Consta da agenda desta segunda-feira do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC proposta que só não deve ser saudada com rojões porque demorou demais para ser apresentada. Antes tarde do que nunca, entretanto. Trata-se da contratação de consultoria da FGV (Fundação Getúlio Vargas) para reestruturar os mecanismos de funcionamento da entidade composta pelos sete prefeitos da região.
Quase uma década e meia depois de lançado, o Consórcio de Prefeitos finalmente pode passar por cirurgias importantíssimas. Recomenda-se também que a terapia inclua dosagens maciças de vitaminas de rejuvenescimento conceitual.
Tomara que a FGV tenha a percepção de que a instituição é um amontoado de escombros ao qual deve-se atear o fogo do reformismo. Uma avaliação histórica concluirá que o Consórcio não conseguiu alterar o rumo dos acontecimentos regionais, os mais graves de toda nossa história industrial. Se não existisse, talvez os resultados seriam os mesmos porque entre outras barbaridades não enxergou — e portanto manteve-se paralisado — o dilúvio da desindustrialização.
Os especialistas da Fundação Getúlio Vargas vão ter que queimar as pestanas para dar ao Consórcio de Prefeitos a agilidade, a racionalidade, a presteza, a solidariedade, a eficiência, o compromisso com metas e tudo que lembre um empreendimento coletivo que não tergiverse e que não maquie a realidade.
Não é fácil porque, além das intrigas municipalistas que tornam o Grande ABC uma colcha de retalhos e de retaliações mais veladas que escancaradas, há um componente estrutural de ordem legislativa que somente um País mais moderno seria capaz de introjetar em sua Constituição.
Trata-se da vulnerabilidade de aplicar gestões compartilhadas, cujo núcleo de fragilização está na ausência de legislação específica que contemple regiões metropolitanas. As esferas municipal, estadual e federal sufocam pela rigidez autarquista a oxigenação de medidas consorciadas entre municípios, quer pela ausência formal do conceito, quer pela dispersão prática, quer pela impraticabilidade orçamentária.
Resta saber qual conceito de instituição pública será articulado pelos especialistas da Fundação Getúlio Vargas para que se redesenhe o figurino do Consórcio de Prefeitos. Estariam os prefeitos de assento temporal na entidade dispostos a deixar de herança a sucessores um organismo mais atuante, ecumênico, prospectivo e preventivo?
O modelo concebido no começo dos anos 1990 foi revolucionário apenas na amarração de preocupações com uma regionalidade então descartável, mas logo se mostrou inadequado à avalanche de transformações que sacudiram o Grande ABC.
Não que o Consórcio de Prefeitos tenha sido de todo desastroso, evidentemente. Por mais reticente e inconsistente que tenha sido a trajetória, pelo menos restaram vestígios de uma regionalidade que só pareceu cristalizar-se de fato enquanto Celso Daniel vivia. Entre os muitos motivos que levaram o Consórcio de Prefeitos à improdutividade está a troca de comandante a cada temporada, convite à dispersão da maioria que fica em segundo plano e ao estrelismo de quem é alçado ao posto máximo.
O Fórum da Cidadania adotou a mesma prática supostamente democrática e se deu mal. O modelo presidencial precisa ser substituído pela descentralização temática que, por sua vez, exige compactação de projetos.
Ao tomar a iniciativa de contratar a Fundação Getúlio Vargas para recosturar o modelo do Consórcio de Prefeitos, a prefeita de Ribeirão Pires, Maria Inês Soares, atual dirigente do organismo, provavelmente se deu conta do tamanho da barbeiragem institucional da região no caso da Universidade Pública Federal.
Como se sabe, a comitiva liderada pelo Consórcio foi recepcionada em Brasília pelo presidente Lula da Silva e pelo ministro da Educação, Tarso Genro, e passou pelo vexame de nada oferecer em troca do pedido aceito na hora pelo presidente da República, de criar a escola superior no Grande ABC. Não bastasse a estupefação provocada pela surpresa da resposta de Lula da Silva, a comitiva regional ainda foi sacudida pelo pragmatismo do ministro Tarso Genro, que entregou cópias de modelos alternativos da instituição de ensino.
Para piorar o quadro, três semanas depois do encontro em Brasília, o Consórcio de Prefeitos não conseguiu sequer organizar o prometido grupo formulador do desenho pedagógico da universidade.
Nada há de ocasional nesse ritual de improvisação porque ao longo dos anos o Consórcio de Prefeitos afastou-se deliberadamente da comunidade. Aliás, jamais se aproximou de fato porque a estrutura decisória com que foi concebido não possibilita qualquer nesga democrática, exceto dos soberanos de plantão nos paços municipais.
Até técnicos das próprias prefeituras são mantidos à margem dos encontros mensais. A imprensa, então, mal pode registrar fotos de cada encontro. Tudo é tratado a portas fechadas. Celso Daniel morreu pretendendo introduzir espécie de Conselho Consultivo, formado por representantes da comunidade. O Consórcio de Prefeitos é, portanto, uma concentração de poderes exclusivos dos chefes de Executivos.
Que a Fundação Getúlio Vargas consiga um “abra-te sésamo” mais que providencial nessa redoma de exclusivismo decisório que só alguns mal-informados ou chapa-brancas ainda procuram sacralizar.
Total de 505 matérias | Página 1
24/04/2025 GRANDES INDÚSTRIAS CONSAGRAM PROPOSTA