de festim. E mesmo que o inquérito policial instaurado e que começa a ferver nesta semana demonstre que ele tem razões de sobra para insurgir-se contra o governo federal, a forma com que se conduziu não é digna de alguém que tenha preocupação com a ética. Moro estava e continua mancomunadíssimo com a Rede Globo, inimiga declarada do presidente da República e, portanto, fora do enquadramento de interesse nacional. Ou a Globo virou santa também?

Entre o céu e o inferno

O futuro de Sérgio Moro está entre o céu e o inferno. Se forem confirmadas as declarações de que o presidente da República pretendia intervir de modo doloso na nomeação do diretor-geral da Polícia Federal e na Superintendência do Rio de Janeiro, será indispensável adicionar que os propósitos reúnem materialidade comprovada no sentido arbitrário e antirrepublicano de ser. Não será fácil, exceto se o presidente for uma besta quadrada.

Por que não seria fácil? Porque a carta de apresentação de suposto escândalo comprometeu ainda mais o então ministro, quando não o respeito à privacidade alheia. É esse o ponto central dos deslizes de Sérgio Moro.

A exibição de mensagens trocadas com a deputada federal Carla Zambelli no Jornal Nacional feriu de morte o relacionamento pessoal que os unia, a ponto de Sérgio Moro ter sido padrinho de casamento da deputada. Fosse apenas isso a intempestividade poderia ser perdoada, porque valores republicanos prevaleceriam.

O tropeço relacional quanto republicano é que o material em si não diz nada exceto explicitar o corte seletivo, por isso impreciso e matreiro, da troca de mensagens anteriores e posteriores. E também por revelar que o então ministro se preparava para a demissão horas antes de reunir-se com a Imprensa.

Sem nexo contextual

A frase forçadamente fora do contexto de que “não estou à venda” não conta com nexo estrutural. Foi claramente retirada do bolso do colete da esperteza rasa de quem pretendeu usar uma vacina de idoneidade, mas sem substância contextual. Resta saber se tem mais mensagens a revelar que, portanto, sustentem as apresentadas na Globo.

Nada melhor que uma apuração isenta e sem espetacularização. O depoimento de Sérgio Moro à Polícia Federal, passo inicial das apurações, foi um traque de São João. Por enquanto não há nada a sustentar o que os oposicionistas mais desejam – o impeachment do presidente da República.

Mais que isso: até agora não existe fundamentado algo que sequer coloque o presidente da República em situação embaraçosa. Essa avaliação é geral, inclusive do jornal Folha de S. Paulo, também da Grande Mídia que faz de Bolsonaro o alvo a ser batido.

Gripezinha e Bessias

Também do ponto de vista de futuro eleitoral, o que foi apresentado até agora não ameaça a bobagem de “gripezinha”. Do ponto de vista institucional nada que se assemelhe ao “Bessias” de Dilma Rousseff, para bancar a posse de Lula da Silva como ministro e, com isso, escapar das garras da Justiça.

Afinal, a acusação de que Jair Bolsonaro pretendia interferir na Policia Federal é de elasticidade interpretativa cavalar. Intervir pode ser tudo, segundo a subjetividade que exala e a tradição de relacionamento entre ocupantes do Palácio do Planalto e instituições próximas ao Poder Executivo.

A gravação de uma reunião no Palácio do Planalto deverá ser a pedra de toque a separar o que seria uma bomba nos fundilhos do presidente ou o cadafalso do ex-ministro da Justiça.

A Grande Mídia que dá provas sequenciais de que Jair Bolsonaro é um inimigo a ser batido (tudo isso me remete, diferenças do caso à parte, ao massacre contra Sérgio Gomes, boi de piranha que o PT e o PSDB escolheram para mitigar a morte do prefeito Celso Daniel e as roubalheiras tucanas no governo do Estado) perdeu, claramente, o peso da neutralidade, para não dizer racionalidade. Tomou partido em tudo que diz respeito ao presidente da República. Esteja Jair Bolsonaro cometendo mais uma estupidez verbal ou operacional, esteja produzindo uma peça de razoável carpintaria governamental.

Vantagem e desafio

Essa é paradoxalmente a vantagem de Sérgio Moro, e também o grande desafio. Ter a Grande Mídia a favor (porque não o teria, convenhamos, se velhos caciques e bandidos políticos também o têm na cruzada contra Jair Bolsonaro?) é algo que pesa bastante no tabuleiro de xadrez do empichamento pretendido. Entretanto, sem insumos apropriados para preparar um sarapatel indigesto ao presidente, não adianta nada. Somente frustração.

O mesmo STF que livrou Dilma Rousseff da perda de direitos políticos que o eleitorado mineiro rejeitou nas urnas precisa de elementos fáticos ou não, mas de razoável tessitura legal, para auxiliar a Grande Mídia na derrubada do presidente da República.

Tenho cá comigo como observador razoavelmente atento do cenário político nacional que Sérgio Moro deu um passo apressadamente em falso, justamente um Sérgio Moro que sempre se notabilizou pela frieza e temperança na Operação Lava Jato.

Alguém lhe soprou aos ouvidos que era hora de dinamitar o governo de Jair Bolsonaro. Havia uma trama nesse sentido envolvendo a Grande Mídia, Judiciário, atores políticos, acadêmicos e sociais. O contexto parecia favorecer uma guinada em Brasília. A pressão parecia insustentável.

Sempre contra

Uma turma que, a qualquer escorregadela de Bolsonaro, aparece no vídeo a desfilar saraivada de críticas. Muitos deles, repito, já estiveram no mesmo Jornal Nacional em situação diametralmente oposta, como elementos perniciosos à política e também à ética. São falsamente chamados agentes democráticos. A memória curta e as conveniências de sempre ajudam a transformar bandidos em candidatos a heróis, em democratas de primeira hora.

Havia informações gelatinosas que ignoravam o respaldo de Jair Bolsonaro pelas Forças Armadas. Algo que se cristalizou de maneira sólida e pública logo em seguida. O Clube Militar enviou recado ao Supremo Tribunal Federal. Não seria justo chamar de puxão de orelhas coletivo, ou apenas especifico ao ministro Celso de Mello, o caso dos generais a serem ouvidos no inquérito das denúncias de Sérgio Moro.

Alerta dos militares

O que tivemos, isto sim, foi uma recomendação duríssima dos militares de que a farra da impunidade seletiva estaria com os dias contados. Reproduzo a nota assinada em sete de maio pelo General de Divisão Eduardo José Barbosa, presidente da associação que reúne militares da reserva. A Grande Mídia preferiu ignorar ou destinar rodapé editorial:  

 O Clube Militar repudia enfaticamente o despacho exarado ontem pelo Ministro Celso de Mello, do STF, no inquérito que apura denúncias do Ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública contra o Presidente da República. Em primeiro lugar, depreende-se que existe ali quase que uma defesa de tese para alunos universitários. São páginas e mais páginas de ilações e comentários completamente desnecessários, utilizados tão somente para demonstrar seu ódio pelo governo federal e pelos militares. Quanto ao despacho em si, “parabéns” ao Sr Ministro ao discorrer sobre a publicidade que deve ser dada às investigações, particularmente quando envolve autoridades públicas. Quem sabe essa afirmativa sirva, por exemplo, para tornar públicos alguns inquéritos sigilosos que tramitam no próprio Supremo? Ou aquelas investigações envolvendo os próprios Ministros e seus parentes, “amigos” e Congressistas?

Mais Clube Militar

 No entanto, a maior falta de habilidade, educação, compostura e bom senso, desejáveis em um Ministro de uma Alta Corte, é, no tocante à forma como trata todas as testemunhas arroladas para depor, considerá-las como se fossem bandidos da pior espécie. Tal tratamento deveria, sim, por justiça, ser dispensado aos réus de um processo, inclusive àqueles que roubaram nosso país e que andam soltos por aí por leniência dessa própria Corte! Estes, sim, merecem ser conduzidos “debaixo de vara”.

Tratar autoridades de um outro Poder dessa forma leviana só demonstra o nível de Ministros do STF que temos em nosso País. Particularmente no tocante aos nossos Generais Ministros, a capacidade profissional que demonstraram ao longo de suas carreiras dispensa qualquer defesa, pois nenhum chegou ao topo da carreira militar por indicações políticas e/ou ideológicas, mas tão somente pelo mérito, caracterizado, entre outros atributos, pela dedicação à Pátria.

Mais Clube Militar

 A Democracia se caracteriza pela independência e harmonia entre os três poderes e o grande fiscal desse sistema é a população. Assim, quando vemos manifestações, cada vez com maior frequência, contestando a atuação de qualquer um dos poderes da República, não se pode dizer que esses movimentos são antidemocráticos. Podemos, sim, afirmar que existem engrenagens do sistema que estão atuando fora do contexto democrático. O referido despacho do Ministro, bem como outras interferências indevidas e omissões entre os Poderes, bem demonstram essa afirmação! 

Longe da decisão

Sérgio Moro caiu na armadilha da mensagem de que o jogo estava pronto para ser decidido. A turma da oposição que gira em torno da Grande Mídia cometeu duplo equívoco. Além do Clube Militar avalizar posicionamentos de Bolsonaro, há parcela considerável de 35% de eleitores cativos do presidente. Essa massa não arreda-pé de pontos estratégicos em manifestações que carregam o tom severo de que a elasticidade evocada no conceito de democracia vale tanto para a direita quanto para a esquerda. E também para o centro articulador de uma guerra de guerrilhas.

Volto às redes sociais para recuperar o fio da meada deste artigo. Não falta quem me cobre o que chamam de coerência, de defensor intransigente da força-tarefa da operação Lava Jato e as críticas a Sérgio Moro que expus aos integrantes da lista de leitores que mantenho no Whatsapp. A explicação é tão simples quando dar um passo adiante nas corridas matinais que faço.

Primeiro porque não tenho obrigação alguma de ficar preso a quem quer que seja e em todos os tipos de situação se o mesmo senso crítico apontar contrariedade. Como já mostrei acima, Sérgio Moro agiu como um traidor do governo do qual fazia parte sem que tenha identificado até agora (está no depoimento que prestou à Policia Federal) qualquer indício de criminalidade do presidente da República. A desconforto de não ter o poder supremo, que confundiu com autonomia, é miseravelmente ingênuo.

Segundo e, principalmente, jamais personalizei os integrantes da Operação Lava Jato nos mais de 400 textos que abordo a operação dos federais. Precisamente, até ontem, 415 textos. Desse total -- reparem no que se segue -- em apenas 55 textos nominei o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Trocando em miúdos e esclarecendo àqueles com dificuldades de concatenar pensamentos: Sérgio Moro ou qualquer integrante da Operação Lava Jato jamais foi individualmente sacralizado por este jornalista. O que produzi foram textos de consagração das equipes que formaram a Lava Jato.

Valorização em excesso

Vou mais longe: os acontecimentos revelam elementos que me conduzem à conclusão de que Sérgio Moro foi mais valorizado que qualquer outro integrante da Lava Jato. As principais ações foram dos promotores criminais e dos policiais federais que amassaram barro para formatar com baixo grau de impureza o maior escândalo já apurado na República. Sérgio Moro completou o serviço com denodo, metodologia e muita discrição.

Talvez o grande erro do presidente Jair Bolsonaro foi ter visto em Sérgio Moro algo como um Tostão, centroavante do Cruzeiro e da Seleção Brasileira campeã da Copa do Mundo de 1970 e o melhor analista de futebol da crônica esportiva. Bolsonaro imaginou que Moro seria como ministro o que foi como juiz. A vida não é bem assim.

Moro parece introspectivo demais para liderar no sentido mais exigente da palavra um País aos sobressaltos como o Brasil.

Muitos craques do futebol (Paulo Roberto Falcão é o mais teimoso entre todos) jamais foram como treinadores a reprodução do talento dentro de campo. Enquanto isso, caneleiros como Felipão, Abel Braga e tantos outros, deram-se muito bem como comandantes de atletas.

Saber escalar o time

Costumo dizer que nos meus tempos de comandante de redação, mais que conhecer cada um dos jornalistas, era premente que fossem escalados em áreas temáticas compatíveis com a especificidade de conhecimentos individuais. Especialidade, eis a palavra-chave.

Sérgio Moro não é um especialista que a função de ministro da Justiça de um governo estridente como o de Jair Bolsonaro recomenda. Como outros ministros estrambólicos de Bolsonaro também não são recomendáveis, porque antípodas e sem o prestígio do até então ministro da Justiça. Os próximos tempos serão tão decisivos para Jair Bolsonaro quanto para Sérgio Moro e aqueles que perfilam na luta pelo impeachment. Bolsonaro já trouxe o Centrão para suas cores. Exatamente o Centrão que mais odeia Sérgio Moro. Depois do PT, claro. Resta saber, também, se essa aproximação conduzida pelo governo de Jair Bolsonaro vai sustentar critérios éticos tão desfraldados durante o processo eleitoral de 2018.



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