A pregação deste apóstolo da regionalidade pode conduzir leitores a acreditar que tudo gira exclusivamente em torno dos sete municípios do Grande ABC, sem os quais qualquer iniciativa estaria fadada ao desastre. Calma, calma, porque não é bem assim. Há espaço de sobra para o municipalismo numa área escancaradamente regional. Aliás, sem que o municipalismo viceje e se fortaleça, não há como abrir avenidas para o regionalismo de estudos, estratégias e decisões sem o qual, agora sim, estaremos todos perdidos.
Nosso regionalismo só será forte o suficiente para os embates de um mundo sem fronteiras se tiver tanto o respaldo municipalista de práticas institucionais maduras como também se inscrever-se de forma cosmopolita no concerto metropolitano.
O que faz muito mal para a saúde funcional do regionalismo com que sonho e que também não pode ser visto apenas como a conjunção de interesses dos sete municípios é o municipalismo mambembe, fixado no próprio umbigo de iniciativas conservadoras, repetidas ao longo dos anos, principalmente ao longo de anos desastrosos.
Entidades sociais, empresariais e sindicais que se organizam em território físico no qual estão legitimamente constituídas têm o dever e a obrigação de compreender o mundo muito além das próprias fronteiras municipais, a partir do Grande ABC. Quem se consolidar perante representados de modo avançado, transformando associação em representatividade, terá dado passos importantes para empreitadas regionais.
É claro que não bastará uma entidade de Santo André dar um show de bola de atualização se congêneres da região continuarem no século passado. Os efeitos positivos estarão circunscritos aos limites geográficos.
No ensaio que produzi para a segunda versão do livro “Nosso Século XXI”, lançado no final do ano passado, desmembro o Grande ABC em vários grupos. Somos o que chamo de G7, referência aos sete municípios, mas, em termos regionais, podemos ganhar múltiplas faces, do G2 ao G6, além do G7. Depende do interesse específico em jogo.
As questões relacionadas à Represa Billings podem estar centralizadas apenas nos municípios banhados por esse imenso manancial de complicações. Nesse caso, seria o G6, porque São Caetano não tem relação direta como o assunto. É claro que não estou excluindo a massa crítica de São Caetano da problemática, mas em termos práticos, de peso nos estudos e na aplicação de medidas, não há como ser hipócrita. Um suposto desinteresse de São Caetano não pode contaminar os demais municípios. Daí a solução pragmática do G6.
Da mesma forma, se o assunto for exclusivamente as montadoras de veículos locais, centro nervoso da estrutura econômica e social de 2,6 milhões de habitantes, apenas o G2 formado por São Bernardo e São Caetano seria convocado a eventuais aproximações em busca de soluções que beneficiem todo o conjunto da região. Não há montadoras em outros municípios locais.
Dirão os mais atentos e minuciosos que é impossível discutir indústria automotiva sem o chamamento do G7. A ponderação é relevante mas pouco sustentável se de fato a pauta de negociações for apenas as grandes montadoras. Já se entrar em campo a inquietação da indústria de autopeças, o G7 tem de ser chamado obrigatoriamente.
Qualquer ilação de que o desmembramento do G7 em subgrupos no Grande ABC tem parentesco com o que ocorre no mundo inteiro com acordos bilaterais, trilaterais e multilaterais, nenhuma contestação. É assim mesmo que funcionam os interesses dos países.
Estão aí os chineses invadindo a América Latina, país por país, como resultado de diplomacia econômica. Um tratado entre chineses e o conjunto dos países seria mais que demorado, provavelmente inviável.
O municipalismo no sentido pejorativo do termo que tinge de luto econômico e social as críticas deste regionalista decorre da constatação de que na maioria dos casos é um arcabouço arcaico, comodista, desgrudado das transformações que estão aí.
A crítica não tem o sentido destrutivo que alguns imaginam, mas é uma forma de cutucar e despertar as lideranças para a realidade dos fatos. Não é fácil conseguir esse intento porque quando se instala a zona de conforto, geralmente o consenso dos representantes das instituições se mantém inalterado até que a casa caia de vez.
Não foi assim com o sistema financeiro internacional, origem da crise que derruba o PIB de quase todo o mundo? Não foram muitos os analistas que alertaram para a turbulência que chegava na esteira da generosidade de financiamentos tóxicos de estimulo à febre de consumo. A maioria silenciou por vantagens que pretendia preservar ou porque não quer enfrentar o bom senso. Deu no que deu.
Estou torcendo para que apareça no cenário regional uma entidade que de fato comece a preparar bases mais vigorosas de um munipalismo que possa se espraiar pelas demais. Vivemos condicionados por espelhos, para o bem e para o mal. Quando todos se entreolham e se acham semelhantes, a probabilidade de que está faltando alguma coisa que detone reforma é mais que provável. Principalmente porque todos vivem numa região que mais sofreu com as reformas macroeconômicas e microeconômicas dos anos 1990 ao acumular passivo de mais de 1% de queda do PIB da indústria de transformação por ano entre 1995 e 2007.
Vamos ser claros e contundentes: alguém acredita que o modelo municipal da quase totalidade das entidades locais, com fundos reflexos regionais, está no passo certo no desfile da mundialização econômica, financeira e cultural?
Total de 476 matérias | Página 1
26/11/2024 Clube dos Prefeitos perde para Câmara Regional