Quem fugiu da escola ou levou pouco a sério as aulas de geometria possivelmente encontrará dificuldade para constituir a genealogia dos triângulos. Os mais conhecidos são o equilátero, de ângulos iguais; os isósceles, de dois ângulos iguais; e, finalmente, o Grande ABC, ou melhor, o escaleno, que tem todos os ângulos e lados desiguais. Somos desiguais? Completamente desiguais.
Uma das obras mais instigantes ao erguimento de paredes sólidas de uma comunidade comprometida com as próximas gerações foi dividida em dois volumes pelo economista Anthony Giddens, guru da chamada terceira via que mudou os rumos de políticas públicas na Grã-Bretanha. Giddens trata dos perigos e das oportunidades que se apresentam à comunidade. É impossível não transplantar aqueles preceitos ao Grande ABC tão desigual, tão escaleno.
Estamos distantes do capital social defendido pelo britânico porque as três instâncias que preparam o futuro de uma nação, de uma cidade, de uma região, estão em estágios diferentes de percepção e ação. E nenhuma em estado da arte. Dividida em três partes — governo, mercado e comunidade — uma sociedade não pode se submeter ao domínio de qualquer um desses compartimentos.
Entretanto, há muito o Grande ABC está escravizado pelo desequilíbrio governista. Entenda-se como governo a soma de prefeituras, do Estado e da instância federal. Os agentes econômicos — empresários e sindicatos — e a comunidade, respectivamente na hierarquia, estão muito abaixo da potencialização de interlocução.
Se a realidade fosse outra e em vez de governos controladores do jogo fosse a comunidade quem desse as cartas, o perigo da arrogância dos primeiros seria sobreposto pelo risco da barafunda. Também não seria nada promissor uma terceira hipótese, de agentes econômicos acima de valores institucionais de governos e da comunidade. Caminharíamos para o absolutismo.
Portanto, a desigualdade do Grande ABC escaleno pode, na sequência de fatos, tanto nos tirar do agarramento indecente dos governos como nos levar ao mata-burros de comunidade exacerbadamente fortalecida ou mesmo nos impingir o exclusivismo de empresários e sindicalistas. Num passado não muito distante vivenciamos a fase de absolutismo. O que mais interessava aos digladiadores econômicos eram vantagens corporativas. A comunidade ficou alijada de benefícios, embora lhe atribuíssem, indevidamente, a coroa supostamente consagradora de participação democrática quando, de fato, apenas acompanhou os acontecimentos com ímpeto voyerista.
Vivemos há muito a fase escalena porque viraram pó ou quase isso as ferramentas que pretensamente colocariam os governos municipais, estadual e federal no eixo de responsabilidade socioeconômica. Como o Fórum da Cidadania não passou de sopro de esperança que virou arrematado golpe e diante de entidades empresariais e sindicais ensimesmadas em objetivos quase que exclusivamente corporativos, os ângulos escalenos de agentes econômicos e comunidade contraíram-se em medida inversamente proporcional à fome pantagruélica de controle da situação dos governos. Esse é o estágio em que nos encontramos como região e, convenhamos, como Nação.
Por mais bem intencionados que sejam os prefeitos, os legisladores municipais, os secretários municipais e estaduais, os deputados estaduais, os deputados federais, o governador, o presidente da República, os ministros de Estados, Deus e quem sabe até o diabo, não existe antídoto para o desinteresse, o pouco caso, o fingimento colaborativo, senão pela reformatação do triângulo. Ou chegamos ao equilátero, ou continuaremos a dançar miudinho.
A alternativa, num processo pós-escaleno, é um outro tipo de triângulo. O Triângulo das Bermudas. Onde tudo desaparece. Estamos esperando o quê?
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