O Grande ABC como um todo (e o Grande ABC subdividido em sete municípios) é vulnerável demais à pandemia do vírus chinês. É preciso que essa verdade estatística seja disseminada e por isso mesmo respeitada, além de temida, porque há uma confusão na praça.
O Instituto Votorantim diz o contrário, segundo avaliações apressadas, mas não diz o contrário segundo análises mais reflexivas. O que existe é um erro de interpretação. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Transportando o debate para o campo futebolístico, estão confundindo as coisas. Tratam como o melhor time do campeonato e os demais consequentemente menos poderosos, quem lidera a mineração de indicadores primários e secundários do comportamento técnico.
Estão esquecendo que campeão é quem faz um balanço sincronizado de mais gols marcados e menos gols sofridos em cada jogo em relação aos demais competidores. O que manda, portanto, é bola no barbante. Dribles, triangulações e outros babados não necessariamente influem no placar final.
Tiro no próprio pé
Por conta disso, ou seja, da confusão instalada, quem propaga euforicamente que conta com índice de vulnerabilidade baixíssimo e, portanto, está entre os melhores no combate à pandemia, cava o próprio fosso de autocondenação. Quem tem os melhores indicadores de vulnerabilidade à pandemia deveria ter menor índice de letalidade do vírus chinês. E não é isso que acontece.
Agora, traduzindo tudo o que disse logo acima, o que quero dizer de forma mais despojada é que quem propaga que o Grande ABC tem elevada imunidade contra o Coronavírus está dando um tiro no próprio pé.
Administradores públicos que ligarem o motor de arranque do populismo para propagar essa versão estão cavando a própria sepultura imagética. Os números os desmentem. E aí é preciso ressaltar, a bem da verdade, que os números desmentem a correlação feita com o vírus chinês, mas não obrigatoriamente invalida, sob outro aspecto informativo, o nível de potencial de combate ao Coronavírus. São situações distintas, portanto. De teoria e de prática.
Perdendo para todos
Vamos mostrar o que contempla o Grande ABC até agora, segundo números oficiais de letalidade do vírus chinês, que é o que mais importa e que define o placar geral, independentemente de qualquer outro aspecto.
Não dá mesmo para jogar para a plateia quando os dados de mortalidade do Coronavírus aparecem na tela de computador.
O índice de letalidade do Grande ABC até agora (1.467 mortos para 2.840 milhões de habitantes) é de 51,65 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. No Estado de São Paulo, com arredondados 45 milhões de habitantes e 19.038 mortes, o índice é de 42,30 casos fatais. No Brasil, com 76.688 mortes para 212 milhões de habitantes, o índice é de 36,17 de casos letais para cada grupo de 100 mil habitantes.
Repararam no que mais interessa para uma medição sem margem a manipulação? São os casos por 100 mil habitantes (que também podem ser por 10 mil ou um milhão, tanto faz) que colocam o Grande ABC na linha de tiro de abate a qualquer tipo de triunfalismo. Os casos fatais na região estão 18,10% acima da média paulista e 30% acima da média nacional.
Participação populacional
A participação relativa da população do Grande ABC na população brasileira é de 1,34%, mas os casos fatais do Coronavírus atingem a marca de 1,91%. Esse resultado é a divisão do total de casos letais na região pelo total de casos de morte no País. Estamos, portanto, reiteradamente, 30% acima do nível desejado no sentido de que deveríamos reproduzir nos sete municípios a proporcionalidade de incidência letal do vírus chinês no País.
No caso do confronto com o Estado de São Paulo, a população do Grande ABC representa fatia de 6,31% do total, mas os casos do vírus chinês em forma de mortes chegam a 7,70%. Os mesmos 18% anteriores de superioridade negativa da região.
Notaram, portanto, que há um conflito de narrativas entre os referenciais do Instituto Votorantim em forma de infraestrutura física e social do Grande ABC e os rumos até agora já registrados de estragos do vírus chinês?
Estudos importantes
Não quero dizer com isso que a metodologia daquela entidade mantida principalmente pela iniciativa privada seja uma farsa. Talvez tenha havido excesso de confiança nos preceitos destilados à mídia que, por sua vez, e isso vem de longe, deixa-se encantar por estatísticas. Quando se joga o senso crítico inerente da prática jornalística na fila de espera do triunfalismo, tudo de bobagem pode acontecer.
Seria leviandade desclassificar o indicador do Instituto Votorantim, mas a omissão em aceitar bovinamente o ranking de vulnerabilidade configuraria algo pior ainda, porque induziria os leitores a proclamarem eficiência de gestores públicos que não condiz, supostamente, com os dados de letalidade do vírus.
Quero crer que a minha santa bondade de ver também o outro lado da moeda de definições estatísticas que tanto o Instituto Votorantim quanto as prefeituras que alardeiam posições nobres no ranking de vulnerabilidade estejam nutridos de boas intenções. O instituto porque alinhavou uma série de estudos e dados estatísticos para tentar dar alguma organicidade científica, por assim dizer, a uma espécie de genealogia de combate ao vírus chinês no campo da infraestrutura. E os prefeitos porque estariam numa disputa em forma de autodefesa para dizer que contam com aparato técnico-hospitalar, além de base socioeconômica, para se distinguirem de outros endereços menos robustos.
Russo abelhudo
O problema todo é que esqueceram de combinar com um russo específico, no caso este jornalista. Eles deveriam saber que sou mesmo um abelhudo quando se trata de enxergar dados estatísticos com olhos e mente inquietos. Talvez Freud explique a tara que sempre tive e continuo a ter ao observar noticiários que contabilizam números diversos.
Esse ranking de vulnerabilidade municipal do vírus chinês não cola. É isso que quero dizer e estou dizendo de forma mais popular. Não cola mesmo. O ranking pode valer para muita coisa, como os indicadores e a metodologia sugerem, mas daí a avançar o sinal como balizador de eficiência no combate à pandemia é outra história.
Para completar a trituração analítica da improcedência do Índice de Vulnerabilidade Municipal como sinônimo de combate ao Coronavírus, não custa lembrar que São Bernardo ocupa a segunda posição no ranking nacional (atrás apenas de Colina, no Interior de São Paulo), mas, mesmo no âmbito regional, perde a posição para Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
São Bernardo é emblemático
São Bernardo contabiliza até agora 532 mortes na pandemia. Quando se divide essa letalidade pelo número de habitantes (884.418) tem-se como resultado 63,00 mortes por 100 mil habitantes. Muito mais, portanto, que a média da região. São Caetano, que está em 18º lugar no ranking nacional do Instituto Votorantim, é rabeirinha na região com o total de 111 mortes para uma população de 161.996 habitantes. Façam os cálculos. Dá exatamente 68,52 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. São Caetano disputa pau a pau o último lugar na região com Diadema, de espectro socioeconômico completamente diferente. Em Diadema morreram até agora de Coronavírus 283 pessoas. Como conta com 426.727 moradores, a proporção para cada de 100 mil habitantes é de 66,31. Jogo duríssimo.
Quantidade pela população
Há imensidão de vetores que o Índice de Vulnerabilidade Municipal não captura porque o vírus chinês conta com especificidades já apuradas e outras que só o tempo desvendará.
Quem tem a mania de insistir numa bobagem qualitativa de avaliação dos casos de letalidade levando em conta apenas o número absoluto de vítimas fatais, sem considerar as respectivas populações, está com as duas mãos na goiaba da prateleira de um supermercado com intenção de usar o bolso para escondê-la do caixa.
Salvo engano, não detectei entre os indicadores que dão estrutura ao índice do Instituto Votorantim qualquer coisa que leve em conta a densidade demográfica do Grande ABC. E esse é um ponto crucial à devastação do vírus chinês. Pior ainda quando se acrescenta à densidade demográfica a metropolização em que está inserido o Grande ABC, gataborralheira de uma Capital ainda mais ostensivamente ocupada por gente em relação ao espaço físico disponível.
Buraco metropolitano
Some-se à densidade demográfica a parafernália de infraestrutura de transporte público e privado de uma área fortemente conurbada, em que as divisas territoriais não obedecem à lógica econômica, e encontramos uma portaria imensa à disseminação letal do vírus.
Portanto, as características geoeconômicas do Grande ABC e da Grande São Paulo como um todo sabotam determinadas métricas e afetam diretamente a interpretação dos efeitos práticos da pandemia.
Além disso, as subdivisões de classe e suas variáveis, ou seja, a relatividade territorial entre ricos, classe média, proletariado e miseráveis, configuram distinções que tornam a ponderação dos respectivos pesos relativos para a construção do macroindice uma tarefa sujeita a equívocos quando do outro lado temos um vírus incontrolável e ainda não inteiramente decifrado.
Entendo que esse assunto não está esgotado. Fui ao site do Instituto Votorantim para retirar mais informações. Os jornais não chegam ao detalhismos que exijo. Mas, sem dúvida, existe incompatibilidade genética a distinguir uma coisa da outra, ou seja, o índice e o vírus chinês. O primeiro é de embasamento científico, por assim dizer, cuidadoso. A outra coisa é que o danado do assassino a solta é errático e até agora praticamente indomável.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!