Se há um raro ponto de evolução na Província do Grande ABC é o fato de ter sumido da pauta jornalística a proposta de regionalização do Carnaval. Justamente este jornalista, então Diretor de Redação do Diário do Grande ABC, apresentou a pauta em questão. Estava confiante de que poderíamos despertar eflúvios de regionalidade também por conta de mobilização em atividades culturais populares. Quase 10 anos depois, me sinto obrigado a afirmar que está melhor assim, ou seja, que a proposta seja esquecida, depois de requentada inutilmente há algum tempo atrás sem que qualquer menção fosse feita ao autor da sugestão.
Exceto se algum pauteiro maluco de algum jornal da região decidir ressuscitar o assunto, o carnaval regional foi para a cucuia como idealização sujeita à efetivação. Ganhamos muito nesse sentido. Deixaremos de ser mais uma vez embromados com falsas promessas e expectativas que jamais se confirmam com ações. Seria bom se em tantas outras temáticas não se perpetrassem continuamente novas levas de industrialização de ilusões. Entra dia, sai dia, e as manchetes parecem brotar do passado já manjado que me irrita quando abro meus arquivos.
Sim, agora que estou muito mais próximo fisicamente do melhor arquivo de matérias jornalísticas particular da Província do Grande ABC, sou açodado pela curiosidade de pesquisas mais sistemáticas. Tenho algumas centenas de macropastas ao meu redor. Tornei-me uma ilha cercada de papeis por todos os lados. Posso consultar mais assiduamente o que produzimos como sociedade nos últimos 20 anos.
Outro dia, para escrever sobre o casamento de interesses entre o ex-deputado federal Duílio Pisaneschi e o PT, recorri às minhas vizinhas de papel. Assim tem sido em outros momentos. O que é de produção sob a responsabilidade deste jornalista está sendo transplantado para a plataforma digital. Tudo que os leitores encontrarem nesta revista digital com data anterior a janeiro de 2008 é resultado dessa operação.
A experiência agora mais intensa de consultar a vizinhança de papel é um mergulho nas águas da desilusão, do desencanto, do entusiasmo que se mostra agora ingênuo. Como desperdiçamos nosso tempo acreditando piamente em administrações públicas? Como somos enrolados por falsários institucionais que se utilizam de redutos corporativos para destilarem proposições com o mero sentido de enrolar o distinto público? Tudo está ali, inexoravelmente impresso em milhares e milhares de pastas.
Novo Parque Ibirapuera
E a cada dia novas investidas se registram. Leio no Diário do Grande ABC de hoje, da boca do deputado estadual Orlando Morando, a promessa de que a abandonada Chácara Baronesa, imensidão de estragos de 340 mil metros quadrados de área na divisão de Santo André e São Bernardo, vai-se transformar em novo Parque Ibirapuera. Não estou exagerando: o deputado disse que a Chácara Baronesa vai virar o Parque Ibirapuera. Não é à toa que Orlando Morando é considera um dos maiores fazedores de marolas de cunho marqueteiro da região.
Ainda bem que houve sensibilidade e juízo do editor de Primeira Página do Diário do Grande ABC (não sei se a mesma decisão se deu nos demais veículos de comunicação que eventualmente tenham ouvido o deputado) para não puxar declaração tão triunfalista à manchete ou mesmo a chamada de destaque. Tampouco se deu ênfase na matéria publicada internamente.
Não é fácil conter o ímpeto político-eleitoral de Orlando Morando. O jovem que perdeu a disputa para Luiz Marinho em 2008 à Prefeitura de São Bernardo, e que nos últimos tempos vem mantendo uma política de boa vizinhança com o partido da estrela vermelha, não é especificamente alguém com capacidade de combinar a força da imaginação com comedimento da verbalização.
Em termos populares diria que Orlando Morando fala mais do que deve. Foi assim, aliás, ao induzir o governador Geraldo Alckmin a proclamar a Província “melhor esquina do Brasil”, depois da inauguração do Rodoanel Sul. Nada mais falso, como se sabe. O Rodoanel Sul conta com apenas três acessos na região, e mesmo assim tangenciais, longe do centro econômico nervoso e também de vantagens comparativas em acessibilidade de quem trabalha fora desse território. Bem diferente dos 13 acessos internos e integrativos do Rodoanel Oeste, que atende a região da Grande Osasco. Os números sobre a evolução do PIB das duas regiões provam que a corrida desenvolvimentista da Grande Osasco evoca a velocidade de trem-bala enquanto a da Província do Grande ABC assemelha-se em morosidade ao trânsito nos horários de pico.
Gostaria muito de queimar a língua com Orlando Morando e sua grandiloquência, porque nenhuma eventual vaidade profissional de cantar equivocadamente uma bola, mesmo com o respaldo do passado de espumas do deputado, é mais importante que a consecução daquela promessa. A Chácara Baronesa é, como bem informou o Diário do Grande ABC, o maior território ambiental urbano da região. Infelizmente, virou uma desastrada associação de cracolândia, favelamento e agressão contínua ao meio ambiente.
Carnavalização
Quero crer por conta de tudo que já passei na região como jornalista que cansou de acreditar nos agentes públicos, privados e sociais, que Orlando Morando esteja a dar mais um lance de espetacularização da agenda regional. Melhor dizendo: contaminado pelo momento, esteja a carnavalizar a Chácara da Baronesa. Estivesse realmente preocupado com a situação daquela área, cuja incidência de degradação ultrapassa décadas, Orlando Morando e os demais deputados estaduais e federais da região já teriam se mobilizado para comporem um grupo de trabalho com técnicos especializados e decididos a esquadrinhar a reforma aludida. Os prefeitos não resistiriam à iniciativa, mesmo se considerado o clube deles, o Consórcio Intermunicipal, um tapete vermelho propício à exibição de fantasias regionais. Exceto uma ou outra área, como a de saúde, por exemplo.
O deputado estadual que tem uma ficha de valor duvidoso na representação regional do traçado do Rodoanel, obra da qual extraiu grande parte dos votos que o reelegeu em 2010, prefere mesmo, sempre com o suporte de marqueteiros, filtrar ardilosamente o que sobra de oportunístico no noticiário regional para, vapt, vupt, catalisar as atenções com infiltrações espetaculares que fariam corar de vergonha Ronaldo Fenômeno nos melhores tempos de Barcelona.
A bem da verdade, Orlando Morando não é o único ponta de lança de marquetagem populista a constar do elenco da Província do Grande ABC. Muito pelo contrário. É apenas o mais atrevido e o mais abusado. O figurino da casa regional nestes tempos de dinheiro orçamentário curto e competição acirrada pela manutenção ou pela reconquista de poderes locais, tudo sob a influência da corrida em direção ao Palácio dos Bandeirantes, é a exacerbação deliberada e compulsiva de ocupação do território midiático a qualquer custo. Orlando Morando ganha a corrida pelo pote de ouro de ilusionismos porque é o agente do governo do Estado para assuntos publicitários, entre outras atribuições informais. Daí o anestesiamento crítico generalizado da mídia.
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