Regionalidade

Tiraram o peso pesado do ringue
que decide nossa competitividade

DANIEL LIMA - 03/08/2010

Uma boa notícia para quem detesta debate fundamentado em subjetividades e frases feitas: a Prefeitura de Santo André acaba de lançar uma revista eletrônica, a Nova Página Socioeconômica, com indicadores temperados de microanálises. Uma má notícia para quem insiste em esperar do Grande ABC mais que muralhas municipalistas: o produto virtual lançado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho mergulha no municipalismo, prospecta o regionalismo e praticamente soterra outras instâncias geoeconômicas. Somos uma ilha num mundo globalizado. O Complexo de Gata Borralheira nos aterroriza. Temos medo do confronto.


Li numa das últimas edições do Diário do Grande ABC a notícia da construção da Nova Página Socioeconômica e tive a curiosidade aguçada. Não perco uma oportunidade sequer de conhecer o que se passa no Grande ABC, na China, nos Estados Unidos, aonde for. Corri para o site da Prefeitura de Aidan Ravin, imprimi todas as páginas do material preparado pelo Departamento de Indicadores Sociais e Econômicos e fiz o que o Diário do Grande ABC despreza: analisei o produto de minha curiosidade jornalística.


Faço esse parêntese para diferenciar leitura analítica e o tratamento que a maioria dos jornais dá aos assuntos. O papel do jornalismo está muito além de noticiar. Mas vamos ao que interessa de fato, que é a Nova Página Socioeconômica.


Apesar dos pesares, ou seja, mesmo com municipalismo exacerbado, a iniciativa da Prefeitura de Santo André deve ser saudada porque pode representar um tapete de comprometimento que se estenderia a outras administrações públicas locais que praticamente ignoram o painel de controles aos quais poderiam recorrer à execução de políticas corretivas, quando não profiláticas e cirúrgicas, em vez de vincularem ao acaso os problemas socioeconômicos.


A Nova Página Socioeconômica aparece na tela do computador como novidade reconfortante. É uma chuva de verão que ameniza temporariamente a temperatura. É preciso muito mais, entretanto. A superficialidade de análises, o enclausuramento de indicadores à geografia de Santo André, com algumas incursões no Grande ABC, o tom moderadamente triunfalista, o excesso de dados que não se cruzam numa dinâmica interpretativa e também a parafernália de datas-base das informações, colocam os leitores num labirinto de compreensão.


Não vou chegar ao exagero de recomendar um manual para desvendar aquela revista virtual, mas alguns cuidados poderiam ter sido tomados para que o leitor médio fosse preservado.


Também não vou me alongar na crítica ao desenho conceitual da Nova Página Socioeconômica. Parecerá aos imaturos posicionamento de confronto, quando de fato é de cooperação. Insisto na oportunidade e no exemplo da iniciativa, provavelmente sob a liderança do economista Dalmir Ribeiro, diretor do Departamento de indicadores Sociais e Econômicos, um profissional que merece respeito.


Tomara que acabe se concretizando a possibilidade de a iniciativa da Prefeitura de Santo André propagar-se também de forma municipalista no Grande ABC, fortalecendo-se o divisionismo que tanto atravanca o desenvolvimento regional.


Sim, sou plenamente favorável ao paroxismo de mais municipalismo do municipalismo já exagerado, porque essa pode ser a porta de saída forçada ao regionalismo com que tanto sonhamos.


Aliás, me ocorre agora essa variável, porque até então o que sempre vi no horizonte da regionalização era o caminho único do consenso. Quem sabe não seja a explicitação descarada do histórico individualismo municipalista levado ao extremo o destino mais complexo, é verdade, mas mais viável à conciliação?


Quem sabe os administradores públicos do Grande ABC passem a dar a devida importância às atividades econômicas, sempre relegadas à terceiro plano no cotidiano de assistencialismo social, garantidor de votos?


O que sugeriria aos responsáveis e aos colaboradores da Nova Página Socioeconômica da Prefeitura de Santo André é que tomem cuidado com os insumos. A propensão a considerar tudo importante é matéria-prima básica de decisões densamente coletivas. A tendência de abrir as portas a uma montanha de bobagens pela simples razão de que não convém criar atritos é compulsória quando um grupo se reúne sob o guarda-chuva de hierarquia rígida, como é o caso do Poder Público. Quando a coesão acrítica soterra a dissensão depurativa, o caos metodológico paga o pato. A vida nos ensina que nem tudo que reluz de concordância é ouro de resolutividade.


A exposição seletiva de números municipais e mesmo regionais sem contextualização nacional e eventualmente internacional tem o mesmo significado de colocar apenas num ringue um boxeador apenas e acreditar que com isso garante-se o espetáculo com golpes ao vento.


O conceito de competição contribui decididamente para o entendimento e mesmo para a lógica de numeralhas.


Provavelmente há certo constrangimento em exercitar essa prática porque se descobrirá ou se confirmará o que estamos cansados de sustentar ao longo dos últimos 20 anos: o Grande ABC é um território que ganha a forma de peso leve quando se defronta com o peso pesado da competitividade por investimentos e qualidade de vida. Por isso mesmo o ringue ocupado por um único lutador, o peso leve, é a melhor imagem para traduzir o que encontramos na revista digital Nova Página Socioeconômica. Suprimimos por conveniência o fantasma do peso pesado.


Imperfeições metodológicas à parte, a nova opção de informações no site da Prefeitura de Santo André reúne também outra lição importante para quem quer o Grande ABC sem fronteiras internas: quando o Clube dos Prefeitos, instância autoritária que incorpora apenas e unicamente os sete executivos da região, vai conseguir entender que um banco de dados regional compartilhado entre as prefeituras locais e independente das especificidades municipais seria o melhor showroom para a compreensão da realidade em que vivemos, situação a partir da qual planejamento seria palavra de ordem?


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