Sociedade

Mais 17 dias para vírus chinês
completar 100 mortes por 100 mil

DANIEL LIMA - 25/09/2020

Faltam 17 dias (a fita de chegada é 12 de outubro) para o Grande ABC ingressar num ranking internacional mórbido: passará a integrar o restritíssimo grupo de 100 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. Fiz o cálculo com base na média móvel da última semana, publicada pelo Repórter Diário, fonte segura dessa contagem macabra regional.  

Fiz tantos cálculos que acabei me confundindo, mas graças ao jornalista Anderson Amaral, do Diário Regional, passo à correção. Na verdade, pretendia dar ênfase explicativa ao total de mortes por 100 mil habitantes, que é o que chamaria de padrão internacional. Aliás, foi o que fiz em todos os textos anteriores e, inclusive, em parte substantiva deste. 

Não sei por que cargas dágua editorial troquei o foco. Fui pelo caminho da percentagem. E o que concluí como 1% na verdade é 0,1%. Mas prefiro mesmo seguir o manual anterior, que é o principal, além de agradecer publicamente àquele jornalista sempre cioso com dados. 

Até ontem foram registradas 2.577 mortes pelo Coronavírus no Grande ABC. Para chegar a 100 mortes por 100 mil, de 2.807.483, arredondei a média móvel diária de 14 casos fatais. O Brasil e o Estado de São Paulo vão chegar lá muito depois. São Caetano, São Bernardo e Diadema já chegaram. A capital do Estado também. Santo André está sob suspeita de dar o drible da vaca nos registros.  

Faltam 240 cadáveres para que se alcance 100 mortes por 100 mil  tristemente marcantes da maior epidemia dos últimos 100 anos. Não custa reafirmar que os dados do Grande ABC contêm uma mais que suspeita contagem municipal. Tanto quanto o modus operandi do braço da Prefeitura de Santo André nas compras sem licitação por intermédio da Central de Negócios da Fundação do ABC. A desconfiança tem endereço certo e definido: a possível subestimação de mortes em Santo André. Vou explicar.  

Dados subestimados?  

Até ontem Santo André registrava 591 dos 2.577 casos letais do vírus chinês no Grande ABC. Dá participação relativa de 22,93%. São Bernardo lidera a contagem em números absolutos com 897 mortes, ou 34,53%. Nos primeiros meses da pandemia, os dois municípios vizinhos e muito semelhantes demograficamente, praticamente dividiam a contabilidade. De repente, sem grandes explicações, houve descolamento.  

No ranking que interessa de fato, que é a divisão do total de óbitos pelo número de habitantes, as 591 mortes em Santo André representam 81,94 casos fatais para cada grupo de 100 mil moradores. Em São Bernardo, os 895 significam 105,99 para cada grupo de 100 mil moradores. Uma diferença substancial. Os ares de São Bernardo seriam mais pesados que os de Santo André? Mesmo nos limites dos municípios, que, todos sabem, foram apenas um no passado? Como todo o Grande ABC, aliás.  

O que causa suspeição de que há descompasso entre os fatos e a oficialidade dos dados deriva do silêncio da Administração de Paulinho Serra, reconhecidamente vocacionada ao marketing populista.  

Sem contar vantagem 

Como numa situação como essa, de larga vantagem inclusive sobre os números gerais da região (a média de mortes por 100 mil habitantes no Grande ABC é de 91,07), o tucano que quer matar a disputa eleitoral no primeiro turno não faz uso de supostas vantagens?  

Talvez a única explicação seja o cuidado extremo de não mexer com algo tão sensível à sociedade, no caso a letalidade do vírus chinês.  

Os marqueteiros de Paulinho Serra, desastrados em situação normal de temperatura e pressão, porque abusam da credulidade popular ao sequestrarem a lógica de dados, talvez tenham sido chamados à realidade das limitações operacionais. É melhor o silêncio em suposta situação de vantagem do que o alarde desastrado. 

Tenho uma montanha de motivos para desconfiar sempre e sempre da gestão de Paulinho Serra. Falta transparência em tudo. Todos os casos que chamam a atenção encontram o mesmo desfecho de reticências éticas, quando não financeiras. Não se trata de algo pessoal, porque não é mesmo, nem profissional, porque também não é mesmo. Tanto que o codinome mais conhecido do prefeito nas implacáveis redes sociais é Pinóquio. 

Casos enfileirados  

O caso da Central de Convênios e de Negócios da Fundação do ABC é a regra, não exceção. Dados econômicos, rankings diversos, transferência do Semasa, permuta de áreas? Escolham qualquer temário e lá estará a gestão tucana de Santo André a flertar com um imenso ponto de interrogação. Quando não de exclamação.  

Pena que falte um sinal gráfico convencional que sinalize claramente o desencanto e a estupefação. Somente os memes das redes sociais podem traduzir o sentimento de quem tem um mínimo de senso crítico.  

Portanto, com o adendo de que Santo André eleva-se à condição de cidadela a ser investigada na contabilidade oficial do vírus chinês, caminhamos para o um por cento de letalidade como regionalidade abandonada pelos prefeitos.  

Tivemos nova experiência prática, portanto, de que a integração regional mesmo em situação de alta risco sanitário, não passa de nova frustração. A casa da sogra temática do Clube dos Prefeitos, mantém o desempenho pífio.  

Gradualismo destrutivo  

O conglomerado da favela da Maré, no Rio de Janeiro, mostrou-se mais solidário e organizado que o Grande ABC como um todo. Essa constatação, que revelei ainda outro dia, mostra que somos um território institucionalmente à deriva. Temos a pior safra coletiva de prefeitos quando o assunto é regionalidade. Estamos no fundo do poço e há ainda na praça quem tente dourar a pílula com tergiversações.  

Não quero fugir do assunto, mas os descalabros institucionais fornecem o combustível compulsório à indignação. O vírus chinês é o ponto nuclear que define o estágio social e econômico do Grande ABC. Tudo se desmancha com o gradualismo do irreparável. Exatamente por ser gradual, como sapo em água fervente, a maioria não percebe ou finge não perceber. Mais que isso: não reage. Cai-se no conto do vigário de supostas competências administrativas. Flerta-se, portanto, com o deboche. Flerta-se ou consuma-se o deboche? 

O ambiente de polarização nacional que se espraia por todos os territórios municipais é um prato cheio a protelações. Perde-se o senso de urgência, de planejamento estratégico, de cobrança. Em nome de determinados valores de ocasião, em confronto com outros valores também de ocasião, litigantes esquecem o principal. No Grande ABC impera uma mistura de adesismo irredutível, seletividade da verdade dos fatos com correspondente amaldicionamento da verdade cristalina.   

Agravantes metropolitanos  

Quem acompanha o noticiário regional sobre os efeitos do vírus chinês possivelmente estará doutrinado a minimizar a atuação coletiva dos prefeitos. As individualidades com respectivas operações de valorização do passe de cada um imperam. Vivemos num paraíso midiático.  

Não é possível, por conta disso, distinguir quem está sendo eficiente em suas respectivas territorialidades. Os casos letais são um indicativo de complicações evidentes, mas, desde o primeiro texto que tratei do assunto, sempre ponderei as características locais de densidade demográfica e metropolização econômica.  

Somos uma geoeconomia especialíssima no País, como outros endereços metropolitanos, que atraem as destraças contidas no vírus chinês. Daí, portanto, a imperiosidade de sair do quadradismo burocrático que se instalou desde o início. Os pelotões de servidores públicos ociosos que poderiam se dirigir às linhas de frentes de combate à pandemia permanecem nos respectivos postos de observadores privilegiados. Estamos chegando a 100 mortes por 100 mil mais dolorosas da história.  



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