Regionalidade

É hora do Fórum da Cidadania
mobilizar pequenos e médios

DANIEL LIMA - 05/12/1996

Os resultados dos esforços das lideranças do Fórum da Cidadania para sensibilizar executivos de grandes corporações sediadas no Grande ABC a integrarem-se no processo de metropolização dos sete Municípios locais confirmam o endêmico individualismo das empresas, recheado de absoluto alheamento comunitário. A baixa sensibilidade sócio-regional do empresariado nos tempos de economia fechada e protegida pelas planilhas de custos viciados do Conselho Interministerial de Preços tende a agravar-se agora que globalização é palavra de ordem.


As relações interpessoais nas unidades produtivas implicam grau de eficiência e produtividade que não abre maiores espaços para intervenções fora dos limites geográficos de cada unidade. Em suma, as empresas de relativo porte transformaram-se em fortalezas administrativas e produtivas, voltadas pragmaticamente para um mercado cada vez mais voraz.


O que se passa além-muros é problema de administradores públicos pouco criativos e de uma sociedade que, exceto em bolsões específicos, não mantém níveis de convivência que possam merecer o próprio rótulo de sociedade.


Aliás, esse fenômeno nem é recente nem localizado no Grande ABC. Estudiosos norte-americanos concluíram recentemente que, desde o surgimento da televisão, o isolamento compromete as relações humanas.


Sobre isso, recentes declarações do sociólogo francês Edgar Morin sintetizam solidamente o quadro. Disse ele: “O caminho para encontrar soluções para as metrópoles passa pelo resgate da solidariedade entre os moradores. É preciso incentivar o diálogo e as interações para que os cidadãos tenham visão de conjunto e consigam perceber que os problemas atuais não são individuais”.


A miopia das organizações privadas de maior poder de fogo assusta quem lança perspectivas sobre o futuro do Grande ABC, mas é rigorosamente natural tomando-se o passado como laboratório de observação.


A cruzada de Fausto Cestari, coordenador do Fórum da Cidadania, é digna de reverência. Como um Dom Quixote, está se desdobrando contra os moinhos de vento da indiferença de alguns, o pouco-caso de outros, a incredulidade de boa parte, na tentativa de reunir um grupo de pesos-pesados que possa reforçar a construção de um projeto institucional diferenciado para o Grande ABC, contando também com o suporte dos novos prefeitos e de executivos públicos do governo do Estado.


É possível que o modelo escolhido pelo Fórum da Cidadania seja estrategicamente mais impactante, porque reunir os bambas da indústria, do comércio e dos serviços em torno de causa tão nobre quanto a formatação de um novo Grande ABC conquistaria de fato o respeito das autoridades públicas do Estado e poderia também provocar o desdobramento de investimentos compartilhados nas operações de recuperação da infra-estrutura regional.


A idealização desse projeto é perfeita. A dificuldade de operacionalizá-la é igualmente proporcional. Cestari, otimista irrecuperável, traço comum dos visionários, insiste na proposta e busca adensamento de representantes empresariais. Tomara que esteja certo.


Mas não custaria nada reforçar a estratégia catequizadora com alternativa complementar. Que tal, por exemplo, mobilizar todo o conjunto da sociedade, algo que o Fórum faz tão bem, e incluir entre os convidados mais charmosos mas renitentes os pequenos e médios empreendedores?


Eles respiram para valer o ambiente social da região e seria interessante conduzi-los a um desses encontros com representantes do governo do Estado. Inicialmente, do ponto de vista prático, é até provável que esse festival de representantes não acrescente muitos capítulos na prospecção de propostas, mesmo porque as demandas regionais são conhecidas de todos.


Mas a repercussão influiria positivamente nos poderes constituídos, que costumam se impressionar com mobilizações. Encontros reservados demais nem sempre são produtivos na intensidade desejada.


Mobilizações desencadeiam, por sua vez, encontros reservados diferenciados porque contam com respaldo popular comprovado.
Talvez o que falte mostrar às autoridades públicas do Estado, do próprio Grande ABC e também aos pesos-pesados da livre iniciativa regional, e isso só seria possível com a democratização participativa da comunidade agregada ao Fórum da Cidadania, os pequenos e médios empreendedores do comércio, de serviços, da indústria, os profissionais liberais, talvez o que falte mostrar, como se disse, é que a região não tem mais tempo a perder diante das grandes transformações porque passa o sistema econômico internacional.


Uma das alternativas é buscar saídas regionais de desenvolvimento econômico que tornem o Grande ABC menos vulnerável à competição de outras regiões do País e do Exterior, independente de políticas industriais específicas do Estado nacional.


Exemplo claro de que é possível mudar internamente o padrão de relacionamentos empresariais, numa primeira etapa atingindo as indústrias, é o cruzamento científico e a disseminação aprofundada dos perfis de utilização de matérias-primas e produtos acabados.


Estudo do IMES (Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano), feito sob encomenda à Prefeitura de Diadema e que se reveste de ineditismo na região, constatou, só para exemplificar, que as empresas do Município abastecem-se em quantidade bastante discreta de fornecedores do Grande ABC, da mesma forma que comercializam baixo percentual de seus produtos internamente.


Em suma: o parque produtivo de Diadema, certamente nada diferente do regional e prova do individualismo operacional e da ausência de políticas integradas que poderiam ser desenvolvidas através de conexão entre Poder Público, entidades empresariais e instituições acadêmicas.


Aberrações logísticas e produtivas devem ser lugar-comum nas planilhas de custos das empresas como consequência dessa realidade. Além disso, a situação cria vácuos de produção tipificados pela carência de determinados fornecedores estratégicos, como constatou há algum tempo a Secretaria de Planejamento de Santo André num trabalho tão pioneiro quanto incompleto para detectar os buracos da economia do Grande ABC.


Aliás, antes disso, a Rhodia Têxtil, depois transformada em Fairway Filamentos, sob o comando do executivo Nelson Tadeu Pereira, uma das raras exceções de participação comunitária da indústria no Grande ABC, levou às últimas consequências o conceito de fornecedores regionais.


O slogan Santo André Primeira Opção foi ampliado para todo o Grande ABC e as estatísticas de compras locais, com geração inter-regional de receitas e impostos, deram saltos impressionantes. Tanto quanto os ganhos administrativo-financeiros da empresa.


Não se tem notícia de que outras organizações tenham desenvolvido algo parecido.


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