Regionalidade

Sobrou virtualidade,
faltaram as estrelas

DANIEL LIMA E VERA GUAZZELLI - 05/01/2003

O Grande ABC inicia nova temporada com um olho no Palácio dos Bandeirantes e outro no Palácio do Planalto. Trazer o governo de Geraldo Alckmin e do presidente Lula da Silva para os problemas locais é o grande desafio das instituições regionais que mais aparecem nas manchetes. A julgar pelo final de ano, a trabalheira vai ser intensa. Nem Alckmin nem Lula apareceram na solenidade que marcou a inauguração da nova sede dessa espécie de santíssima trindade da regionalidade: Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, Câmara Regional e Agência de Desenvolvimento Econômico.


 


Anunciados como convidados especiais, Alckmin e Lula não ouviram a banda tocar à entrada do Edifício Celso Daniel, como foi batizado o prédio reformado e que até recentemente reunia o Fórum Trabalhista de Santo André. E também perderam o espetáculo patrocinado pelo prefeito de São Caetano, Luiz Tortorello, presidente do Consórcio Intermunicipal, último a discursar. Tortorello construiu uma regionalidade institucional absolutamente virtual. O Grande ABC das palavras mágicas de Tortorello é um primor de integração regional.


 


O dirigente que governa o Município economicamente mais estável da região fez uma abordagem histórica das três entidades regionais, pôs-se como iniciador da obra que todos sabem ser de Celso Daniel e nem de leve mexeu no vespeiro que CapitalSocial revelou dias antes: ignorou as críticas ácidas que fez às três entidades em maio de 2001, em entrevista ao Diário do Grande ABC.


 


O presidente do Consórcio de Prefeitos da festa de inauguração do Edifício Celso Daniel nem de longe lembrava o crítico de maio de 2000. Inconformado por jamais ter chegado à presidência do organismo, Tortorello descartou a necessidade da Agência de Desenvolvimento no organograma regional, censurou a falta de resultados do Consórcio e, completando a bateria de críticas, declarou que a manutenção de sede para o Consórcio seria um desperdício de R$ 1 milhão por ano. Por isso mesmo, defendeu uma entidade itinerante.


 


A ausência do governador Geraldo Alckmin, representado à última hora pelo secretário de Emprego e Relações de Trabalho, Fernando Leça, provavelmente tenha sido estratégica. O ambiente não era dos melhores para Geraldocá. A manchete do Diário do Grande ABC da data de inauguração do Edifício Celso Daniel delatava a saia justa em que se meteria o governador se viesse a Santo André: o relator da Assembléia Legislativa, homem forte do governo, rejeitou todas as emendas da chamada Bancada do ABC para o orçamento de 2003. Ficaria difícil explicar a decisão quando o conjunto de 21 propostas, a maioria das quais essencialmente pontuais, foi retirado da pauta da Câmara Regional presidida exatamente pelo governador do Estado.


 


Se Geraldocá não foi possível por motivos óbvios, a ausência de Lulacá surpreendeu. O então presidente eleito preferiu cumprir programa no Interior do Estado. No dia seguinte, os principais jornais brasileiros estampavam fotos de Lula da Silva exibindo calçados fabricados em Franca, cidade bombardeada pelo modelo de abertura econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. Diferentemente do Grande ABC, Franca recuperou sua economia em larga escala por força de empreendedores locais. O Grande ABC essencialmente multinacional continua sob o fogo cruzado da globalização cada vez mais intensa.


 


Ao trocar o abacaxi do Grande ABC pelos sapatos de Franca, Lula da Silva deixou de cruzar com uma bancada de prefeitos majoritamente petista que ocupou a ampla mesa do Auditório Mário Covas, como foi batizado o espaço que Consórcio, Câmara e Agência revezarão nos eventos. Apenas o prefeito Luiz Tortorello, do PTB, e Maurício Soares, do PSDB, quebraram a corrente petista composta por João Avamileno, Oswaldo Dias, Maria Inês Soares, José de Filippi Júnior e Ramon Velasquez, além de dois convidados da Região Metropolitana de São Paulo, Marta Suplicy e Elói Pietá, da Capital e Guarulhos.


 


Os dois prefeitos fora do eixo do Grande ABC prestigiaram o evento para assinar acordo de prolongamento da Jacu-Pêssego, estrada que passa pelas duas cidades e que faz a ligação Grande ABC-Guarulhos. Marta e Pietá fizeram coro nos elogios aos organismos regionais, como é comum entre os convidados que intermitentemente visitam o Grande ABC emoldurado sob a ótica triunfalista.


 


Marta Suplicy trouxe o discurso pronto e depois de ler algumas páginas sobre a importância do suporte financeiro do Estado à obra viária, acertou o tom ao falar do prefeito Celso Daniel. Ela lembrou que a obra era a materialização do sonho do homem que mais trabalhou e pensou na integração do Grande ABC. Só faltou dizer que Celso Daniel viveu os dois últimos anos de mandato de prefeito cuidando um pouco mais de Santo André, depois de dedicar os quatro primeiros praticamente pulando de Município em Município da região, para amarrar os conceitos de metropolização a partir do Grande ABC. Uma tarefa costurada com intensa vocação, mas pouco compreendida e assimilada por boa parte dos demais dirigentes políticos da região, apossados de municipalismo conservador.


 


Por isso, por causa desse extrato de municipalismo, fez falta Lula da Silva ao encontro. Ele poderia fornecer mais detalhes e conceitos sobre o Ministério das Cidades, um dos quadradinhos do organograma brasiliense para combater a deterioração da qualidade de vida nas regiões metropolitanas, em especial da Grande São Paulo de 39 municípios e 18 milhões de habitantes.


 


Leça positivista


 


Se faltou Lula da Silva com eventuais projeções de novos tempos metropolitanos, o secretário estadual Fernando Leça tratou de construir cenário positivista. Leça representou o governo na assinatura de dois acordos para implantação do Sistema Regional de Segurança Pública do Grande ABC e também da ligação Grande ABC-Guarulhos através do prolongamento da Estrada Jacu-Pêssego. “Com a segunda pista da Imigrantes, o Rodoanel e a ligação até Guarulhos, a região vai conhecer um terceiro ciclo de desenvolvimento, assim como aconteceu com a construção da ferrovia Santos-Jundiaí e depois com a Via Anchieta”-- projetou Leça.


 


Só o tempo -- e também os contratempos viários -- dirá se Fernando Leça exagerou ou não. O fato é que a essência de seu discurso é corretíssima: o Grande ABC está encalacrado pelo provincianismo do sistema modal. Servido basicamente por duas rodovias (Anchieta e Imigrantes) e pela Avenida dos Estados para dar vazão ao complexo jogo de suprimento de matérias-primas e distribuição de produtos acabados, o Grande ABC está fora da competição mais apurada que coloca a logística como fator excludente.


 


Consultorias especializadas não dão trégua ao acanhamento modal que atinge a Região Metropolitana de São Paulo, especialmente o Grande ABC: perder tempo no trânsito, estar paradoxalmente distante demais de portos e aeroportos, não reunir trilhos competitivos, tudo isso é fatal na hora de decidir o endereço de investimentos. Sem contar que o Grande ABC é um emaranhado interno de ruas e avenidas que fertilizam o trânsito caótico.


 


Os casos de evasão industrial do Grande ABC por causa da logística dificilmente vêm a público. Não é o exemplo da Gráfica Bandeirantes. Depois de mais de 40 anos de São Bernardo, decidiu concentrar atividades em Guarulhos. A operação de compactação industrial provocou também o fechamento da unidade de Campinas. Guarulhos foi a opção sugerida pela Simonsen & Associados, especializada em realocação empresarial, porque está mais próxima de um feixe de estradas, entre as quais os 18 quilômetros recém-inaugurados do trecho oeste do Rodoanel.


 


O presidente da companhia, Mário César Camargo, explica que o ambiente político, um dos dois pontos de exclusão automática de investimentos, foi descartado pela Bandeirantes como problema em São Bernardo. As relações trabalhistas da empresa e do Sindicato dos Gráficos sempre foi cordial. “Mas quando se verificou o aspecto logístico, a decisão foi terrível” -- afirma Mário César.


 


É por causa de situações como a descrita pelo dirigente da Gráfica Bandeirantes que encontros como o do final de dezembro em Santo André não podem servir de cortina de fumaça para a emergencialidade explícita de uma região que perdeu 34% de produção de riqueza industrial só no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma ausência que jamais chegou a ser anunciada como presença. Diferentemente de Lula e de Alckmin.           


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