O Grande ABC não pode perder a oportunidade histórica que se lhe apresenta, com a virtual vitória de Lula da Silva, para articular-se coletivamente sob a essência conceitual de capital social. Sim, só faltava o Complexo de Gata Borralheira ganhar forma de monolítica indestrutibilidade e, mesmo com um presidente da República oriundo de São Bernardo, a região mostrar-se incapaz de gestões que a retirem do estado de letargia institucional interna e de descaso político-administrativo externo.
Em resumo, chegou a hora de o Grande ABC virar República do ABC, no sentido redentor da expressão. Se continuar faltando competência para articulações e interlocuções produtivas, é melhor fechar as portas não para balanço -- porque para isso estão fechadas há muito tempo -- mas para regime falimentar.
Não serão simplesmente a efetiva vitória de Lula da Silva e a ascensão de várias lideranças petistas locais que colocarão o Grande ABC necessariamente na rota de interesse pleno de que prescinde para sair do buraco em que o governo Fernando Henrique Cardoso nos meteu. O buraco é muito mais embaixo.
Independentemente de matizes ideológicas, partidárias e institucionais, o Grande ABC não pode deixar escapar a possibilidade de, finalmente, ser ouvido em Brasília. Mas ouvido com qualidade. Não pode desperdiçar munição de atendimento com merrecas, com assistencialismo barato, com penduricalhos comuns em repúblicas de bananas regionais e que se transformam em lamentável currículo de deputados provincianos apresentados em períodos eleitorais.
Dificuldades e institucionalidade
As dificuldades que se colocam para o desenvolvimento econômico e social do Grande ABC são muito maiores do que a soma de virtudes de movimentos sociais, econômicos, políticos e culturais que essa fragmentada área de sete municípios oferece individual e coletivamente.
O Grande ABC -- essa verdade precisa ser expressa com todas as letras para que não haja a menor dúvida sobre a dimensão do problema -- não está preparado institucionalmente para fazer do governo Lula da Silva a alavanca de recuperação de parte das riquezas que o governo FHC lhe subtraiu com política macroeconômica de desprezo olímpico às realidades regionais.
Em linhas gerais isso significa que não tivemos capacidade de reação coletiva, nas mais diferentes organizações, para obstar o genocídio empresarial e social cometido pelo governo federal ao longo da última década. Seria aberração repetir o mesmo desatino agora com Lula da Silva. Simplesmente porque com FHC a interlocução jamais foi instalada, enquanto que com Lula da Silva a relação é compulsoriamente associativa.
Agendão produtivo
Por mais que os petistas tenham prioridade estratégica de relacionamento com o futuro presidente da República, o Grande ABC se mostrará incompetente como coletividade ecumênica se não conseguir somar forças e interesses às demandas lideradas pelos seguidores do eventual novo comandante da Nação. Com a institucionalidade regional em frangalhos, o melhor que se pode planejar nos momentos subsequentes ao triunfo de Lula da Silva é a conscientização de que o ressurgimento econômico e social da região decorrerá em larga escala da aproximação de agentes regionais para a produção de agendão sobre o qual se construirá estrutura de projetos pragmáticos e emergenciais.
O grande desafio do Grande ABC é superar a ausência do brilhante Celso Daniel, o melhor articulador regional de que já dispomos na esfera pública. É certo que, vivo estivesse, também estaria ausente da região, pelo menos na dimensão física necessária, porque comandaria um dos ministérios do governo Lula da Silva. Por mais paradoxal que possa parecer, a ausência do triprefeito de Santo André numa pós-eleição presidencial em que o Grande ABC se vê na cara do gol da sorte grande de finalmente ser enxergado como região-síntese desse País de contrastes, deverá proporcionar esforço adicional de outros agentes públicos, empresariais, sindicais e sociais para compensar o buraco que se abriu na institucionalidade regional.
Oportunidade especial
Essa expectativa está fundamentada na lógica de que o Grande ABC terá um mínimo de discernimento para entender a extensão da oportunidade que o novo quadro político-institucional do País poderá lhe proporcionar a partir de janeiro do ano que vem. Entretanto, não devemos acreditar em Papai Noel. As relações entre organizações privadas, públicas, governamentais e não-governamentais instaladas no Grande ABC são demasiadamente frágeis, para não dizer inexistentes. Não bastasse o distanciamento quase generalizado, acrescentam-se modelos corporativos atávicos, como é o caso analisado ontem neste espaço, relativo às diretorias do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo). E de outros espectros institucionais, como a falsa bancada do Grande ABC na Assembléia Legislativa e na Câmara Federal.
Trocando em miúdos: os espaços que se abrem na provável administração de Lula da Silva não serão entregues simplesmente de bandeja só porque o eventual novo presidente e vários de seus assessores viveram na região; são espaços que precisarão ser conquistados. E conquista é algo que exige planejamento, estratégia, mobilização, monitoramento e prioridades temáticas.
Será que depois de um quase certo sortilégio de ganhar na loteria o Grande ABC jogará o bilhete fora e, mais uma vez, para fugir das responsabilidades, vai responsabilizar o dono da banca?
Que não demoremos demais para preparar força-tarefa capaz de costurar interlocução imediata e perene com o novo governo federal que sairá das urnas com a cara do Grande ABC.
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24/04/2025 GRANDES INDÚSTRIAS CONSAGRAM PROPOSTA