Imprensa

Reformismo solapado (40)

DANIEL LIMA - 08/03/2007

O que segue nesta edição de Capital Social Online são as duas primeiras respostas de prestação de contas deste jornalista durante o período de nove meses à frente da Redação do Diário do Grande ABC. Juntei numa mesma edição desta newsletter duas edições do Capital Digital Online, mecanismo eletrônico que utilizei para me comunicar semanalmente, em média, com todos os colaboradores daquela empresa. Como se sabe, desde o mês passado estou produzindo neste espaço aqueles meses de trabalho. Estamos praticamente no final dessa série especial. Chamaria a atenção dos leitores para que dêem vida longa a esse material, conduzindo-o à pasta de arquivo. Boa leitura.


Grande ABC, quinta-feira, 7 de abril de 2005


Pergunta: Qual foi a grande transformação conceitual aplicada no jornal e que está expressa de forma escancaradíssima nas chamadas de primeira página?


Resposta: De fato, pela primeira vez na história de forma tão intensa, tão constante, tão sólida, o Diário do Grande ABC vem se apresentando como sua própria denominação assim o exige: um jornal de informações e análises comprometidas de fato com a regionalidade. Mais que isso: com a regionalidade no interior da Região Metropolitana de São Paulo, redondíssima novidade. Essa postura editorial tem provocado série de transformações internas, só possíveis porque o quadro de profissionais da Redação, em todas as áreas, está comprometido com o Planejamento Estratégico Editorial que apresentamos no final do primeiro trimestre do ano passado e que começou a ser aplicado com a minha chegada, em 21 de julho.


A regionalidade no sentido metropolitano é a nossa doutrina, é o nosso chão, é o nosso referencial. Agora os jornalistas do Diário não são mais induzidos a assistir ao Jornal Nacional para reproduzir, na edição seguinte, a manchete da Globo. A manchete é nossa, porque vivemos aqui. O paradoxo da globalização é nosso guia: estamos antenados com tudo o que ocorre no mundo, mas temos de centralizar nosso fogo no território majoritariamente consumidor de nossas páginas. O calabouço dos limites físicos da publicação nos leva a imprimir o critério de prioridade nas definições de cobertura jornalística. Sem Complexo de Gata Borralheira.


Aliás, é exatamente isso que fazemos há 15 anos à frente da revista LivreMercado, disparadamente a melhor publicação regional do País. Não é a mais importante, evidentemente, porque esse é um trono histórico do Diário do Grande ABC. Mas em matéria de qualidade existe um profundo fosso que, em nove meses ainda incompletos de atuação, juntamente com nossa equipe, conseguimos tornar menos pronunciado.


O exercício do jornalismo só tem razão de ser se contiver um viés indissolúvel: o compromisso com a sociedade a que atende. É algo como uma ação pública que não pode estar ao sabor de interesses localizados. Não haveria razão alguma de fazer jornalismo — e o faço há 40 anos, desde 14 anos de idade no Interior do Estado — se a objetividade de resultados de consolidação da cidadania em múltiplas extensões não fosse obcecadamente buscada como operação conjunta de todos que vestem a camisa da empresa.


Por isso e resumidamente que adotamos no Diário do Grande ABC o conceito inabalável de Diário do Grande ABC. Não de Diário da TV Globo, ou algo parecido.


Grande ABC, segunda-feira, 11 de abril de 2005


Pergunta: Quais foram, em função das mudanças, os principais temários que pontuaram o noticiário do jornal nos últimos oito meses?


Resposta: A decisão de regionalizar de verdade o Diário do Grande ABC levou a equipe de Redação a se concentrar no manancial de temáticas locais. Isso significa que todas as editorias, como são chamados os departamentos em que se subdivide a Redação, passaram a dar absoluta prioridade aos valores econômicos e sociais mais próximos. Dessa forma, não faltaram oportunidades em que a equipe foi submetida ao que chamaria de prova de comprometimento com a regionalidade, porque uma megacidade de 2,5 milhões de habitantes reúne diversidade fascinante.


É verdade, também, que a cobertura regional do Diário do Grande ABC tem, exatamente pela subdivisão territorial, um componente complicador. Não faltam exemplos de pauta em que é indispensável ouvir fontes de todos os municípios. Diferentemente, portanto, de uma Capital, por exemplo, onde se ouve apenas um secretário de Finanças, apenas um secretário de Saúde, e assim por diante. A fragmentação territorial do Grande ABC implica esforços múltiplos porque o integracionismo obriga a elasticidade de informações por municípios aparentemente deslocados da pauta original.


Um exemplo desse expansionismo está na cobertura das novas unidades da Febem projetadas para São Bernardo e Diadema. O assunto é obrigatoriamente regional. É impossível informar qualificadamente o leitor se não houver vasculhamento factual e muitas vezes histórico no tratamento dispensado aos menores infratores na região, entre outros pontos relevantes. Os leigos em jornalismo provavelmente não imaginam o que essa especificidade do Diário do Grande ABC exige de empenho e determinação dos profissionais da empresa.


Sem exagero algum, face aos percalços econômicos dos anos 90, com reflexos diretos sobre o genoma social, o Grande ABC é o maior laboratório socioeconômico do Brasil. Já fundamentei essa convicção em diferentes locais, sempre com o espírito de repassar à audiência o testemunho de quem jamais se furtou a mensurar os acontecimentos que aqui se registraram em velocidade incompatível com o mínimo de capacidade assimilativa. Lamentavelmente, durante largo período desse verdadeiro turbilhão que estiolou a geografia regional, o Diário do Grande ABC não conseguiu capturar as múltiplas faces dos acontecimentos. Mas essa é uma outra história.


Isso mesmo, uma outra história, mas tem tudo a ver com os conceitos do Planejamento Estratégico Editorial que preparei para o jornal. Foi por essas e outras que alçamos às manchetes de primeira página do jornal, com nossa equipe, de forma frequente, assuntos como Rodoanel, produção industrial das montadoras e de outros setores de relevância econômica na região, elevação da capacidade do Pólo Petroquímico de Capuava, crise política em Mauá, sequência histórica do anúncio ao desfecho da morte de Luiz Tortorello, implacabilidade no acompanhamento das eleições municipais, descalabros da Febem, percalços dos administradores públicos locais em áreas vitais como enchentes e saúde, crise do sistema de segurança pública, Consórcio de Prefeitos e sua nova realidade, além de série de estudos que mediram desde a auto-estima regional até novos hábitos de consumo dos moradores dos sete municípios.


Anteriormente ao período da regionalidade explícita, o jornal tratava esses e outros assuntos sem a mesma impetuosidade doutrinária. Produziam-se irreversíveis vazios na sequência dos acontecimentos às vezes anunciados com estardalhaço. A flacidez de acompanhamento de alguma forma contribuía para o arrefecimento de soluções. A missão do jornal como mobilizador de decisões estará consumada na exata medida em que se portar como cão farejador incansável. Os consumidores de informação jornalística, principalmente em situação geocultural como a que vivemos, têm relação com o jornal semelhante à dos telespectadores com os folhetins novelescos: estão sempre na expectativa de que o desenlace dos acontecimentos seja detalhadamente esmiuçado. Abandonar o campo informativo sem que todos os pontos em questão sejam explicados gera frustração e quebra de confiança.


CONTEXTUALIZANDO
É possível que se dispense qualquer tipo de análise adicional sobre esses aspectos observados no texto. Vivíamos naquele período uma fase de amadurecimento do Planejamento Estratégico Editorial. E isso não interessava a muita gente.


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