Economia

Região sofre com troca de
bônus por ônus geográfico

DANIEL LIMA - 09/12/2020

Quer um conselho quando ouvir algum mandachuva ou mandachuvinha municipal ou regional dizer aos quatro cantos que temos vantagens comparativas por estar no coração da Região Metropolitana de São Paulo, perto do Aeroporto de Cumbica, cercado de rodovias, próximo do Rodoanel? Descarte tudo o que ouviu porque o tempo passou pela janela e eles não viram. 

Já foi o tempo em que gozamos do privilégio do que chamaria de bônus geográfico, que também era bônus geoeconômico. De muito tempo para cá sofremos de mais uma enfermidade letal: o ônus geográfico, também ônus geoeconômico. 

Não à toa que estamos na lanterninha estadual em qualquer estatística regional em matéria de geração de riqueza, medida pelo PIB (Produto Interno Bruto). 

Este século tem sido particularmente grave para a economia regional. O anterior nos reservou reveses apenas nas duas últimas décadas. Antes, foi uma festa permanente de investimentos e mobilidade social. Estamos há muito tempo vivendo situação reversa. Mandachuvas e mandachuvinhas ainda não se aperceberam. Ou se aperceberam, mas olham o próprio umbigo do imediatismo. 

Território encalacrado 

Os novos negócios produtivos fogem do Grande ABC. A regressividade social é latente. Temos cada vez menos famílias ricas e de classe média tradicional e mais pobres e miseráveis.  Tudo devidamente quantificado e qualificado nas páginas desta revista digital. 

O que se prevê para as próximas décadas, a começar desta temporada, é que a situação se agravará. Enquanto isso, industrializadores de ilusões querem forjar à liderança regional um prefeito cujo histórico de atuação pode ser resumido como algo semelhante à de um vereador de luxo. Até que a iniciativa poderia ganhar alguma coisa que não flertasse com a estupidez caso o mesmo prefeito soubesse distinguir alhos de excelência individual de bugalhos de improdutivos sociais. Como é incapaz de montar uma equipe de assessores competentes no próprio município, o que seria, então, em termos regionais? 

A verdade que muitos escondem, outro tanto mistifica e os vagabundos sociais ainda desfraldam bandeiras e que nada teria alterado a situação do Grande ABC na economia do Estado e do País. O Grande ABC é um território encalacrado. Alguns pontos contundentes que confirmam essa afirmativa:

 A Rodovia Anchieta virou Avenida Anchieta e por mais próxima que esteja do Porto de Santos e da Capital do Estado, distancia-se da competitividade de investimentos produtivos. Há centenas de áreas desocupadas ou subocupadas em forma de galpões à espera de empreendimentos tanto na própria Anchieta quanto no entorno. O mercado é cruel quando se trata de aquilatar o que interessa como retorno do capital. 

 A Avenida dos Estados é um corredor viário de horrores quando se observa o potencial de respostas que daria caso se traçasse uma linha divisória do tempo tendo como premissa o que temos hoje e o que teremos no futuro. É um viário degradado e sempre propício à demagogia do prefeito de Santo André de plantão, que sempre vende maquiagem de arremedos de obras como cirurgia estrutural regeneradora.  A Avenida dos Estados é uma Avenida Anchieta piorada, com rebaixamento ainda mais corrosivo de potencial de investimentos produtivos.  

 A Rodovia dos Imigrantes não tem relação alguma com economia no sentido de desenvolvimentismo regional, exceto no trecho que contempla parte do território tangencial de Diadema e de São Bernardo, e mesmo assim com uma coleção de complicações geradas pelos obstáculos de acesso e fluidez no entorno. A velocidade média gerada pela Imigrantes é um mar de rosas perto dos gargalos de acessibilidade.

 O trecho sul do Rodoanel, conforme estudos publicados nesta revista digital, virou um inimigo íntimo do Grande ABC, exceto e escassamente no trecho suplementar que contempla Mauá. A riqueza instalada no Grande ABC esvai-se no Rodoanel em direção a outras fronteiras da Grande São Paulo, sobretudo a Região da Grande Osasco. 

Logística moderna 

Há várias maneiras de definir o que é logística no campo econômico. Qualquer que seja a escolha, o Grande ABC alquebrado perde feio para outras localidades do Estado. 

Estamos perdendo esse jogo de potencialização de investimentos muito antes da chegada do presente de grego do trecho sul do Rodoanel. 

Tudo começou com a deterioração da Avenida dos Estados, em sintonia com o deslumbramento provocado pela inauguração da Rodovia Anchieta. Depois veio a exaustão ocupacional da Anchieta, com os ingredientes deletérios de uma acessibilidade sobreposta à capacidade de vazão, além de depreciativa nos critérios de produtividade.

Logística, segundo minha definição, que guarda relação com tantas outras definições, não é a menor distância entre dois pontos, como se convencionou definir a questão nas salas de aula e nos encontros empresariais. Logística nesse mundo louco é muito mais que isso. É o menor custo relativo entre um e mais pontos na cadeia de produção, armazenamento e distribuição. 

É impossível o Grande ABC exercer qualquer encanto no jogo de investimentos produtivos com os gargalos estruturais e relativos em forma de Avenida dos Estados, Anchieta, Imigrantes e Rodoanel. 

Falta massa crítica 

Se a mídia regional se preocupasse menos com um sistema de monotrilho ou algo ainda mais rudimentar como suposta fonte de desenvolvimento econômico e mirasse para valer e de forma sistemática o desarranjo logístico, quem sabe produziríamos massa crítica que alterasse o descaso dos prefeitos. 

O pior da história é que a logística como premissa desenvolvimentista não é o principal trambolho regional, embora seja importantíssima. Os rescaldos do sindicalismo socialista ainda são mais corrosivos. Já tratamos disso em dezenas de artigos. Não seremos repetitivos neste, mas a citação é esclarecedora como vetor de inquietação sobressalente.  

Os números econômicos deste século são implacáveis com o Grande ABC. Como se os dados das duas últimas décadas do século passado não fossem suficientes a uma mobilização institucional generalizada, a região é a casa da sogra dos violadores do direito de responsabilidade social implícita a quem ocupa cargo público e a quem está à frente de instituições econômicas e sociais.

Velocidade de crescimento 

Vou citar apenas alguns números (já publicados neste espaço ou mesmo inéditos) para que os leitores compreendam o estágio em que o Grande ABC está no jogo da competitividade econômica, com desdobramentos sociais. 

Neste século, contando a partir do ano 2000 (portanto a base de dados é de 1999) o PIB do Grande ABC, em termos nominais, sem considerar a inflação, cresceu na média dos sete municípios exatos 341,20%. O resultado está muito aquém da média estadual, de crescimento nominal de 522,97%. Ou seja: o Estado de São Paulo como um todo apresentou velocidade de crescimento nominal do PIB Geral nada menos que 53,27% superior ao Grande ABC. Quase 3% em média para cada um dos 18 anos passados -- exatamente 2,95%.

Vamos buscar um outro recorte para comprovar que o Grande ABC é uma nave sem eira nem beira quando se trata de sedução de investimentos e manutenção de riqueza produtiva? 

Pego a Grande Campinas, integrada por 19 municípios. O crescimento nominal no mesmo período chegou a 684,10%. No confronto com os sete municípios da região, a Grande Campinas acumulou neste século, no PIB Geral, 100,50% de superioridade. Trocando em miúdos: o PIB da Grande Campinas foi o dobro do apresentado pelo Grande ABC. Chegou à vantagem média anual de 5,58%. 

Pior que essa constatação é recuar no tempo e observar que na largada deste século, o PIB Geral da Grande Campinas era praticamente igual ao PIB Geral do Grande ABC. A diferença era mínima, favorável àquelas cidades do Interior do Estado. Em valores absolutos não corrigidos pela inflação, a Grande Campinas contava como PIB Geral de R$ 28.046.30 bilhões em 1999. O PIB Geral do Grande ABC era de R$ 26.884,25 bilhões. 

Agora veja o que aconteceu na ponta da tabela atualizada, em 2017 ( O PIB Geral dos Municípios Brasileiros de 2018 só vai sair no fim deste ano), quanto aos valores nominais dos dois territórios: a Grande Campinas passou para R$ 194.669,72 bilhões, enquanto o Grande ABC mal e porcamente chegou a R$ 118.614,54 bilhões. O que era uma vantagem macrocampineira de 4,14% na fita de largada de 1999, passou para 39,06% em dezembro de 2017.

Qualquer exercício para comprovar a derrocada regional tendo como um dos carros-chefes destrutivos o mapeamento logístico de encalacramento será uma repetição dos confrontos com o Estado de São Paulo e a região de Campinas. 

Perdendo na metrópole 

Já fiz incursões exaustivas e esclarecedores para desmascarar os vendedores de fraudes informativas também quando se trata do desempenho econômico do Grande ABC dentro da Região Metropolitana de São Paulo. 

Todas as subdivisões territoriais da Grande São Paulo ganham com folga de crescimento econômico do Grande ABC neste século. No caso da Grande Osasco, o conjunto de municípios dá de lavada no Grande ABC e o supera em valores absolutos. Ou seja: o PIB da Grande Osasco está em segundo lugar no interior da Grande São Paulo. Só perde para a Capital. 

Concordo inteiramente com um amigo de muito tempo, uma das melhores cabeças da região, e cuja identidade preservo porque não tenho autorização a revelá-la no contexto deste artigo. Ele me mandou a seguinte mensagem hoje, imediatamente após ler a chamada editorial deste texto nas listas de transmissão do WhatsApp: “Só tem uma forma de conseguir mudanças: aprofundando a crise regional. O ônus será muito maior para reverter”. 

Ou seja: é preciso ficar piorar para piorar ainda mais até chegar-se ao acerto de contas mais custoso. 

Não será com falsas lideranças e desprezo à economia em favor do varejismo do noticiário político mais que interesseiro que teremos massa crítica suficiente para dar um cavalo de pau nessa derrocada. 



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