Regionalidade

Refluxo de regionalidade começou
antes da morte de Celso Daniel

DANIEL LIMA - 01/02/2010

O jornal digital e impresso ABCD Maior está realizando trabalho que os demais veículos da região deveriam tornar pauta obrigatória se regionalidade fosse prioridade: está ouvindo alguns agentes públicos e privados dos anos Celso Daniel, tendo como plataforma de ação o oitavo aniversário da morte do único gestor metropolitano que o Grande ABC já conheceu. Depois de Klinger Sousa, eis que foi entrevistado o titular do curso de Economia da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Francisco Funcia. Nada profundo, como no caso da entrevista de Klinger Sousa.


Não me lembro de Francisco Funcia como protagonista de programações pró-regionalidade com Celso Daniel, mas isso não o desclassifica. Por mais que tenha acompanhado tangencialmente a trajetória regional do então prefeito de Santo André, sempre haverá informações subsidiárias a fortalecer a biografia do petista. Um acadêmico com o lastro de Francisco Funcia será sempre bem-vindo em regionalidade.


Seguem algumas frases que sublinhei logo à primeira leitura da entrevista disponível no site do ABCD Maior e que, como faço na maioria dos casos em que julgo imprescindível, logo transportei para o papel:


bullet_quadrado Se formos resgatar o legado do Celso, uma de suas grandes realizações foi o Consórcio Intermunicipal. Mas para se ter uma idéia, demorou 20 anos para termos uma legislação, aprovada no fim do ano passado pelo Congresso Nacional, que permitiu uma operacionalização da gestão regional dos consórcios. Nesta perspectiva, entendemos os motivos pelos quais Celso era um homem à frente de seu tempo. Isso é evidente. Sua morte abrupta truncou um processo que vinha sendo implementado pioneiramente em todo o Brasil. Este truncamento não ocorreu pela ausência de interesse dos gestores, mas principalmente por essa cultura que prioriza a lógica municipal, o que cria uma certa dificuldade de pensar determinados eixos, como o transporte, o saneamento e a coleta de resíduos. Esses eixos, como tantos outros, devem ser pensados pela lógica regional –afirmou Francisco Funcia.


Agora, faço as devidas intervenções.


A principal é que, diferentemente do que afirma o ex-secretário de Finanças de Ribeirão Pires, não foi a morte de Celso Daniel que fez refluir a regionalidade no Grande ABC. Bem antes disso, dois anos antes, ao perceber-se espécie de bobo de uma corte municipalista que desdenhava prioridade às questões regionais, Celso Daniel voltou-se à administração de Santo André.


Num bate-papo de duas horas num restaurante em Santo André, Celso Daniel confessou certa desilusão com a baixa participação de agentes públicos e privados regionais. Não nominou nenhuma autoridade, mas não escondeu certo desencanto. O Grande ABC sonhado por Celso Daniel morrera muito antes do desaparecimento físico de Celso Daniel. Os anos 2000 só aprofundaram essa viuvez. Não é por outra razão que, ao escalonar o tempo socioeconômico do Grande ABC, afirmei que os anos 2000 formam a Década da Orfandade.


O professor da Universidade Municipal de São Caetano tem toda razão quando afirma:


bullet_quadrado Não existe regionalismo sem esta construção com São Paulo, e nenhuma outra região pode pensar diferente. Não temos essa autonomia nos dias de hoje, em que muito se fala de mercados globalizados — disse o acadêmico.


Nesse ponto, a clarividência de Celso Daniel era estonteante. São Paulo jamais deixou de estar na órbita de compartilhamento e de competitividade do Grande ABC. Compartilhamento em questões que ultrapassassem os limites municipais e regionais. Competitividade no sentido de que a região não poderia ficar eternamente com as sobras da Capital.


Uma entrevista com Celso Daniel em 2001 numa viagem de ônibus da delegação de dirigentes e conselheiros do Santo André para um jogo em São Carlos foi esclarecedora. Celso Daniel queria ver o terciário de Santo André reestruturado para atender o setor industrial com maior aptidão. Ele queria agregar mais valor ao setor de serviços de Santo André, elevando os níveis de interatividade com áreas manufatureiras, tradicionalmente demandadoras de contratos com empresas da Capital muito mais aparelhada.


O professor Francisco Funcia também se equivoca ao analisar o histórico de guerra fiscal no Grande ABC. Suas declarações ao ABCD Maior:


bullet_quadrado Este (a guerra fiscal) é um sério problema e outra perda que tivemos com a morte de Celso. Ele e os prefeitos de sua época trabalharam muito forte para tentar unificar a área de impostos, como o ISS (Imposto Sobre Serviços) e outras alíquotas. Este era um compromisso para impedir a guerra fiscal na região e, logo nos anos seguidos a sua morte, tivemos infelizmente algumas ações contrariando tal integração. Principalmente entre os anos de 2004 e 2006, tivemos não digo um retrocesso total, mas algumas medidas que os municípios tomaram para estimular a vinda de empresas por meio de algumas isenções fiscais de natureza tributária.


Agora, vamos aos fatos históricos:


Primeiro, antes mesmo de Celso Daniel eleger-se prefeito de Santo André pela segunda vez, em outubro de 1996, a guerra fiscal foi instalada no Grande ABC. Sutil, discreta, mas deflagrada por Antonio Dallanese, então prefeito de São Caetano. Algumas atividades, na área de informática, foram beneficiadas com a drástica redução de alíquotas que, até então, eram reservas de mercado de Barueri, Itapecerica da Serra e outros municípios da Grande São Paulo.


Segundo, o movimento liderado por Celso Daniel para harmonizar tanto o Grande ABC como também a Capital em torno de alíquotas iguais para as mesmas atividades, foi bombardeado inicialmente por Luiz Tortorello, em São Caetano, e depois por Maurício Soares, em São Bernardo. Eles intensificaram a guerra fiscal com a abertura de espaço para atividades mercantis, construção civil e tantas outras. Atraíram representações de grandes empresas que seguem com sede formal nesses municípios.


Terceiro, a desilusão de Celso Daniel se consolidou de vez quando seu próprio partido retirou de Santo André e levou para Rio Grande da Serra uma empresa de previdências privada, beneficiária do rebaixamento tributário.


A harmonia fiscal no Grande ABC sempre foi uma balela. Trata-se de um jogo de faz-de-contas no qual cada administração pública desenha a partitura, define o maestro, regulamenta os ensaios e executa os clássicos de traição aos demais. E tudo isso começou nos anos 1990, não em 2004, como afirma o acadêmico.


Tudo que se refere a Celso Daniel, tanto no campo administrativo-político quanto no criminal, me mantém ativíssimo. Futuras gerações ainda darão àquele político o reconhecimento devido.


Para completar: o ex-prefeito João Avamileno também foi ouvido pelo ABCD Maior sobre a atuação de Celso Daniel. Não consegui capturar nada que fosse importante em suas declarações. Sempre educado, o ex-titular do Paço de Santo André minimizou até mesmo as respostas à seletividade crítica de Klinger Sousa.


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