Não faltam razões e explicações para o Grande ABC ter reduzido nos últimos cinco anos os principais indicadores de criminalidade que comprometeram a qualidade de vida nos sete municípios ao longo dos anos 90. Em roubos e furtos de veículos conseguimos queda de 28,8%, enquanto os casos de homicídios caíram em 44%.
Viram como não é preciso manipular dados, como aquele pesquisador da Agência de Desenvolvimento Econômico e outros prestidigitadores menos conhecidos mas igualmente atrevidos e pouco responsáveis, para que a auto-estima regional seja devidamente recomposta?
O caso de assassinatos em Diadema é o mais extraordinário entre todos. Embora ainda se matem muitas pessoas na cidade, numa proporção cinco vezes maior que na quase intocável São Caetano, os 34,58 registros para cada grupo de 100 mil habitantes, contagem padrão estabelecida por organismos internacionais, é uma vitória e tanto contra a consolidação mais cruenta das desigualdades sociais.
Sim, em 2000 Diadema contabilizava 76,15 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes e no ano passado, conforme dados recém-contabilizados, são apenas 34,58%. Muito próximo, portanto, da média nacional.
Interessantíssimas as veredas de avaliações de especialistas que trataram a queda da criminalidade fatal na Grande São Paulo nos últimos cinco anos. Isoladamente, as interpretações se sustentam semelhantemente às explicações de comentaristas esportivos que simplificam determinados resultados pelo ângulo tático dos vitoriosos, apenas dos vitoriosos. Quando dispostas como mosaicos, as observações encaixam-se corretamente. Vejam o que disseram, em suma, os entrevistados deste Diário na edição de quinta-feira:
Coronel José Vicente da Silva Filho, que há 10 anos estuda os índices de criminalidade, ex-secretário Nacional de Segurança Pública: “Os homicídios foram reduzidos principalmente por causa das intervenções na área social feitas pelos municípios” (…) “Isso mostra que assassinato é um crime que se combate com programas sociais e não tem muita relação com repressão policial”.
Guaraci Mingardi, diretor jurídico do Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente): “As ações sociais tiveram efeito considerável na redução dos crimes, especialmente a urbanização que em muitas cidades contemplou as áreas mais violentas”.
Regina Mikki, secretária de Defesa Social de Diadema: “Em Diadema, o álcool tem relação direta com o homicídio. A lei (seca, que determina o fechamento dos bares das 23h às 6h) diminui, em média, 12 mortes por mês”.
Delegado Nelson Guimarães, diretor do Demacro (Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo): “A Polícia passou a priorizar o combate ao crime, buscando esclarecer os casos e prendendo os autores. A prisão faz com que os candidatos a homicidas pensem duas vezes antes de praticar o delito e dá uma resposta à comunidade”.
Repararam na complementaridade de observações entre os especialistas em criminalidade? Mas o círculo não está completo. Falta o tempero econômico que, provavelmente se solicitado, não teria a resposta adequada porque a maioria dos protagonistas do jogo do mercado, empreendedores e sindicalistas, não consegue sensibilizar-se às evoluções e involuções sociais a reboque de oscilações econômicas.
No caso específico do Grande ABC, que registra o maior índice de queda de homicídios e que também vai bem na quebra de parte da coluna de furtos e roubos de veículos, exceto em 2001 o comportamento do emprego com carteira assinada foi parcialmente restaurador das seguidas derrotas dos anos 90. Desvincular ou omitir vetores econômicos da criminalidade é desconhecer o potencial de agressividade de ambições pessoais que se entrecruzam no cotidiano de uma metrópole vincada por disparidades de renda.
A década passada foi particularmente devastadora para o Grande ABC, com 100 mil empregos industriais formais eliminados do mercado. O troféu Tesoura de Ouro deveria ser entregue em cerimônia especial ao então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que permitiu à equipe econômica o estupro do parque industrial da região. Nesse período, a escalada de homicídios e furtos e roubos de veículos foi devastadora.
Pressionados pela sucessiva acumulação de deserdados sociais retirados do então próspero emprego industrial, os administradores públicos dos sete municípios da região se especializaram em políticas públicas que, como definiu uma histórica reportagem de capa da revista Livre Mercado, não passavam de esparadrapos sociais. Aliás, não é por outra razão que as prefeituras locais se notabilizaram pela conquista de premiações locais, nacionais e até internacionais.
O refluxo da criminalidade no Grande ABC provavelmente vai continuar. Precisamos retomar níveis civilizatórios. Como os de São Caetano, por exemplo.
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24/10/2024 UFABC fracassa de novo. Novos prefeitos reagirão?