Sociedade

Gerações de incrédulos,
perplexos e patéticos

DANIEL LIMA - 19/01/2024

Pegue na ponta da faca crítica os últimos 43 anos vividos e sobrevividos do ABC Paulista. Eu peguei e dividi em três gerações. Poderia ter dividido em quatro gerações. Deixei uma de lado. Conclusão? Passamos Da Geração de Incrédulos para a Geração de Perplexos e ingressamos na Geração de Patéticos.

Vou explicar. Não é a primeira vez que escrevo sobre isso, mas agora dou nomes fantasias às gerações. E dou nomes fantasias, ou marcas temporais, com sentido objetivamente claro: acabar com a farra de enganação de que contamos com uma sociedade civil organizada.

De fato, e para valer, nunca fomos. Mas também não éramos, como somos agora, uma sociedade servil desorganizada.

Para chegar ao que chamaria de três etapas ainda incompletas da realidade institucional da região, defini que cada geração está separada da outra por 20 anos.

GERAÇÕES PERDIDAS

Separada não seria bem a melhor explicação. Uma geração que segue a geração anterior é uma nova geração com rescaldos da geração anterior. São gerações sobrepostas que se alteram aos poucos. É um processo de transição lento e gradual. Como a ditadura que estamos observando no Brasil nestes tempos. Vai-se deixando de lado e quando acordamos, babau!.

Comecei a estruturar os conceitos do ABC Paulista de Três Gerações Perdidas a partir de 1980, já sob efeitos pós-movimento sindical e outras situações de mudanças, como o Plano Collor e um pouco mais tarde do Plano Real. Era a Geração dos Incrédulos.

Pensei em retroceder um pouco no tempo, 20 anos antes, nos anos 1970 até 1980, mas descartei. Poderia ter chamado essa etapa de Geração Fraturada, com o ápice da industrialização e o desembarque do movimento sindical. Preferi deixar de lado,. Isso não significa que não venha, quem sabe, a incorporá-la num futuro qualquer.

PIORA NA SEGUNDA

A segunda geração, a Geração dos Perplexos, vai de 2000 a 2020, sob efeitos principalmente dos governos do PT. Não podemos esquecer que 14 dos 20 anos iniciais deste novo século foram gerenciados pelo governo federal petista, com Lula da Silva, egresso do movimento sindical da região, no comando do País. Quer como presidente, quer como controlador do governo de Dilma Rousseff.

E a terceira geração, iniciada em seguida, nestes anos 2020, é a Geração dos Patéticos. Chegamos ao fundo do poço em matéria de cidadania, de responsabilidade coletiva. Vivemos os piores momentos da história da região porque se associam inapetência cidadã e naufrágio econômico.

A Geração dos Incrédulos, entre 1980 e 2000, teve lapsos de sensibilidade, de atenção, de cuidados. O prefeito Celso Daniel no campo oficial e o Fórum da Cidadania, como representação social, movimentaram a segunda etapa dos anos 1990. Tivemos um período de muita expectativa e confiança. Mesmo diante da constatação mais cruel que vivemos e que nos custou muito caro: o negacionismo em relação ao processo de desindustrialização que já se fazia presente.

A Geração dos Incrédulos tem relação direta com os primeiros sinais consistentes da desindustrialização. Primeiros sinais detectados, apontados, analisados e consagrados por este jornalista. A primeira edição da revista de papel LivreMercado, antecessora deste CapitalSocial, tratava da desindustrialização com dados consistentes. Era março de 1990. O Clube dos Prefeitos não existia.

RESISTINDO A PRESSÃO

Comi o pão que o diabo amassou por ter a ousadia de tocar nesse ponto sensível da psique regional. Imagine apontar as primeiras rugas na face de uma celebridade? Pois foi o que ocorreu. Sofri mais represálias do Diário do Grande ABC, ao qual LivreMercado se juntou em 1997 ao ceder 60% das ações.

Jamais me submeti às vontades da direção do jornal que sempre e sempre procurou esconder a derrocada regional no campo econômico. Uma política editorial autofágica, como se viu. De mais de 1,2 mil funcionários, o Diário do Grande ABC de hoje conta com menos de 10% daquele efetivo. O Diário do Grande ABC de hoje é apenas uma fração do Diário do Grande ABC dos tempos áureos.

A Geração dos Perplexos, dos anos 2000 a 2020, marcou a transição gradual e também irrefreável do sentimento e de provas materiais de perdas causadas pelo empobrecimento da região. A velocidade de crescimento relativo da economia da região se constatou dramática: menos de um quinto da velocidade média do PIB do Brasil, que, todos sabem, é um PIB vergonhosamente paquidérmico.

GERAÇÃO DOS PATÉTICOS

Na medida que o tempo passou nos anos 2000/2020, vivenciamos a constatação agora admitida, quando não consternada, de que deixamos de ser a potência econômica imaginada.

Os anos 1980/2000 foram terrivelmente destruidores. Pensávamos que com a chegada de Lula da Silva ao poder central na segunda fase geracional tudo se modificaria. Agravou-se. Como temos mostrado constantemente.

A Geração dos Patéticos de tomadores de decisão e formadores de opinião é a presente. Nem a tecnologia que coloca no bolso dos contribuintes e cidadãos uma oportunidade de ouro a transformações locais tem sido útil. Pior que isso: a cacofonia ideológica e partidária tomou conta do barraco. Marchamos rumo ao desfiladeiro cada vez mais profundo de um divisionismo social que pode fazer e deve fazer bem à democracia, até porque é preciso reagir às barbaridades atuais, mas, do ponto de vista de regionalidade, tem-se comprovado inócuo.

Esse é um breve resumo do que seria uma pauta a desdobramentos mais contundentes da realidade da região em quase cinco décadas. Vamos de mal a pior a cada nova temporada que ao se juntarem várias gerações.

CADA VEZ PIOR

Não se deve duvidar de duas coisas entre tantas que a atual Geração de Patéticos patrocinará com panfletarismo autofágico: teremos a destruição do que restaria de conceito de regionalidade e mergulharemos num mar de iniquidades sociais incontroláveis. O salve-se-quem puder mistificado em ações de marketing prevalece.

Quando essa Geração de Patéticos encerrar o ciclo, ou seja, em 2040, a região será um pedaço geográfico e econômico ainda menos respeitado. Não passamos de 1,67% do PIB Nacional. Já fomos 4,57% nos anos 1970. A perda é relativa e também absoluta. Perdemos para o Brasil como um todo e perdemos também internamente, produzindo cada vez menos riquezas.

Admito que deveria ter incorporado nesta análise a Geração Fraturada, do surto de industrialização ao despertar do movimento sindical. Fica o registro porque, diferentemente das demais gerações, desta que deixo para segundo plano não tenho conhecimento vivencial que desejaria. Tampouco há dados estatísticos confiáveis e também abundantes que possam sustentar afirmativas.

TIPOLOGIA GERAL

No caso da Geração de Incrédulos, da Geração de Perplexos e da Geração de Patéticos, sobram-me insumos que suportam cada frase escrita. A experiência profissional, social e corporativa que vivi e vivo não tem preço. Não há espaço à vagabundagem de gente inescrupulosa. Arrivistas, interesseiros, bandidos sociais e tudo o mais.

Conheço cada tipologia das peças desse labirinto de oportunistas. E quando não conheço, um escrutínio com fontes de confiança resolve o problema.

Certo mesmo e sem maquiagem politicamente correta, o fato é que mesmo sem ter sido mas sendo o que foi, ou seja, longe de ser um exemplo de capital social mas também a léguas das imundícies éticas destes tempos, a Geração dos Incrédulos contava com ativos sociais muito mais qualificados que a Geração dos Patéticos que temos no momento.

POUCAS INDIVIDUALIDADES

Essa é uma constatação do comportamento coletivo de cada geração. Ou seja: não há uma generalização classificatória ou desclassificatória de individualidades. Mas é inquestionável que já vivemos tempos muito melhores como coletivismo institucional. E que também, lamentavelmente, mesmo com mais individualidades respeitadas do passado construímos muito mais passivos que ativos institucionais para encarar o ponto crucial da degringolada social e econômica da região – a insidiosa, incontrolável e imparável desindustrialização sem reposição de matrizes econômicas alternativas e, pior que isso, de individualidades em proporção suficiente para alimentar uma reviravolta. Os formadores de opinião e os tomadores de decisões na região são cada vez mais sufocados pela banda podre tanto de um lado quanto de outro. Cuidado com os bolsos.