Regionalidade

Rotina regional entre deserdados
sociais e incestos institucionais

DANIEL LIMA - 23/07/2010

Os números foram apresentados, para variar, em estado bruto, sem valor agregado. Li em vários veículos impressos e digitais manchetes mais ou menos nestes termos: “Centro Público coloca 2.923 trabalhadores no mercado”. Trata-se do balanço recém-concluído do CPETR (Centro Público de Emprego, Trabalho e Renda) de Santo André. Diz a matéria que o número é 32% superior aos 2.205 colocados no mesmo período do ano passado.


Vamos fazer as contas: somando-se os empregos confirmados no primeiro semestre do ano passado e no primeiro semestre deste ano, o CPETR garantiu carteira assinada ao final dos dois semestres a 5.128 profissionais. Notícia a ser festejada? Qual nada, porque o universo de cadastrados, acumulado nos 12 meses correspondentes aos dois primeiros semestres, chega a 163.551 candidatos.


Feitas as contas dos contratados e dos que se habilitaram a dar os primeiros passos a encaminhamentos a empresas, o que temos é simplesmente o seguinte: apenas 3,13% dos desempregados que procuraram o CPETR conseguiram colocação. Convenhamos que é muito pouco.


Os deserdados sociais do Grande ABC ainda são, entre os quais, muitos ex-trabalhadores do setor industrial que não se rencaixaram nas linhas de produção porque a competição é cada vez mais encardida. Ganham mais espaços jovens preparados para operar tecnologias que descartam os menos escolarizados e repõem cada vez número mais seletivo de trabalhadores.


Uma das prioridades que as autoridades públicas deveriam estabelecer possivelmente no interior do Clube dos Prefeitos ganharia a forma de um banco de dados dos centros públicos voltados para o mercado de trabalho no Grande ABC. O que temos é a velha e surrada idiotice de cada um procurar o próprio caminho, em confronto suicida com a regionalidade que deveria racionalizar as operações.


Li recentemente não sei onde algo sobre a possibilidade de integração dos bancos de dados dessas unidades no Grande ABC, mas não houve desdobramentos. Até que ponto esse divisionismo atrapalha os interesses dos trabalhadores e das empresas? Um centro que controlasse o estoque disponível de mão-de-obra regional desempregada não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Muito menos eliminaria a descentralização de atendimento, de cadastramento e mesmo de preparação dos candidatos. Apenas colocaria ordem na bagunça da individualização operacional.


De qualquer forma, o que impera na seleção, preparo e encaminhamento de mão-de-obra às empresas do Grande ABC não é nada diferente de tantas outras áreas. A ilusão de que o Grande ABC existe a partir da cabine de controle do Clube dos Prefeitos ou de qualquer instância pública que tenha o desprendimento de olhar além do próprio território municipal vale para tantas outras situações.


Continuamos pecando pelo sufocamento gerado pelo fundamentalismo municipalista. Exceto Celso Daniel durante pouco mais da metade do segundo mandato — quando descobriu que era um bobo de regionalismo na corte do autarquismo político-administrativo — o que prevalece são pressões locais para que cada chefe de Executivo não arrede pé do gabinete e, também, de cada metro quadrado do território percorrido para chegar até o Paço Municipal.


Por instinto de sobrevivência em primeira escala na tentativa de conseguir a reeleição e por acomodação típica de quem não quer se desgastar além da conta durante o mandato da reeleição, os chefes de Executivo fixam os olhos única e exclusivamente na faixa territorial que, mais tarde, poderá lhes assegurar eventual retorno triunfal.


Quero dizer com isso que a causa regionalista é uma quimera? Com absoluta certeza e conhecimento de quem bate nesta tecla há pelo menos duas décadas.


Como não sou de jogar a toalha e muito menos cometerei haraquiri jornalístico de atirar no lixo pressupostos de regionalidade que, paradoxalmente, norteiam o Grande ABC como território interdependente em diversas atividades humanas, da economia à política, da cultura ao esporte — abarcando apenas nuances que não retiram certa homogeneidade estrutural — seguirei nessa guerra de guerrilhas para fazer cabeças menos provincianas.


Tanto que estou cada vez mais inclinado a acreditar numa alternativa que, colocada em prática com sensibilidade e empenho, poderia dar uma guinada gradual mas provocativa no comportamento regional.


Qual seria essa saída? Um grupo de voluntários dar suporte filosófico a uma empreitada de catequese regional que contasse com a adesão de diferentes áreas, mas principalmente da mídia. Algo que substituísse o Fórum da Cidadania dos bons tempos. Mais restrito em representações, mais focado em urgências, menos dado a estrelismos.


Algo que se desenhou na sala de reuniões da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) no começo dos anos 2000 para substituir um Fórum da Cidadania já moribundo.


Estou resgatando o resumo daquele encontro informal para compartilhar com os leitores. Acho que vale a pena ser consumido, embora não acredite, sinceramente, que, apesar de atualizadíssimo na concepção de regionalidade, possa ser aproveitado.


Tudo porque o Grande ABC caiu na vala comum da vadiagem social, com peças supostamente chaves que não pensam em outra coisa senão em lambuzarem-se em incestos institucionais.


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