Metropolização é fantasia que faz parte do Carnaval de ilusões do recorte institucional formal e informal do Brasil. Parida pelo Regime Militar e alterada na Constituição de 1988, a formação de regiões metropolitanas ficou presa à burocracia do papelório oficial que infesta gabinetes de governadores. O jogo do faz-de-conta típico do Estado brasileiro cria carruagens miraculosas que se tornam abóboras de patéticas desilusões e torna as regiões metropolitanas brasileiras experiências indestrutíveis de anarquia urbana. Os indicadores de qualidade de vida estão aí para comprovar. Páginas policiais, escândalos políticos e péssimos exemplos de urbanismo massificam-se nos municípios só aparentemente protegidos pela legislação. Na prática são mesmo é discriminados.
Foi exatamente para discutir a questão metropolitana brasileira, tendo como pano de fundo a informal regionalidade do Grande ABC que o Consórcio Intermunicipal de Prefeitos dessa região colada à Capital paulista reuniu vários especialistas em meados deste mês em São Caetano. Organizado com antecedência, o encontro materializou a depauperação institucional do próprio assunto-tema. Dos sete prefeitos do Grande ABC, três nem deram as caras. Vereadores, deputados estaduais, deputados federais, representantes da sociedade civil, sindicalistas, acadêmicos e lideranças empresariais da região também se ausentaram em massa.
Tudo isso não poderia ser mais emblemático da situação em que se encontra a regionalidade local. Se nem um evento que comemorava o 10º aniversário do Consórcio de Prefeitos conseguiu sensibilizar o público mais diretamente interessado, o que esperar do futuro dessa espécie de órgão gestor do que pretendia ser um Grande ABC metropolizado informalmente?
Nem todos os debatedores que participaram do encontro no Grande ABC aparecem nesta reportagem. A explicação é simples: alguns perderam-se em meio aos debates porque estavam absolutamente despreparados para o temário, enquanto outros acabaram por cancelar presença. A essência do seminário foi minuciosamente acompanhada e a conclusão é bastante desagradável: as regiões representadas, exceto a Baixada Santista, são um descarado painel de desencanto. No fundo, no fundo, os depoimentos de especialistas ofereceram camadas sobrepostas de improdutividades do Estado brasileiro em suas três dimensões — União, Estados e municípios.
Não é difícil entender por que as regiões metropolitanas expostas no seminário e as demais que constam do mapa geoeconômico nacional transformaram-se em enxadrísticos referenciais de vaidades, ciúmes e intrigas políticas. O que esperar de um encontro no qual o próprio prefeito da cidade-sede da festa de comemoração do aniversário do chamado Consórcio Intermunicipal, Luiz Tortorello, não constou de qualquer um dos painéis. O prefeito de São Caetano é o dirigente municipal que mais resiste à integração do Grande ABC por acreditar que perderia precioso tempo em discussões demais e resoluções de menos.
O professor-doutor Fernando Abrucio, da PUC São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas, sublinha um paradoxo que coloca em xeque a sustentabilidade socioeconômica das regiões metropolitanas brasileiras. É sabido que as regiões metropolitanas necessitam de tratamento especial em relação a repasse de recursos financeiros e atenção governamental na condição de grandes núcleos populacionais e urbanos. Mas, na contramão, são proporcionalmente menos assistidas tanto em termos econômicos quanto políticos em razão da forma de distribuição de tributos e de peculiaridades do sistema eleitoral brasileiro. Em outras palavras: essas regiões mais complexas e problemáticas, e que demandam mais cuidados por terem sofrido processo desajustador de urbanização acelerada, são justamente as que menos usufruem de suporte governamental e reforço econômico.
Amparado em pesquisas acadêmicas, Fernando Abrucio nota que há claro viés antimetropolitano no sistema governamental de distribuição de recursos financeiros. Cita como exemplo o critério de redistribuição de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para os municípios paulistas, pelo qual o peso da variável produção industrial é muito mais significativo que o da variável população. Trata-se de critério flagrantemente desfavorável às regiões metropolitanas, que mais perderam produção industrial relativa nos últimos anos (por conta da desconcentração motivada em grande medida pela guerra fiscal) e nas quais remanescem grandes contingentes populacionais cada vez mais dependentes de serviços públicos.
“A maior parte dos recursos financeiros não vai para as regiões que concentram parcelas maiores da população. E normalmente onde vive a maior parte da população é onde existe a maior parte de problemas, que obviamente demandam mais recursos públicos” — destaca. “A questão tributária tem que ser repensada gigantescamente no Brasil, e não apenas em relação a como fazer o ajuste fiscal, o que vem sendo muito discutido nos últimos anos. O critério de representatividade dos impostos, de qualidade tributária, também merece atenção, mas ninguém discute” — aponta o especialista.
A pregação do professor Fernando Abrucio está sintonizada com posição assumida há tempos por LivreMercado, que conferiu à necessidade de alterações no critério de redistribuição de ICMS tema de Reportagem de Capa na edição estadual de outubro de 2000. Especializada em regionalidade econômica, LM entende que tanto as áreas metropolitanas reconhecidas como as não-oficializadas que têm as mesmas características perdem muito com a lógica de redistribuição. Não faz sentido que uma cidade de 50 mil habitantes como Paulínia, no Interior paulista, seja contemplada com naco enorme de ICMS per capita por ter tido a sorte de sediar um pólo petroquímico, enquanto municípios mais populosos e com graves problemas socioeconômicos recebam ninharia por habitante. “A redistribuição de ICMS responde ao princípio de origem, e isso é um equívoco tributário banal” — destaca Fernando Abrucio.
Além de desfavorecidas pelo critério de distribuição de recursos públicos, regiões metropolitanas são desassistidas por governadores dos respectivos Estados porque os políticos, geneticamente interessados em dividendos eleitorais, estão cada vez mais dispostos a semear eleitores em localidades mais afastadas do Interior. E por uma questão lógica aos olhos de quem depende de votos: no Interior dos Estados é mais fácil se diferenciar porque há menos competição política do que nas metrópoles, congestionadas sob o ponto de vista político-partidário.
“Em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, o político que souber trabalhar o Interior garante vitória nas eleições estaduais, simplesmente porque as regiões metropolitanas dos grandes Estados são muito mais disputadas e não asseguram margem expressiva de destaque” — observa Fernando Abrucio. Ele comenta que só na Região Metropolitana de São Paulo pelo menos três vértices exercem força política muito forte: a direita representada pelo malufismo, o PSDB e o PT. “Rarissimamente alguém consegue ter mais do que 30% dos votos nas regiões metropolitanas. Agora, no Interior dá para ganhar a eleição” — destaca. “Os ex-governadores Quércia e Fleury souberam trabalhar o Interior muito bem, e Mário Covas só chegou ao segundo turno na segunda eleição pela mesma razão” — recorda.
Fernando Abrucio afirma que falta mobilização política aos cidadãos metropolitanos, que nada ou muito pouco fazem para mudar a situação. “Se as regiões metropolitanas brasileiras somam mais de 50% da população, por que não são beneficiadas? Porque são mal organizadas. Enquanto as metrópoles não acordarem para a força que têm, será difícil mudar a situação” — comenta.
A transformação dos sete municípios do Grande ABC em região metropolitana à parte da Grande São Paulo é considerada um equívoco por Fernando Abrucio. Ele sustenta que eventual descolamento da Região Metropolitana de São Paulo é contra-indicado porque as regiões metropolitanas da Baixada Santista e de Campinas poderiam aproveitar o divisionismo para atrair empresas do Grande ABC, o que intensificaria ainda mais as deserções industriais na região-berço da indústria automotiva brasileira nos anos 50 e 60. “Ficar dividindo o ABC em relação a São Paulo é arranjar briga com São Paulo” — alerta. “Campinas pode se aproveitar dizendo às empresas: viu só como eles estão se dividindo…” — completa. Abrucio afirma que seria mais recomendável fortalecer a Grande São Paulo e cuidar das especificidades municipais e regionais do universo de 39 municípios do que criar uma região metropolitana dentro da outra. “Dividir é contraproducente porque vai contra a lógica da cooperação” — entende.
O ponto de vista do professor é coerente para quem vive e trabalha na Capital paulista, mas choca a sensibilidade de quem mora e tira o sustento do Grande ABC, região que sofre com debandada industrial na mesma medida em que carece de identidade regional. O fato é que o Grande ABC sempre foi arremedo da Capital e nunca se beneficiou por integrar no papel a maior região metropolitana do País. Como ninguém perde o que nunca possuiu, até porque as regiões metropolitanas forjadas no governo militar não passam de ficção, o Grande ABC só teria a ganhar se trilhasse o caminho desbravado por Baixada Santista e Grande Campinas.
Não é preciso ser especialista em geografia econômica para reconhecer que as metrópoles e os grandes centros urbanos brasileiros apresentam enormes problemas de desbalanceamento socioeconômico resultantes de infeliz conjugação de dois fatores: surto urbanizatório no passado e perdas econômicas em anos mais recentes. Mas a espiral de desgaste da qualidade de vida e da anorexia financeira pode ser revertida desde que a sociedade se mobilize. É o que pensa o holandês Jeroen Klink, professor de curso de mestrado no Imes de São Caetano e secretário de Relações Internacionais da Prefeitura de Santo André.
Jeroen Klink enfatiza a importância da existência do que chama de capital relacional entre atores públicos, privados e institucionais para a reconversão econômica de cidades-regiões e metrópoles. Especialista em regionalidade, ele explica que capital relacional é uma modalidade de capital intangível representado pela predisposição à cooperação mútua entre Poder Público, empresas, sindicatos e universidades. Para quem jamais ouviu a expressão, na verdade se trata do mais conhecido Capital Social.
“Não se deve acreditar no discurso de que as cidades-região têm pouca governabilidade face à pujança das forças macroeconômicas, tais como câmbio, taxa de juros e políticas fiscais e monetárias, e face à reestruturação microeconômica das grandes cadeias produtivas ditada pela globalização” — alerta Jeroen Klink com seu leve sotaque holandês. “Muito pode ser feito por intermédio de mobilização dos atores socioeconômicos em torno de ideais comuns” — acredita.
Jeroen Klink embasa a crença pessoal no regionalismo em observações internacionais. Ele chama atenção para o fato de que a gestão das cidades-região vem mudando em escala mundial. As cidades estão deixando de ser meras executoras de tarefas estanques, determinadas sob a ótica estrita do Poder Público tradicional, para assumir papel adicional de articuladoras e orquestradoras dos instrumentos socioeconômicos, como sindicatos, universidades e empresas. “Novos temas surgem na pauta da agenda local ligados sobretudo ao desenvolvimento econômico sustentado” — observa. “Essa tendência é visível desde a década de 70 nas cidades norte-americanas e européias, e no Brasil a partir dos anos 90″ — explica.
Klink nota que uma das ferramentas que o Poder Público pode empunhar na condição de articulador e com olhos no desenvolvimento auto-sustentado é a adoção de distritos industriais marshalianos. O termo deriva de Alfred Marshall, economista notabilizado pela tese sobre as vantagens das aglomerações produtivas no final do século XIX. O conceito de aglomerações produtivas foi aperfeiçoado mais recentemente e ganhou nova nomenclatura. Passou a ser conhecido como cluster e está relacionado com o norte-americano Michael Porter, o maior especialista na matéria. Independentemente do nome, o importante é saber quais relações de coopetição (cooperação para competição) entre empresas de segmentos convergentes instaladas na mesma área geográfica trazem ganhos mútuos e duradouros de competitividade e alavancam a saúde econômica da região onde estão instaladas.
“O principal papel da política pública no panorama moderno seria colocar em marcha as forças de desenvolvimento endógeno. Uma das formas é estimular a troca de informações entre produtores e fornecedores locais, bem como o relacionamento entre centros universitários e empresas para catapultar a geração de inovações” — observa.
O professor Jaime Rodrigues, da Metroplan (Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional) do Rio Grande do Sul, expôs a experiência da aglomeração urbana do nordeste do Estado, que reúne 10 municípios responsáveis por 17% do PIB (Produto Interno Bruto) industrial gaúcho. “Trata-se de aglomeração com vida independente da Região Metropolitana de Porto Alegre e forjada ao longo da história pelo impulso empreendedor e recursos financeiros dos próprios habitantes, majoritariamente descendentes de italianos” — explica Jaime Rodrigues. Na região estão a maior indústria de vinho do País, as maiores fabricantes brasileiras de carrocerias para caminhões e ônibus — como a Marcopolo –, além de indústrias metalmecânicas, de roupas e movelaria.
Tudo azul no pujante aglomerado do nordeste do Rio Grande do Sul? Errado. A participação no PIB industrial é significativa, mas o problema é que já foi muito maior antes de ser diretamente afetada pela globalização econômica. “A participação relativa no PIB industrial tem caído continuamente nos últimos anos” — afirma Jaime Rodrigues. “As dificuldades brasileiras refletem de forma muito poderosa na região e a situação não é das melhores” — acrescenta. Os desafios não se restringem ao carro-chefe industrial. “Até pouco tempo atrás não havia supermercados que não fossem locais. Com a chegada em massa de redes estrangeiras, quem não consegue competir simplesmente desaparece” — lamenta o professor da Metroplan.
Assim como no Grande ABC e em regiões duramente afetadas pelo enfraquecimento industrial, no aglomerado do nordeste do Rio Grande do Sul perdas econômicas revelam-se na forma de altos índices de desemprego, aumento da população favelada e loteamentos irregulares, bem como no aumento da criminalidade.
Lideranças públicas do aglomerado sulista criaram um conselho regional de desenvolvimento que obteve apoio formal do governo do Estado de forma muito semelhante como os sete prefeitos do Grande ABC formaram o Consórcio Intermunicipal para ampliar o poder regional de sensibilização e negociação junto ao governo paulista. Tanto no caso da aglomeração dos 10 municípios do Rio Grande do Sul como no das sete cidades do Grande ABC, os resultados foram inferiores ao minimamente necessário. “Estamos tentando formar uma política regionalizada com o governo atual. Mas ainda temos muito a caminhar. Há dificuldade enorme na articulação de políticas públicas que envolvem várias cidades” — comenta Jaime Rodrigues.
O jornalista Daniel Lima fez duras críticas à realidade institucional do chamado Grande ABC, sete municípios que somam 2,3 milhões de habitantes, perto de 9% do PIB (Produto Interno Bruto) do Estado e 2,8% do PIB nacional. Utilizando-se de referências internacionais e contrapondo-as à situação da região, que vive uma junção de desemprego elevado, evasão industrial contínua, enxugamento seletivo da indústria automotiva e invasão do setor comercial por grandes conglomerados, Daniel Lima afirmou que o Grande ABC vive situação socioeconômica dramática, captada em vários indicadores estatísticos oficiais: “E tudo isso combinado nos dois ou três últimos anos com espécie de orfandade social e desintegração regional” — apontou.
O Grande ABC apresentou nos últimos 10 anos comemorados pelo Consórcio Intermunicipal de Prefeitos espécie de ascensão e queda institucionais. Em 1991, quando foi criado o Consórcio de Prefeitos, substituía-se o municipalismo autárquico por um embrião de integração regional no vácuo da falência da Região Metropolitana de São Paulo. Com a chegada de novos prefeitos em 1992, houve recuo nas relações, que só foram resgatadas a partir de 1996, quando vários dos prefeitos eleitos em 1988 voltaram aos paços municipais, casos de Celso Daniel (Santo André), Maurício Soares (São Bernardo) e Luiz Tortorello (São Caetano).
Nesse ínterim, em 1994 surgiu o Fórum da Cidadania, movimento que reuniu lideranças de diferentes entidades sociais, econômicas e sindicais. O Fórum da Cidadania provocou a retomada do Consórcio de Prefeitos e fez surgir a Câmara Regional, instância que o então secretário de Planejamento Econômico do Estado, Emerson Kapaz, pretendia reproduzir em vários pólos econômicos paulistas. O plano ficou apenas na intenção de quem mais tarde acabou eleito deputado federal.
Depois de viver até 1998 muita mobilização e produzir planos ambiciosos sem as ações correspondentes, a integração do Grande ABC, segundo Daniel Lima, entrou em depressão. Numa avaliação dura, o jornalista afirmou que o Fórum da Cidadania já morreu, depois de perder-se entre o consenso insensato e o democratismo confundido com democracia. Quanto ao futuro da Câmara Regional e do Consórcio de Prefeitos, acredita o jornalista que é possível recuperá-los, até porque têm corpos técnicos das prefeituras que não podem ser desprezados.
Da mesma forma está a Agência de Desenvolvimento Econômico, braço estatístico e operacional da Câmara e do Consórcio que sofre com falta de recursos para contratação de funcionários administrativos, quanto mais de técnicos específicos. Para as três instâncias, Daniel Lima defende a profissionalização gerencial como medida inadiável. “Voluntarismo é importante para as Madres Terezas” — disse, referindo-se a mulheres que dirigem entidades assistenciais no Grande ABC e que recentemente foram homenageadas no Prêmio Desempenho, da Editora Livre Mercado.
Daniel Lima lançou mão de ensinamentos de quatro especialistas internacionais para potencializar as restrições, críticas e perspectivas para a sociedade do Grande ABC. Recorreu ao italiano Domenico Di Masi, pregador da ociosidade produtiva, aos norte-americanos Peter Ducker, farejador de tendências do mundo capitalista, e Michael Porter, profeta da competitividade regional, e também ao inglês Anthony Guiddens, guru da Terceira Via, junção de governo, sociedade e mercado, para dizer que o Grande ABC não está conseguindo, minimamente, reunir esses atributos.
O prefeito Celso Daniel, de Santo André, um dos criadores do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos do Grande ABC e entre os principais incentivadores da Câmara Regional, além de diretor-titular da Agência de Desenvolvimento Econômico, preferiu amenizar o discurso sobre a denunciada debacle da institucionalidade regional. O dirigente passou mais tempo preocupado em traçar didaticamente o histórico social e econômico do Grande ABC, sem aprofundar-se nos aspectos institucionais mais recentes.
Em nenhum instante Celso Daniel deixou escapar críticas aos demais prefeitos da região, quatro dos quais do Partido dos Trabalhadores, do qual faz parte. Optou por criticar a mídia, tanto regional quanto da Grande São Paulo. A primeira, embora não apontasse os veículos nominalmente, pelo que chamou de “descarrilamento” na cobertura dos acontecimentos locais, sugerindo uma sintonia mais próxima das lideranças políticas. E a segunda por especializar-se em procurar apenas destacar os casos supostamente negativos envolvendo a região, sobretudo na esfera policial.
O prefeito de Santo André deixou para o final de sua apresentação algumas propostas para alterar o quadro institucional do Grande ABC. Especificamente disse que é preciso tornar compulsória a arrecadação de receitas que possam garantir a contratação de quadros administrativos e técnicos. Entretanto, em nenhum momento fez ressalvas ao fato de a Agência de Desenvolvimento que dirige viver em constante dificuldade por causa da inadimplência dos associados. A ONG é mantida com recursos das prefeituras do Grande ABC, instituições representativas das classes empresarial e sindical e também por empresas privadas.
O secretário de Desenvolvimento Econômico de São Bernardo, José Humberto Celestino Macedo, que substituiu o prefeito Maurício Soares, garantiu que levaria para a prática a sugestão do jornalista Daniel Lima: irá procurar a Bamberg e a Herzog, consultorias paulistanas especializadas em transações imobiliárias relacionadas à localização ou relocalização de empresas dos setores industrial, comercial e de serviços. O secretário municipal ocupa o cargo há apenas um ano e disse que pretende saber por que fábricas que estão no Município foram ou pretendem ir para o Interior do Estado em busca de maior competitividade.
A sutil diferença entre os conceitos de metropolização e regionalidade fornece subsídios preciosos para a análise das experiências metropolitanas no Estado de São Paulo. Enquanto a Grande São Paulo coleciona mais disparidades socioeconômicas do que exemplos concretos de ações integradas, regiões metropolitanas recentes como a da Baixada Santista já exibem resultados porque buscam métodos pragmáticos de organização.
Comparar a Região Metropolitana de São Paulo com a Região Metropolitana da Baixada Santista seria incorrer no erro da visão míope que distorce a imagem real. A primeira forjou-se sob o conceito antiquado de que bastaria uma lei e algumas políticas de gabinete para enquadrar 39 municípios com muita proximidade, mas pouca similaridade, sob a mesma área geográfica. A segunda foi alçada à condição legal de metrópole apenas em 1996, momento em que o papel da sociedade organizada começou a tornar-se imprescindível no processo de desenvolvimento econômico das cidades e respectivas regiões.
Os municípios de Santos, Guarujá, Cubatão, São Vicente, Praia Grande, Mongaguá, Peruíbe, Itanhaém e Bertioga foram os primeiros fora dos entornos das Capitais a formarem uma região metropolitana. “Estamos começando a aprender como se faz metropolização” — afirma o diretor-adjunto da Agem (Agência Metropolitana da Baixada Santista), Rivaldo Otero.
A Agem é o braço administrativo e órgão executor do Condesb (Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista), cujo custeio é rateado paritariamente — 50% pelo Estado e 50% pelos nove municípios. Rivaldo Otero também preside o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano, órgão da gestão integrada encarregado de gerenciar os recursos destinados à realização dos projetos na Baixada Santista.
Desde o ano passado ficou estabelecido que Estado e municípios deveriam contribuir mensalmente com R$ 262 mil, rateados em partes iguais. Às cidades ficou condicionado valor de prestação de acordo com o volume populacional cruzados com indicadores econômicos. Assim, Bertioga contribui com R$ 2,9 mil e Santos com R$ 45 mil.
O equacionamento da contribuição mensal foi passo fundamental para que a metropolização da Baixada Santista deixasse o papel. Discussões e idéias encerram-se em si mesmas se não houver recursos financeiros para operacionalização. A Agem tem 11 projetos em andamento, entre os quais o Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado e o Novo Sistema Cartográfico com dados georeferenciados. Também foi responsável pela realização do Estudo de Impacto da Segunda Pista da Rodovia Imigrantes no sistema viário local, já concluído.
O fundo metropolitano dispõe de R$ 2,6 milhões e regras definidas. Todos os projetos aprovados devem ser contratados por meio de licitação pública e estão sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas. Também foi encontrada fórmula para inibir a inadimplência registrada no início do processo. As cidades que haviam feito depósitos regulares até abril de 2000 ganharam o direito de colocar sob a apreciação da Agem projetos municipais de interesse regional com valor equivalente ao dobro do contribuído ao fundo até aquela data. A medida estimulou a regularidade dos pagamentos e o fundo ainda deverá receber reforço de R$ 5 milhões. O valor está previsto no Orçamento do Estado para 2002, que está na Assembléia Legislativa para votação.
A Região Metropolitana da Baixada Santista, institucionalizada em 1996, demorou cerca de quatro anos para encontrar maneiras de começar a caminhar com as próprias pernas. Com Campinas não deve ser diferente. O Município e outras 18 cidades do entorno tornaram-se oficialmente região metropolitana em meados do ano passado e ainda discutem como operacionalizar a articulação conjunta.
O ex-prefeito de Campinas Antônio Costa Santos, assassinado em 10 de setembro último, chegou a propor que o Conselho de Desenvolvimento da RMC não tivesse um presidente e fosse gerido de forma solidária. Recentemente o prefeito de Vinhedo, Milton Serafim, foi eleito para presidir o conselho e o Estado destinou R$ 600 mil para sua instalação. A idéia original de que a RMC estivesse instalada nos dois primeiros meses deste ano também esbarrou na burocracia e nas dificuldades de vencer o individualismo.
“Despartidarizar a discussão é o grande desafio” — alerta Rivaldo Otero, um dos debatedores do painel A Experiência Metropolitana no Estado de São Paulo junto com o secretário de governo da Prefeitura de São Paulo, Rui Falcão. Um representante de Campinas também foi convidado, mas não compareceu ao evento realizado em São Caetano.
As regiões metropolitanas da Baixada Santista e de Campinas precisam procurar caminhos próprios porque não podem espelhar-se na Grande São Paulo. Fruto do período militar, a divisão geográfica que aglomerou grandes Capitais e cidades vizinhas serviu para muito pouco além de acomodar interesses políticos. Na maioria dos casos, o gigantismo das Capitais e de algumas cidades mais desenvolvidas ofuscou as demais, tornando-as apenas coadjuvantes de processo crescente de deterioração urbana e da qualidade de vida.
“São Paulo não pode ser uma ilha e nem ter os outros 38 municípios subordinados à sua vontade” — destacou o secretário de Governo da Prefeitura de São Paulo, Rui Falcão. A afirmação é sensata, mas equiparar a pujança natural da cidade de São Paulo às dificuldades inerentes da pequenina Rio Grande da Serra requer mais que retórica politicamente correta. São dois pesos e duas medidas que podem definir a tênue linha entre metropolização e regionalidade.
O Grande ABC é exemplo emblemático. Inserido na Região Metropolitana de São Paulo e destacado no Brasil como ABC Paulista, acabou tomado por complexo de inferioridade fomentado pela proximidade com a Capital. Por conta disso, errou o passo em muitas decisões públicas de relevância e perdeu riquezas para cidades mais articuladas e regiões politicamente fortes.
A Assembléia Legislativa registra inúmeros projetos que solicitam a transformação de diferentes áreas do Estado em regiões metropolitanas. O projeto que pede a criação da Região Metropolitana do Grande ABC é datado de 1995. Não foi para frente porque esbarrou em impedimentos legais e picuinhas políticas.
Em Minas Gerais e no Rio de Janeiro não é apenas a fragmentação institucional, ou seja, a falta de programas metropolitanos sinérgicos, que impede a Grande Belo Horizonte e o Grande Rio de vingarem como espaços urbanos integrados. Essas duas das maiores regiões metropolitanas do País tombaram como tal porque as principais pilastras — as respectivas Capitais — se tornaram espaços excludentes.
Belo Horizonte à frente, depois Betim e Contagem, formam uma trinca de cidades-pólo que elitizaram e encareceram a infra-estrutura econômica e social, expulsando para os demais 30 municípios da metrópole mineira grandes hordas de populações pobres, cita a professora Virgínia Guia, da Universidade Federal de Minas.
A situação é pior no Rio de Janeiro, que além de deter cerca de 80% do PIB dos 20 municípios metropolitanos, ignora solenemente esse verdadeiro cinturão de cidades-dormitório ao redor. “A Prefeitura do Rio não está nem aí para uma visão integrada metropolitana e a baixa atividade econômica dos municípios vizinhos faz com que reforcem a política de clientelismo junto ao governo do Estado” — expõe a especialista em saneamento e também professora Ana Lúcia Britto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A dificuldade de os municípios se articularem politicamente de forma independente do Estado é outro ponto em comum entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Virgínia Guia cita que o governador Itamar Franco nunca colocou na agenda qualquer apoio à região metropolitana, enquanto ao carioca Anthony Garotinho também não interessaria criar articulações regionais fortes que reduzissem o poder de autoridade máxima do Estado. “A subordinação dos municípios ao Estado do Rio é tamanha que muitos prefeitos mudam para o partido do governador logo após as eleições” — conta a professora Ana Lúcia. Na condição de ex-Capital do Estado, Niterói é o único Município carioca que polariza com o Rio de Janeiro um pouco de pujança econômica e representatividade política.
O cenário de prefeitos metropolitanos que não se conversam, como definem as duas estudiosas do assunto, acaba gerando ações pontuais e isoladas, que beneficiam um ou dois municípios. Quando há alguma movimentação coletiva, é fruto mais de união para exercer algum lobby do que propriamente para gestar qualquer ação de governança metropolitana. A Baixada Fluminense, que faz parte do Grande Rio, instituiu há algum tempo uma associação de prefeitos, mas de objetivos e planejamentos pouco claros. “Eles se organizaram mais para trazer projetos e recursos para seus municípios do que para articular interesses comuns. Nem os prefeitos sabem por quê a associação existe” — lamenta a professora da UFRJ Ana Lúcia Britto.
Outra característica dos chamados municípios periféricos do Rio é que imitam o isolamento da Capital e acabam promovendo ações individuais sobre programas tipicamente metropolitanos como de saúde, meio ambiente, habitação e destinação do lixo. Recentemente foram articuladas duas alianças mais significativas — os comitês de bacias de Bangu e Baixada Fluminense — para tratar da gestão de recursos hídricos. Mas a ausência de instância metropolitana no Rio desde que a Fundrem foi extinta, em 1989, resulta em total domínio do Estado. “A despoluição da Baía da Guanabara, que pega quase todos os municípios do Grande Rio, é totalmente desenvolvida e controlada pelo governo estadual. Os prefeitos não participaram de nenhuma discussão” — conta Ana Lúcia Britto, da UFRJ.
O vácuo da articulação institucional acaba preenchido pela sociedade civil carioca. A professora cita como contrapontos da comunidade o surgimento nos anos 80 do Comitê Político para Habitação e Saneamento da Baixada Fluminense, que reúne várias sociedades de bairro e grupos ambientalistas. Há também o Pedema, um fórum de associações ecológicas. “Infelizmente, porém, a trajetória de governos do Rio é de não se abrirem à participação popular representada pelas entidades de classe” — acrescenta.
A ausência da sociedade civil nas instâncias governamentais decisórias talvez explique o motivo de o tema região metropolitana soar abstrato para a esmagadora maioria da população, concorda a pesquisadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, Virgínia Guia. Sem controle social dos processos que decidem e que dão destinação aos fundos financeiros públicos, a população tem dificuldade de pensar regionalmente. Prefere priorizar localmente temas concretos como saúde, água e esgoto. “Essa visão de cunho local também prevalece na pesquisa que fizemos entre prefeitos e vereadores, ou seja, entre quem tem poder político nas mãos” — conta a estudiosa.
Por não dispor de uma instância decisória, a população acaba se organizando na forma de ONGs e movimentos populares específicos para transportes coletivos, meio ambiente, habitação, entre outros. Essa pulverização só fortalece a burocracia estatal e explicaria o fracasso da Ambel e da Granbel, dois dos organismos oficiais existentes para cuidar da Região Metropolitana de Belo Horizonte. “A hierarquia política e o centralismo burocrático tornam essas instâncias inoperantes na implementação de políticas públicas integracionistas” — opina Virgínia Guia.
Com 33 municípios e 4,350 milhões de habitantes — metade dos quais na Capital — a Grande Belo Horizonte tem o que a professora da UFMG chama de um dos modelos teóricos mais democráticos de gestão. Na prática, porém, caiu na armadilha das demais regiões metropolitanas, de impasses diante do modelo autárquico e padronizado de gestão. Tudo em torno da Ambel (Assembléia Metropolitana) criada em Belo Horizonte a partir do novo pacto federativo da Constituição de 1988 gira em torno do estatismo: o fundo de desenvolvimento só tem representantes de prefeituras, Câmaras Municipais, governo do Estado e deputados estaduais. As nove câmaras setoriais — órgãos consultivos e técnicos da Ambel — são dominadas por prefeitos e vereadores.
A Granbel, instituída nos anos 70 para se contrapor à estrutura então militarista da Ambel, se dispersou porque não conseguiu fazer propostas alternativas. A Associação dos Municípios é outra experiência integracionista considerada incipiente pela professora Virgínia Guia. Além disso, por estar sob controle dos pequenos municípios da área metropolitana, a Ambel tem sido esvaziada por Belo Horizonte, Betim e Contagem, as três cidades-pólo. “Depois que os grandes municipalizaram o transporte coletivo, a Ambel não se reúne sequer para votar aumento de tarifa” — conta a professora, que só vê saída para uma articulação metropolitana eficiente na volta do controle da União e dos Estados. “A ênfase à descentralização fez os municípios perderem o controle da ordem nas ações e da prioridade ao bem-comum” — acredita.
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24/04/2025 GRANDES INDÚSTRIAS CONSAGRAM PROPOSTA