Em sete de abril último estava refugiado em Salto, Interior do Estado, quando produzi um texto que projetava o número de mortes no Grande ABC pelo Coronavírus. Achava que aquelas 588 almas era um exagero. Mas se tratava de estudo sério e decidi levar ao público.
Os cálculos foram feitos por mim com base na metodologia dos cientistas. Entre hoje e amanhã, no ritmo em que vai a desgraça do vírus chinês, o Grande ABC ultrapassará aquela marca nefasta e seguirá em direção a outra, que também já projetei e que ultrapassa a mil mortes.
Não ouso fazer avaliação definitiva das consequências políticas, sociais e econômicas no Grande ABC. Os prefeitos dos três principais municípios, todos tucanistas (se os apoiadores de Lula são petistas e os de Bolsonaro são bolsonaristas, então os apoiadores de quem fica em cima do muro e do muro desce de vez em quando são tucanistas, certo?) reduziram o placar parcial que caminhava para uma derrocada coletiva e fragorosamente danosa nas eleições municipais. Mas ainda muita água vai correr sob a ponte de interesses múltiplos.
A mexida no placar geral que envolve os três principais prefeitos da região se deu por conta das estripulias do governo João Doria.
Laranja e vermelho
Ao pintar de alaranjado o território da Capital do Estado e jogar todo o resto da Região Metropolitana no vermelho, juntamente com a Baixada Santista, Doria conseguiu a proeza de entregar de bandeja a indignação dos até então acovardados prefeitos.
A burrice de cálculo ou de baixo apetrechamento decisório do governo Doria retirou Paulinho Serra, Orlando Morando e José Auricchio Júnior da omissão econômica. Eles não estavam nem aí para as consequências do Coronavírus no tecido empreendedor do Grande ABC.
Aliás, os três prefeitos só repetiram o que fazem na prática em tempo de paz, sem o vírus chinês, ou seja: o que se passa na Economia do Grande ABC está em vigésimo lugar na escala de prioridades desses administradores.
Por isso mesmo, com a água já no pescoço do suicídio político-eleitoral, os três tucanos foram à luta contra a resolução d e um governador que fala muito em tecnicismo e cientificismo, mas, na prática, não sai do quadradinho de um modelo ortodoxo de combate ao vírus.
Somente agora o governador acordou para a regionalização de ataque ao bicho feio, e mesmo assim o fez aos atropelos.
Sobrevivência em jogo
Talvez os prefeitos do Grande ABC não saiam mais do compartimento decisório: entre juntar as traças novamente com o governador do Estado e dar um grito de liberdade para salvar as eleições, a segunda alternativa virou questão de sobrevivência.
Os próximos passos estão reservados para um futuro que virá logo-logo. Acho que o governador não vai suportar o peso midiático de ter avermelhado toda a vizinha metropolitana e santista. O déficit político subiu à estratosfera.
Se na política a situação está para lá de confusa e se na economia os estragos estão longe de se consolidarem, porque durarão meses, no vetor social, então, haja paciência para decifrar os próximos tempos.
Certo mesmo é que, como uma coisa (saúde) vai se juntar à outra (economia), o terceiro vértice da equação (social) possivelmente se tornará explosivo. Como, de resto, em territórios do Brasil mais impactados pelo Coronavírus.
Concorrentes impactados
Nestas alturas do campeonato imagino como estariam os concorrentes às prefeituras do Grande ABC, notadamente nas cidadelas tucanistas. Certo é que eles não esperavam esse extraordinário tropeço de João Doria. Os prefeitos já eram vistos como organismos debilitadíssimos na campanha eleitoral. Havia feixe extraordinário de apontamentos que os colocariam no alçapão de probabilidades. Menos Orlando Morando, claro, por falta de adversários mais robustos.
Agora que o jogo deu uma mexida no placar, embora não definitiva, os oposicionistas precisam refletir e reorganizar baterias. Sem contar que devam rezar para João Doria continuar a fazer besteiras.
Quem sabe os prefeitos tucanistas que saíram da toca do conformismo não cometam deslizes? Nada improvável. Há quem considere a possibilidade de que houve apenas e tão somente um respiro de inteligência e ações assertivas dos rebeldes cromáticos.
O placar de mortes provocadas pelo vírus chinês na região pode ser um lance de fortíssimo apelo oposicionista (nesse caso, a saúde suplantaria a economia como força de destruição da narrativa dos prefeitos) e, com isso, daria um novo balanço no ambiente eleitoral.
Contabilidade macabra
Parece pouco provável que o Grande ABC escapará de mil mortes quando a pandemia der uma folga. Não é pouca coisa, convenhamos; sobretudo porque ao submeter ao esquartejamento da relação dos casos letais por 100 mil habitantes, a constatação é que estamos entre os piores do mundo. Basta ser um dos piores do País para colocar os prefeitos tucanistas em maus lençóis.
Embora não tenha ainda dado a mim mesmo a palavra final sobre o desempenho dos prefeitos da região nesse período de amedrontamento geral, preliminarmente os desaprovo no conjunto da obra de saúde, economia e social, porque insistem em seguir um ritual mais que manjado. Falta ousadia.
Ao insistirem em ignorar a importância de colocar nas ruas exércitos de servidores públicos para fazerem o que voluntários preparam na Itália, os prefeitos demonstram que são convencionais e planilheiros demais às demandas sociais mais graves. Para completar, alguns trechos da matéria sobre a projeção de 588 mortos no Grande ABC.
Morrerão mesmo 588 no
Grande ABC e 24 em Salto?
DANIEL LIMA - 07/04/2020
Do ponto de vista estritamente matemático é uma ilusão acreditar que corro menos risco de ser vítima do Coronavírus em Salto, Interior do Estado, a 130 quilômetros de São Bernardo, do que no Grande ABC. Mas a matemática mesmo enganadora ajuda quem está distante do Grande ABC a acreditar que conta com vantagem probabilística. Até porque não me fio apenas na matemática. Como os leitores poderão ler. Dito isso, mesmo se fosse ignorante em todas as outras indicações que supostamente mediriam os riscos de estar aqui ou aí, teria uma vantagem psicológica que faz a diferença. Mas vou me fixar apenas, por enquanto, na matemática. Depois invado outros terrenos, os quais me dão ainda mais conforto, agora de fato. Será? Entre as melhores projeções que detectei até agora a possibilidade de Salto registrar 24 mortes parece muito melhor do que estar no Grande ABC, onde estão previstas 588. Convenhamos que é uma senhora vantagem, mesmo que ilusória. O conforto psicológico atenua a pressão ambiental. Para cada quatro mortos em Salto, seriam 100 no Grande ABC. (...). Trata-se da equipe de epidemiologistas do Imperial College, de Londres. Eles analisaram o impacto da covid-19 em 202 países, entre os quais o Brasil. (...). No estudo dos técnicos britânicos, foram traçados três grandes cenários. No primeiro, nada seria feito contra a pandemia. Os infectados somariam sete bilhões de habitantes do planeta e 40,6 milhões morreriam. Na segunda hipótese, seria adotada uma estratégia de isolamentos parciais, reduzindo em 42% as internações entre indivíduos. Se as medidas abrangessem apenas idosos, o número de mortes cairia para 20 milhões. E o total de doentes graves superaria em oito vezes a capacidade dos hospitais do mundo desenvolvido. (...). Preferi optar pela terceira alternativa dos especialistas britânicos. O quadro parte de uma redução de 75% dos contatos entre indivíduos (sempre segundo a reportagem do Valor Econômico). Se essa barreira for fixada nos 250 primeiros dias de contágio, a infecção atingiria 420 milhões e provocaria 1,9 milhão de mortes. Se adotada depois desse prazo, os números saltariam de forma espetacular. Alcançariam, respectivamente, 2,4 bilhões e 10,5 milhões. Agora é que chegamos ao caso do Brasil, associado ao terceiro grupo de alternativas dos efeitos do Coronavírus. Os especialistas do centro britânico estimaram 44,2 mil mortes. No pior cenário, seria o total de um milhão. Vamos ficar com as 44,2 mil vítimas do vírus. Basta dividir o total pela população arredondada de 212 milhões de habitantes para se chegar a 0,021% de mortes. Como o Grande ABC participa com 1,32% do bolo nacional da população, a tradução em termos macabros seria de 588 mortes. Já Salto, com população relativa no País de 0,0055%, duas dúzias de moradores seriam atingidas. A população do Grande ABC é 41,5 vezes maior que a de Salto.
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