Regionalidade

Grandes cidades,
grandes problemas

ANDRE MARCEL DE LIMA - 10/01/2002

Os problemas dos grandes centros urbanos e das regiões metropolitanas brasileiras nunca foram tão avaliados, debatidos e discutidos como nos últimos tempos. Premidas por um conjunto de condicionantes financeiras e socioeconômicas que vão do fim da correção inflacionária e da adoção da Lei de Responsabilidade Fiscal à explosão das mazelas sociais, lideranças públicas recorrem à orientação de especialistas nacionais e internacionais no afã de jogar luzes sobre o beco sem saída em que se converteram as maiores cidades e regiões brasileiras.

Uma prova de que o assunto entrou na agenda das grandes preocupações nacionais está no ritmo acelerado com que encontros são promovidos para debater a questão: pelo menos três eventos de porte abordaram a sinuca de bico dos grandes centros urbanos nos últimos meses, apenas na Grande São Paulo.

O seminário Retratos Metropolitanos trouxe para o Grande ABC em fins de outubro experts como Fernando Abrucio — professor doutor da PUC São Paulo e da Fundação Getúlio Vargas — e representantes de várias regiões metropolitanas do País.

O seminário internacional Grandes Cidades: Desafios Gerenciais e Financeiros reuniu no auditório da paulistana Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado) o secretário de Finanças de São Paulo, João Sayad, o ex-ministro Maílson da Nóbrega e o consultor do Senado Marcos Mendes, entre outros especialistas nacionais e internacionais, no início de novembro.

E em dezembro, o evento Grandes Metrópoles, Desafios Para o Futuro reuniu debatedores como o economista José Alexandre Scheinkman no auditório do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais).

Não é à toa que a sustentabilidade de centros urbanos entrou para a ordem do dia. O tema afeta diretamente a vida de boa parte dos cidadãos uma vez que as regiões mais desenvolvidas e caóticas do País concentram vasta parcela da população. Nas 305 cidades das 23 regiões metropolitanas instituídas vivem 68 milhões de brasileiros, população equivalente à da Itália ou Espanha.

Além dessa relação direta, o tema tornou-se obrigatório por razões estratégicas: ao compreender os motivos que levaram os centros urbanos a se tornar verdadeiras usinas de mazelas sociais, dirigentes públicos e privados combatem ervas daninhas crescidas na sombra da falta de planejamento e evitam que os mesmos desvios comprometam a qualidade de vida das cidades em fase de crescimento — os grandes centros do amanhã. A abordagem é corretiva e preventiva, portanto.

Centros urbanos problemáticos não são privilégio brasileiro ou de países subdesenvolvidos. Também em nações de Primeiro Mundo como Estados Unidos, Inglaterra e Espanha as regiões mais antigas, industrializadas e densamente povoadas recebem atenção especial de governantes e das comunidades locais por comportarem marginalidade e exclusão social em doses muito acima da média. Mas no Brasil o grau de complexidade é muito superior, inclusive em relação aos pares do Terceiro Mundo, por causa das peculiaridades tupiniquins de fundo demográfico, macroeconômico e relacionadas ao modelo nacional de distribuição tributária. A sobreposição de fatores torna a condição das grandes cidades e regiões metropolitanas especialmente dramática no Brasil.

Os grandes centros urbanos brasileiros são proporcionalmente mais inchados porque a história recente do País é marcada por surto migratório sem paralelo no panorama mundial. Em 1940, três em cada 10 brasileiros viviam nas cidades; 60 anos depois, oito em cada 10 brasileiros moram nas cidades. Só a Capital de São Paulo saltou de um milhão de habitantes em 1950 para quase 11 milhões 50 anos depois. O êxodo rural foi importante para o País porque as economias mais fortes são predominantemente industriais e de serviços avançados, não agrícolas.

“A urbanização representa medida eficiente para checar o estágio evolutivo de um país. Quanto mais urbanizado, mais rico” — explica o economista José Alexandre Scheinkman, o brasileiro de maior expressão no meio acadêmico internacional, professor da prestigiada universidade norte-americana de Princeton.

Entretanto, os efeitos colaterais da urbanização vertiginosa são agudos porque metrópoles absorvem mão-de-obra oriunda de outras regiões segundo lógica darwiniana: quem atinge o Olimpo da inserção profissional usufrui do melhor dos mundos, porque os centros urbanos oferecem muito mais opções culturais, gastronômicas, de lazer e entretenimento que as regiões periféricas. “A vida pulsa mais forte nas cidades” — considera Alexandre Scheinkman.

Em compensação, os excluídos do mercado de trabalho descem ao inferno porque o custo de vida nos centros urbanos é muito maior. Some-se a convivência na mesma área geográfica entre incluídos e excluídos ao sentimento de anonimato inerente às grandes cidades e tem-se a receita do caldo de cultura da criminalidade que corrói as bases das regiões brasileiras mais desenvolvidas.

A inserção tardia do Brasil no mercado mundial atingiu em cheio as regiões que tiveram processo urbano acelerado com a chegada de multinacionais e de grandes indústrias nacionais financiadas com recursos públicos durante a segunda metade do século XX. De regiões metropolitanas formalmente constituídas como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba a conurbações urbanas de feições metropolitanas como o Grande ABC e o aglomerado do nordeste do Rio Grande do Sul, não há região industrializada que não tenha acusado sérias perdas econômicas com a adequação do parque produtivo brasileiro às melhores práticas internacionais. E é fácil compreender os motivos.

Durante décadas, indústrias que foram pivôs naturais dos centros urbanos brasileiros absorveram milhões de retirantes intra e interestaduais em processos produtivos não automatizados. O distanciamento econômico do Brasil em relação ao mundo foi um estímulo à acomodação industrial que beneficiou um universo gigantesco de trabalhadores eminentemente operacionais vindos das regiões periféricas.

Que industrial investiria em robôs e processos inteligentes para ganhar produtividade num ambiente marcado pela convivência pacífica com desperdícios e custos elevados de produção, uma vez que os consumidores eram obrigados a se contentar com produtos made in Brasil? Além disso, as tarifas de importação de bens de capital desestimulavam até os industriais mais arrojados.

Quando a globalização chegou, milhares de indústrias fecharam e outras milhares foram obrigadas a adotar tecnologias racionalizadoras de processos para eliminar de uma só vez as ineficiências cristalizadas ao longo de anos. O desemprego industrial subiu à estratosfera, desestabilizando ainda mais o equilíbrio econômico das grandes cidades. E, pelo menos até agora no Brasil, os empregos criados no setor terciário mostram-se insuficientes para absorver a contento ex-operários que, quando encontram vagas, deparam-se com salários bem menores.

Além do efeito-sanfona causado por concentração abrupta seguida de corte repentino na mão-de-obra industrial urbana, os grandes centros brasileiros são prejudicados por modelo nacional de distribuição de recursos claramente desfavorável às regiões mais populosas e que enfrentam grandes demandas sociais. A observação é de Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado federal e membro do Instituto Fernand Braudel.

Marcos Mendes explica que a Constituição de 1988 selou acordo segundo o qual municípios pequenos seriam financiados com receitas federais, enquanto as cidades médias e grandes baseariam a maior parte da sustentabilidade financeira em receitas próprias, oriundas de impostos como IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ISS (Imposto Sobre Serviços), além de transferências estaduais de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

O nobre propósito por trás desse sistema de partilha hobbinwoodiano seria desconcentrar a riqueza nacional de modo que habitantes de cidades menores e mais afastadas pudessem ter melhores condições de vida nos locais de origem. Entretanto, o que se viu na prática, alerta Marcos Mendes, foi o sobrefinanciamento de cidades muito pequenas e o subfinanciamento dos grandes municípios.

O especialista exibe tabela para mostrar que o tamanho da receita per capita dos municípios brasileiros é inversamente proporcional ao contingente populacional. Cidades com até três mil habitantes têm receita anual média equivalente a R$ 614 por habitante, enquanto em localidades com mais de 300 mil habitantes a receita gira em torno de R$ 300 por habitante. Além de prejudicar municípios mais populosos com reduzida fatia do bolo para dar conta das crescentes demandas sociais, a partilha consagrada pela Constituição é um convite ao desperdício de recursos públicos — segundo Marcos Mendes.

“Municípios com até três mil habitantes não têm escala populacional para produzir serviços públicos. Não pode ter escola de 5ª a 8ª série, por exemplo, porque vai faltar aluno. Os recursos federais que fluem para uma infinidade de municípios brasileiros acabam virando salário de prefeitos, vereadores e do funcionalismo público em geral” — alerta o consultor do Senado, que ressalta outra distorção gerada pelo sistema: as receitas das grandes cidades oscilam de acordo com o ritmo da atividade econômica, enquanto municípios pequenos dispõem de recursos estáveis, repassados pela Federação em forma de FPM (Fundo de Participação dos Municípios). “Mais de 50% da receita total de São Paulo é proveniente de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e ISS (Imposto sobre Serviços). Esses impostos são altamente aderentes ao nível de crescimento econômico” — expõe o consultor.

Embora reconheça ser muito difícil mudar o sistema sacramentado na Constituição, Marcos Mendes não vê solução diferente da mobilização política de prefeitos das grandes cidades brasileiras para tentar reverter o desequilíbrio da partilha fiscal. “Sempre se fala que o Congresso vai resistir a mudanças em favor das grandes cidades porque a bancada do Norte e do Nordeste é maior. No entanto, mesmo no Norte e no Nordeste existem grandes cidades com problemas muito parecidos com os enfrentados por São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e outras Capitais do Sul e Sudeste” — observa Marcos Mendes.

O consultor do Senado lista outros obstáculos tributários que atrapalham a trajetória das grandes cidades rumo à qualidade de vida e à sustentabilidade econômico-financeira. O segundo é a guerra fiscal municipal. Como se sabe, o ISS é pago ao Município onde está localizada a sede da empresa, não onde o serviço é efetivamente prestado. Pequenos municípios no entorno de grandes cidades aproveitam-se do princípio de origem para acenar com alíquotas reduzidas. Resultado: as grandes cidades proporcionam infra-estrutura para prestação de serviços, mas não usufruem da contrapartida do imposto, desviado para os vizinhos.

“Prejudicadas pela partilha federal, as grandes cidades não conseguem reforçar o caixa com o ISS por conta da guerra fiscal entre municípios. Em vez de aumentar, são obrigadas a reduzir alíquotas para não perder empresas” — sintetiza Marcos Mendes.“Felizmente o problema da guerra fiscal municipal está a meio caminho da solução” — confia o especialista, referindo-se à emenda constitucional que tramita no Congresso para estancar a sangria dos grandes municípios. A emenda estabelece alíquota mínima de 2% de ISS e, além disso, leva em conta o chamado princípio de destino, segundo o qual o imposto seria cobrado no Município onde o serviço é prestado, não mais na cidade onde está inscrita a sede da empresa.

Outro entrave listado por Marcos Mendes é representado pela elevação brutal da carga tributária federal nos últimos anos. A carga tributária federal cresceu 28% em termos reais desde 1990. Foi ampliada de 17% para 21,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em 10 anos. No mesmo período a carga estadual aumentou pouco e a municipal ficou em 1,2% do PIB. Sobrecarregado por pesado fardo federal — composto inclusive por impostos de constitucionalidade duvidosa como a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras) que, de provisória, não tem nada — o brasileiro não quer nem ouvir falar em aumento de impostos municipais. “O governo federal saiu na frente na corrida pela arrecadação de impostos” — destaca Marcos Mendes. “No momento em que os governos municipais das grandes cidades precisam arrecadar mais recursos, não conseguem porque o contribuinte é um só” — esclarece.

Marcos Mendes tem proposta polêmica para equilibrar o arranjo tributário fortemente concentrado na esfera federal. A idéia é permitir, por meio de legislação específica, desconto de parte do Imposto de Renda para compensação em forma de pagamento adicional de IPTU. “A receita municipal se ampliaria sem sobrecarregar ainda mais o contribuinte, pois haveria apenas uma troca de guichê” — sugere o consultor do Senado federal.

Além de percalços institucionalizados, as grandes cidades brasileiras se deparam com fase terminal de um longo processo de irresponsabilidade fiscal. Durante décadas homens públicos não precisaram se preocupar em equalizar a relação entre receitas e despesas porque a inflação vertiginosa maquiava a gastança. “Ao longo dos últimos 30 anos, o que as grandes cidades mais fizeram foi se endividar, passando a conta para o governo federal de forma direta ou indireta” — comenta Marcos Mendes. “De bancos estaduais a emissão de títulos públicos fraudados, havia uma série de mecanismos de financiamento que deixaram os prefeitos das grandes cidades acomodados” — completa o consultor.

Com a interrupção da inflação galopante em 1994, a conta de desmandos administrativos históricos começou a ganhar contornos mais claros. A dívida da Capital paulista, por exemplo, gira em torno de R$ 20 bilhões, montante que supera em duas vezes o orçamento anual de R$ 9,5 bilhões. É por estarem afundadas em dívidas acumuladas ao longo de vários mandatos que muitas administrações municipais posicionam-se contrariamente à Lei de Responsabilidade Fiscal, que pune até com pena de reclusão administradores públicos que gastam mais do que arrecadam. Até a petista Marta Suplicy, integrante de um partido que sempre defendeu racionalidade nos gastos públicos, enxerga a LRF com reservas por sentir-se engessada à frente da maior cidade da América Latina.

Marcos Mendes não citou, mas o sistema de redistribuição de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é outro elemento que prejudica as grandes cidades paulistas. Como se sabe, o ICMS é redistribuído pelo Estado às cidades de acordo com critério que privilegia a variável produção industrial em detrimento da variável população. Quanto mais industrializado é o Município, maior a cota do ICMS à qual tem direito, independentemente do tamanho da população. O critério é claramente desfavorável às regiões metropolitanas e aos grandes centros urbanos, que mais perderam produção industrial relativa nos últimos anos por conta da desconcentração motivada em grande medida pela guerra fiscal.

Além disso, remanescem grandes contingentes populacionais cada vez mais dependentes de serviços públicos. “A maior parte dos recursos do ICMS não vai para as regiões que concentram grande parcela da população. E normalmente onde vive a maior parte da população é onde existe a maior parte de problemas, que obviamente demandam mais recursos públicos” — afirma Fernando Abrucio, professor da PUC e da Fundação Getúlio Vargas.

O secretário de Finanças de São Paulo, João Sayad, e o ex-ministro do Planejamento e da Fazenda, Maílson da Nóbrega, protagonizam a discussão mais acirrada sobre os motivos que levaram cidades como São Paulo a acumular dívidas estratosféricas. Para João Sayad, a grande vilã chama-se taxa de juro. “Juros fixados em patamares muito mais elevados que a capacidade de crescimento da economia do Estado e do País são a origem dos nossos problemas financeiros” — afirma Sayad. “A taxa da dívida municipal de R$ 20 bilhões está fixada em 8% reais por ano. Ou o Brasil cresce acima de 8% ou quem emprestou espera tomar posse do patrimônio de quem tomou emprestado” — reclama o secretário.

Maílson da Nóbrega diz ficar surpreso com tamanho simplismo de raciocínio e acusa o secretário de Finanças de confundir causa e efeito. O ex-ministro lembra que os juros não são elevados por acaso, mas refletem o desequilíbrio fiscal nacional derivado de um conjunto de fatores macroeconômicos que vão da exaustão do modelo de desenvolvimento baseado no protecionismo e da concessão generalizada de subsídios creditícios até os desatinos fiscais da Constituição de 1988.

“A estrutura de despesas no Brasil é absolutamente incompatível com a gestão fiscal saudável e o endividamento sustentável. A percepção deste doentio regime fiscal está na origem do alto prêmio de risco que se atribui ao Brasil. Temos uma estrutura fiscal que nos coloca permanentemente sob risco. A taxa de juro reflete essa realidade: agrava o problema, mas não é a causa. É preciso atacar as causas, e não encontrar saídas para os efeitos” — sustenta.

Maílson da Nóbrega comprova a fragilidade financeira do País com números. Diz que o Brasil gasta 22% do Produto Interno Bruto com folha de salários públicos e Previdência Social inchada com vasta casta de aposentados privilegiados. E que quando se somam às despesas de pessoal vinculações à saúde, educação e aos gastos com Legislativo e Judiciário, o Brasil tem estrutura de despesa obrigatória que chega a quase 30% do PIB. “São despesas sem possibilidade de redução. Todas representam direitos adquiridos e obrigações instituídas pela Constituição” — explica.

Como se observa, os problemas das grandes cidades brasileiras têm origens demográficas, em alterações microeconômicas ditadas pela globalização, no quadro macroeconômico e em aspectos intrincados de distribuição de recursos federais e estaduais. A discussão, embora acalorada, apenas começou com o aperto promovido pela moralizadora Lei de Responsabilidade Fiscal.

A falta de cooperação entre municípios que padecem dos mesmos males é mais um problema que dificulta a gestão administrativa e financeira dos grandes centros urbanos brasileiros. Se cidades vizinhas que compõem as 23 regiões metropolitanas brasileiras fossem unidas de fato, e não apenas de direito compulsório estabelecido pela Constituição, seria muito mais fácil contratar financiamentos voltados a obras de infra-estrutura e serviços sociais. Quem adiciona esse ingrediente no caldeirão de complexidade dos grandes centros urbanos brasileiros é o economista José Roberto Afonso, superintendente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) responsável pela área de Assuntos Fiscais e Emprego.

“As regiões metropolitanas brasileiras não existem como entes de governo da mesma forma que as esferas municipal, estadual e federal. Não há órgão que responda política e administrativamente pelos aglomerados urbanos e isso dificulta a concessão de crédito” — explica o executivo público, referindo-se à ausência de identidade jurídica das regiões metropolitanas do País, a grande maioria criada durante o regime militar.

“O BNDES tem interesse em conceder empréstimos que tenham visão metropolitana, mas não existe a figura de um credor metropolitano no sentido de oferecer garantias em conjunto, e isso precisa ser debatido. Nos deparamos com a ausência de uma pessoa jurídica, de uma instituição que represente a metrópole” — explica o executivo do maior banco público de fomento do País. José Roberto Afonso afirma que a informalidade institucional das regiões metropolitanas brasileiras está na contramão das tendências internacionais.

O economista comenta que em países avançados que seguem sistema federativo como o Brasil existem instâncias intermediárias de governo que pleiteiam créditos em nome das cidades envolvidas. “Há em países como os Estados Unidos figuras de governos especiais que são instituições reconhecidas” — afirma.

No Brasil imperam formatos integracionistas de cunho voluntarista, carentes de identidade jurídica indispensável à concessão controlada e responsável de financiamentos. “É verdade que há inúmeras ações intermunicipais pelo Brasil afora, mas são de caráter voluntário. Nós temos por aqui a figura dos consórcios, cuja atuação é setorial. Mas são vulneráveis. Os consórcios tendem a funcionar até que haja uma mudança mais drástica no comando político da prefeitura que lidera o processo” — observa.

A fragmentação jurídico-institucional das regiões metropolitanas brasileiras é exemplificada pelo economista com a exposição da maior de todas, a Grande São Paulo de 39 municípios e quase 18 milhões de habitantes. “O BNDES tem vários financiamentos em curso na Região Metropolitana de São Paulo, porque a cada prefeitura corresponde um projeto distinto” — afirma. “Na medida do possível, o banco procura pensar projetos de maneira integrada, como o do Veículo Leve sobre Rodas que envolve as prefeituras de toda a região” — ressalva.

O fato de a maior parte das metrópoles brasileiras ter sido formatada artificialmente pelo regime militar, como instrumento para expandir mecanismos de controle sobre as áreas de maior densidade populacional e econômica em torno das Capitais, não deve servir de desculpa para justificar escassez de esforços voltados para a personificação jurídica necessária à contratação conjunta de créditos em organismos como o BNDES. Afinal, já se vão mais de 15 anos desde que a ditadura deu lugar à democracia, período mais do que suficiente para consolidação de ações integradas que transformem as regiões mais ricas e caóticas do País em entidades verdadeiramente autônomas, com condições de avocar não apenas linhas conjuntas de crédito, mas sobretudo o papel planejador e executor de ações coordenadas consagradas pela Constituição.



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