Se você tem mais de 50 anos de idade e viveu no Grande ABC nos últimos 30 anos certamente entenderá o que seguirá neste texto. E se tem menos de 50 anos e viveu nos últimos 30 anos no Grande ABC também entenderá este texto.
Num placar ficcional de Expectativa de Futuro que tenha o Grande ABC como núcleo de observação e sensibilização, a nota que atribuiria à década dos anos 1990, a última do século passado, seria sete. E para as duras primeiras décadas deste novo século, a média não passaria de dois.
Vou tentar explicar tudo isso, inclusive a origem motivacional desta abordagem.
É importante que não haja esquecimento sobre o núcleo conceitual deste texto. Trato do placar de Expectativa de Futuro. Quem viveu intensamente o Grande ABC do final do século passado certamente está prostrado neste último ano da segunda década dos anos 2000.
Lideranças escasseiam
Só não estaria aborrecido, quando não decepcionado, quem foge completamente do preceito de cidadania cooperativa, mais popularmente conhecida como capital social.
Mandachuvas e mandachuvinhas sem apego ao conjunto da sociedade entram nessa contabilidade de exceções à regra porque vivem período típico de favorecimentos mútuos que os tornam exatamente o que são, ou seja, mandachuvas e mandachuvinhas. Fossem diferentes e tão influentes, seriam chamados de lideranças exemplares.
Trocamos a mala relativamente cheia de esperança dos anos 1990 pelo esquartejamento em forma de desencanto nos anos 2000.
Vou ser breve porque se der corda à consciência e ao conhecimento acumulado na vivência regional estarei desenrolando um novelo sem fim.
Sem organização coletiva
O resumo da ópera é que o Grande ABC fracassa redondamente como organização social e econômica neste século.
É verdade que viveu de oscilações municipalistas no século passado, até que a desindustrialização podasse a euforia de investimentos produtivos sem planejamento dos gestores locais.
Tivemos altas e baixas nos anos 1900, até que chegasse em forma de institucionalidades novidadeiras a esperança de um futuro melhor a partir dos anos 1990, com ênfase no segundo quinquênio.
O prefeito Celso Daniel foi a liderança que encaminhou um futuro que se perdeu a cada nova temporada deste século. Desde sua morte tudo degringolou. Paradoxalmente, também teria desvanecido se vivo estivesse.
Há uma força motriz de improdutividades sociais no Grande ABC que supera largamente o confronto com uma minoria cada vez mais recolhida de gente do bem que não quer entrar em dividida.
Os desaprovadores do Grande ABC de hoje estão divididos entre os muitos em forma de silêncio e uma minoria que de vez em quando bota o pescoço para fora e logo se recolhe. Todos temem os poderosos de plantão.
Cavalo de pau
O Grande ABC pode até ensaiar uma retomada de autoestima que despertaria pendores reformistas consistentes por força de circunstâncias especiais, mas não parece contar com medidas coletivistas para sustentar eventual cavalo de pau de recuperação.
Esta abordagem é consequência do que publiquei a partir de nove de março passado, quando anunciei o resgate de 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, capturando de imediato a trajetória da revista LivreMercado. Já alcançamos a nonagésima edição de uma ação que vai longe, inclusive além do calendário gregoriano de 2020.
A cada investida diária para filtrar os textos mais relevantes daquela publicação (e desta que virá conforme a cronologia avançar), mais se acentua o desencanto que mata a esperança de ontem.
Divisor do tempo
Ou seja: me sinto na obrigação de estabelecer um divisor de tempo entre o passado dos anos finais do século passado e o presente dos anos deste século. Esse exercício diário de resgate dos anos 1990 é puro sadomasoquismo intelectual, por assim dizer. Saio do estado de euforia contida de muitos textos de LivreMercado e me deparo com o que sou moralmente obrigado a produzir para CapitalSocial.
De vez em quando acho que essa mescla de euforia e depressão – porque, afinal, é disso que estou tratando – exigiria cuidados de especialista na matéria. Não na matéria de jornalismo, mas de psiquiatria mesmo.
A cada matéria que retiro do arquivo digital de LivreMercado, mais se acentua o desgaste emocional de estabelecer comparações com o futuro que chegou em forma de presente.
Laboratório especial
O passado de esperança, quem diria, virou saudade. Foram poucos anos, é verdade, inclusive com manipuladores à solta, mas valeram a pena. O Grande ABC foi o maior laboratório social dos anos 1990 no Brasil. Tudo que o Brasil passou no ambiente macroeconômico e também social, vivenciamos aqui de forma muito mais contundente.
Dar nota dois à Expectativa de Futuro no Grande ABC nestes tempos, e dar nota sete naquele fim de século, talvez seja a mais didática lição à compreensão dos leitores que viveram de um modo ou de outro a experiência de estar os últimos 30 anos nesse território muito especial.
São múltiplas as razões da queda da Expectativa de Futuro no Grande ABC neste século. Ao longo dos anos as analisei detalhadamente.
Não sobrou nada
Nos anos 1990 tínhamos o Clube dos Prefeitos, a Câmara Regional, a Agência de Desenvolvimento Econômico e o Fórum da Cidadania a disputar, bem ou mal, os tentáculos do futuro. Havia até um excesso de instituições regionais, conflitivas entre si. A abundância é sempre melhor que a escassez. Até as entidades de classe ensaiaram reviravolta. Pretendiam sair da pasmaceira institucional em que estão metidas. Mais que metidas, repetidas com horror.
Neste século perdemos tudo isso. O Clube dos Prefeitos é uma instituição que só engana quem insiste em ser incauto. Finge que atua. Não passa de representação burocrática com todos os vícios do setor público e nenhuma virtude do empreendedorismo privado. As demais instituições desapareceram formalmente. Menos mal, porque não driblam o distinto público.
Sem arranjo regional, base de ações estruturantes que façam jus ao conceito de coletivismo deste território, o Grande ABC fica reduzido dramaticamente ao que chamo de bicho-de-sete-cabeças, cuja essência psicossocial é o gataborralheirismo invasivo nas mentes, nos corações e nas ações.
Individualismo impera
O capital social do Grande ABC se esvai. O senso cooperativista desaparece. Sociedade, Mercado e Estado seguem separados, individualizados, fragilizados.
Não temos identidade de grupo. Os indivíduos nadam de braçadas. Não mais que uma centena de mandachuvas e mandachuvinhas controlam os poderes locais.
Não bastasse o municipalismo permeadíssimo de provincianismo a tolher os passos de quem imaginava ser possível dar um salto adiante e se aproximar da modernidade, eis que a tecnologia portátil, sobretudo a portátil, que coloca o mundo à disposição da sociedade, enfraqueceu ainda mais as relações locais.
Tecnologia fragmentadora
Quando se imaginava exatamente o contrário, eis que a dispersão temática, partidária e ideológica mutila a capacidade potencial de apurar o foco sobre questões locais e regionais centrais.
Estamos divididos em várias partes e em várias situações. O municipalismo prevalece na pauta da sociedade no espaço que sobra dos debates nacionais cada vez mais polarizados. Não há ambiente no ecossistema social para definir o futuro do Grande ABC entre outras razões porque também a mídia se perdeu de vez no varejismo informativo e, como os consumidores de informação, carrega vieses enfeitiçadores.
Nota dois de zero a dez é uma generosidade para a Expectativa de Futuro neste século. Acho que estou mesmo precisando urgentemente de um divã.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!