Esse é um breve conto que conta sem levar em conta as idiossincrasias municipalistas do Grande ABC o que se está passando durante a pandemia do vírus chinês. As autoridades sanitárias estão perdidas com o desafio de, mais que saber por onde anda o bicho feio, descobrir porque na cidade de Santo Andrardo a letalidade é muito maior à Leste do que à Oeste.
Por que morre mais gente na antiga São Bernardo do que na também antiga Santo André? Santo Andrardo é a soma dos dois municípios. O novo Município vale por tempo indeterminado. O tempo da pandemia que, todos sabem, é arredia a prognósticos temporais e sanitários.
A pandemia é um pandemônio para os cientistas, como se sabe. E se o é para quem diz que entende do riscado, por que não seria para outros tipos de especialidades. Como a política, por exemplo? Daí Santo Andrardo ganhar fama. Mais que fama: ganhar vida.
Desafio epidemiológico
Santo Andrardo é mesmo e principalmente um desafio epidemiológico. Na antiga Santo André da nova Santo Andrardo os casos do Coronavírus são 30% menos letais do que na antiga São Bernardo. Ou seja: a possibilidade de alguém morrer na antiga São Bernardo, quando comparada à antiga Santo André, é 30% maior. Não é pouca coisa.
Antes de seguir com a numerologia, convém ressaltar que a escolha pela denominação Santo Andrardo é fruto de plebiscito. Havia a opção dos moradores pela identidade Santo Berdré.
Prevalecia unanimidade de que a escrita e a fonética dos dois nomes postos à prova era a prova provada de mau gosto. Pensou-se em buscar identidade neutra, mais agradável aos olhos e aos ouvidos, mas venceu mesmo a fusão dos nomes originais.
Vitória da história
A história ganhou a disputa contra o marketing. E Santo Berdré foi posto de lado. Venceu o critério alfabético. É verdade que São Bernardo estrilou, mas foi voto vencido. O argumento era forte. Trata-se da Capital Econômica do Grande ABC. Mas não resistiu ao tradicionalismo.
A vizinhança que integra o Grande ABC não se manifestou sobre a fusão territorial provisória. O municipalismo resiste a toda prova no território que é regional apenas da boca para fora. Mas isso é outra história.
São Caetano, Diadema, Mauá e Ribeirão Pires, além de Diadema, estão embaralhados, também, no combate ao vírus chinês. São Caetano e Diadema disputam a liderança negativa de maior número de mortos para cada grupo de 100 mil habitantes. Mauá e Ribeirão Pires estão na Terceira Divisão de Letalidade. Rio Grande da Serra na última. Nesse caso, os últimos são os primeiros em proteção.
Mais infraestrutura
Santo Andrardo não conta com motivos aparentes nem subjacentes no ambiente socioeconômico que explique e justifique porque um lado sofre mais com o vírus chinês do que outro. Santo Andrardo não deveria ter lado Leste nem Oeste no combate à pandemia. Se tem é porque tem coisa estranha, claro.
Justamente o lado que perde o jogo, o lado da antiga São Bernardo, incorporou ao acervo de infraestrutura de saúde um hospital de verdade, desses que são permanentes. Moderno e com larga capacidade de atendimento.
Do outro lado, da antiga Santo André, criaram-se hospitais de campanha que jamais tiveram a capacidade esgotada. As informações sobre o nível de ocupação são segredo. Tanto quanto a qualidade de atendimento. Ninguém sabe. Ninguém viu. Mas isso também é outra história.
Santo Andrardo contabiliza hoje 1.015 casos de mortes pelo vírus chinês de um total de 1.776 do Grande ABC. Em termos matemáticos, 57,15% da região. A população de Santo Andrardo é de 1.565.649 milhão de habitantes. Ou 55,76% do Grande ABC. Há similaridade de casos quando se traça a relação entre letalidade e número de moradores.
Nenhuma Alemanha
O que desafia as autoridades sanitárias é a distribuição de mortes em Santo Andrardo. Como as cidades que se juntaram e formaram Santo Andrardo são semelhantes, não haveria motivo algum de o lado Oeste, da antiga São Bernardo, ser mais impactado do que o lado Leste, da antiga Santo André. Santo Andrardo é um mistério.
Santo Andrardo não é uma réplica tropical da Alemanha Ocidental e da Alemanha Oriental, desnudadas em contrastes quando o Muro da Vergonha veio abaixo. Por mais que politicamente haja diferenças entre os dois lados, nada reúne qualquer parentesco com os alemães dos tempos de Guerra Fria. Aqui o Muro da Vergonha é outro. Invisível em tantas coisas. Mas também isso é outra história.
Contabilidade disforme
Na antiga Santo André morreram até agora 382 pessoas, segundo dados das autoridades sanitárias que preferiram separar o território de Santo Andrardo em duas partes, obedecendo ao municipalismo revogado temporariamente. Na antiga São Bernardo foram para o outro mundo até agora 633 pessoas. Em termos absolutos, morreram na antiga São Bernardo, 251 pessoas a mais.
A métrica mais indicada para aferir de forma segura o que separa o vírus chinês do lado Leste de Santo Andrardo do vírus chinês do lado Oeste de Santo Andrardo é a relativização com base no número de mortes dividido pelo total da população de cada um dos dois municípios provisoriamente fundidos.
Na antiga Santo André são 52,96 casos letais para cada 100 mil habitantes. Na antiga São Bernardo são 74,96%. A diferença de 29,35% foi arredondada para facilitar a memória.
O que intriga a todos é que o distanciamento de resultados dos dois lados de Santo Andrardo praticamente inexistia nos primeiros meses da pandemia. Havia similaridade no índice de letalidade. Como não se trata de campanha eleitoral, com dados sujeitos a chuvas e tempestades, abriu-se uma vala de desconfiança.
Em quatro de março, quando se registravam 188 mortes no Grande ABC, a antiga Santo André apontava 30,32 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes, enquanto a antiga São Bernardo apontava 31,91%. Seguiu-se assim até que em junho começou o descolamento.
No dia dois de junho, com 626 casos fatais, a antiga São Bernardo participava com 33,54 de mortes por 100 mil habitantes no Grande ABC e a antiga Santo André registrava 25,40. Em julho, Santo André caia para 22,78 dos casos letais no Grande ABC e São Bernardo permanecia estável com 35,44%. Hoje, são 35,64 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes na antiga São Bernardo e 21,51 na antiga Santo André. Trocando em miúdos: a antiga São Bernardo quase não movimentou o placar relativo, enquanto Santo André registra baixa de mais de 30%.
O breve (espera-se) Município de Santo Andrardo conta com a média de 64,83 casos letais para cada grupo de 100 mil habitantes. O Grande ABC como um todo registra 63,25.
Força-tarefa em ação
Sabe-se que a Policia Federal foi chamada a Santo Andrardo. Os administradores dos municípios temporariamente suspensos em favor da fusão dos lados Leste e Oeste demoraram para chegar à conclusão de que era preciso investigar a opção preferencial do vírus chinês pelo lado Oeste, em benefício do Leste.
Só houve acordo, e mesmo assim com rusgas aparentemente irreparáveis, porque alguém sugeriu que os federais fossem permeáveis à participação de sanitaristas de ampla envergadura. Formou-se, portanto, uma corporação investigativa inovadora.
Eventuais crimes detectados pela força-tarefa passariam pelo crivo de especialistas em saúde. Mesmo que esses especialistas em saúde saibam sobre o vírus chinês tudo que pode não ser nada. Afinal, o vírus chinês é travesso, oblíquo, deletério.
Agenda investigativa
Descobriu-se que os federais e os sanitaristas estão debruçados sobre alguns pontos que pareceriam essenciais à investigação mista. A lista é desafiadora.
A água consumida pelos moradores da antiga Santo André é mais saudável que a água consumida do outro lado da antiga fronteira, dos antigamente chamados batateiros. Há controvérsia, entretanto. A mesma companhia de água e esgoto serve aos dois antigos municípios. Ou seja: Santo Andrardo é abastecida praticamente pelas mesmas fontes.
O marketing político do lado Leste de Santo Andrardo é mais efetivo na arte de minimizar os estragos do vírus chinês. Eles, os marqueteiros, teriam sugerido que as informações fossem menos transparentes e, mais que isso, subnotificadas. Ou seja: anunciaram-se com todo o cuidado cada vez menos casos letais em relação à realidade do dia a dia, até que a antiga Santo André fugisse da vizinhança numérica da antiga São Bernardo, cujos antigos prefeitos, embora tucanistas, não se bicam. Menos casos, mais discurso eleitoral. É ano de disputas municipais. E as eleições não estão submetidas ao torniquete de cidade-única, que só vale para os casos do Coronavírus.
A antiga São Bernardo teria mais casos letais porque seria mais impactada pela vizinhança com Diadema e o extremo sul abandonado da Capital do Estado. Há controvérsia sobre isso. A antiga Santo André está encaixotada pela Zona Leste da Capital, área demasiadamente suscetível ao vírus chinês.
A antiga Santo André teria peso menos pronunciado de densidade demográfica, comprovadamente um dos vetores à disseminação do vírus. Densidade demográfica é uma continha simples, em que se divide o total de moradores pelos quilômetros quadrados de área territorial. Haveria imediata desconsideração desse vetor, embora sujeita à revisão, porque a antiga Santo André é mais ocupada que a antiga São Bernardo: são 4.103,0 moradores por quilômetro quadrado contra 2.061,9 na antiga Capital do Automóvel.
Também está sendo considerado, mas com pouca força de diferenciação entre os dois territórios o quanto os ricos e a classe média tradicional são antagônicas em quantidade. Os federais e os sanitaristas vão descobrir que não existe quase nada a somar como prova: a antiga Santo André conta com 32,2% de famílias desses estratos sociais, enquanto a antiga São Bernardo reúne 30,9%.
Se não há motivo para desconfiar de que haveria mais famílias ricas protegidas do vírus chinês na antiga Santo André do que na antiga São Bernardo, então a saída dos federais seria desvendar a diferença tendo as famílias de pobres e miseráveis como ancoragem. Também vão se dar mal. Na antiga Santo André são 19,0% de famílias de excluídos sociais, enquanto na antiga São Bernardo o contingente é de 20,2% do total de famílias.
Pânico e oportunismo
Santo Andrardo está em pânico porque se descobriu uma fratura territorial que coloca a vida dos moradores em risco à Oeste e menos em risco à Leste. Especula-se que o mercado imobiliário já estaria aumentado o preço do metro quadrado na antiga Santo André em relação ao que se encontra do lado Oeste. Os consumidores do lado Leste também estariam evitando cruzar fronteiras. O lado Oeste teria virado mico. Estaria circunscrito aos consumidores locais, embora não falte quem defenda a ideia de que é melhor mesmo é abandonar pruridos municipalistas e bandear para o outro lado, porque dinheiro não aceita desaforo.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!