Regionalidade

Meio cheio,
meio vazio

DANIEL LIMA - 17/06/2004

Coluna Contexto, do Diário do Grande ABC

Dependendo do ângulo que se observa o Grande ABC, tem-se a nítida impressão de que viramos um imenso copo, às vezes metade cheio, às vezes metade vazio. Um copo, qualquer que seja o copo, ocupado pela metade tem a cara do Grande ABC. Temos motivos senão de sobra pelo menos consistentes para o endeusamento. E não nos faltam razões para o desespero. Querem ver?

O copo está meio cheio quando se olha o futebol profissional e se vê um São Caetano na Série A do Campeonato Brasileiro, nas quartas-de-final da Libertadores, no pódio do título do Campeonato Paulista da Série A. Não bastasse a ascensão do Azulão, eis que o Santo André, espécie de primo pobre num futebol profissional cada vez mais elitizado pela força consumista da TV, invade a grande área, entra na Série B do Brasileiro, sobe para a Primeira Divisão do Paulista e — surpresa das surpresas — chega à finalíssima da Copa do Brasil, o caminho mais curto à Libertadores.

O copo está meio vazio quando olhamos os indicadores econômicos. A taxa de desemprego do Dieese ultrapassa a 20% dos piores momentos da Argentina. A evasão industrial nos tirou 39% da capacidade produtiva nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. As pequenas indústrias desaparecem diante do vendaval da competitividade internacional que cria a instância opressora dos sistemistas.

O copo volta a estar meio cheio quando se observam os resultados de políticas públicas aplicadas pelos governos municipais. Somos o mais rico e diversificado laboratório de tecnologias sociais. Há programas para todos os gostos e finalidades. Da educação à saúde, da reciclagem de lixo à problemática ambiental. Do cooperativismo ao transporte. Ganhamos prêmios domésticos, nacionais e internacionais.

O copo volta a estar meio vazio quando se descobre que o Grande ABC é um grandissíssimo ponto de interrogação institucional. Nossa integração regional é uma falácia. As entidades chamadas regionais funcionam mal e porcamente. Há esforços em vão porque falta planejamento estratégico. Achamos que podemos superar nossas vicissitudes econômicas e os desafios de exclusão social jorrando manchetes de otimismo. Bobagem. Precisamos é de menos divisionismo, de menos estrelismos, de menos fragmentação e de um banho de loja de sensatez, de honestidade ao analisar nossos problemas.

De novo o copo volta a ficar meio cheio quando se constata a resistência da população em entregar-se ao rebaixamento da qualidade de vida compulsoriamente atingida pelas perdas econômicas. Somos 2,5 milhões entrincheirados na expectativa de dias melhores, mas ainda não sabemos usar as armas da mobilização. Como não acreditar num horizonte mais límpido se temos no Palácio de Governo, em Brasília, um presidente legitimamente saído de nossas fronteiras metalúrgicas, de embates sindicais?

Volta o copo a ficar meio vazio quando olhamos para qualquer ponto aleatoriamente escolhido e nos deparamos com um quadro de criminalidade que insiste em nos desafiar a todos, a nos roubar vidas. Estamos entre os piores endereços criminais do grupo de principais municípios do Estado e insistimos em subestimar a força desafiadora de quadrilhas intimamente relacionadas ao tráfico de drogas que tomam cada vez mais nossa periferia e ameaçam persistentemente os mais aquinhoados.

Volta a inspiração otimista do copo meio cheio quando se embrenha na montanha de problemas sociais e econômicos e se desdobre que, apesar das bombas de Hiroshima que nos atiraram, ainda somos o terceiro potencial de consumo do País. Sinal de que nem tudo está perdido, é claro.

Quando, entretanto, se coloca na mesa de debates nossa capacidade de oferecer respaldo à reestruturação produtiva, eis que nos deparamos com uma logística interna que assusta os investidores. Não bastassem ruas e avenidas sempre atravancadas em horários em que a velocidade dos negócios faz a diferença, ainda temos de suportar a demora pelas obras do Rodoanel e do Ferroanel que, pior dos mundos, podem tanto nos levar aos céus quanto ao inferno se não forem acompanhadas de completa reforma do Custo ABC que, queiram ou não, tanto nos sangra.

O drama maior do Grande ABC meio cheio e do Grande ABC meio vazio é que as chamadas lideranças políticas, empresariais, sociais e culturais insistem, em nome de um gataborralheirismo suicida, em escamotear o copo meio vazio. E se afogam em triunfalismo no copo meio cheio.



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